Lucas Melgaço – Geógrafo, Pós Doutorando e Professor na Bélgica.
Hoje na Coluna do Clube do Bolinha, o BPM entrevistou o Lucas Melgaço.
BPM – Fale sobre sua trajetória – de onde é, quanto tempo mora fora, em que países já morou..
Lucas – Eu sou de Goiânia mas já na graduação me mudei para Campinas para cursar Geografia na Unicamp. Foi através de um doutorado em Geografia na USP em São Paulo que vi a oportunidade de passar uma temporada estagiando na Europa. Passei dois anos do doutorado em Paris fazendo uma co-tutela, uma parceria entre duas universidades, nesse caso USP e Sorbonne, em que no final do processo o doutorando é diplomado pelas duas instituições. Ao final do doutorado voltei ao Brasil e fui trabalhar na UFRJ como pós-doutorando. Logo, porém, recebi a resposta positiva de uma bolsa para a qual eu havia pleiteado para passar um ano na Queen’s University em Kingston, no Canadá. Depois de meses de muito frio por lá me mudei para Bruxelas onde vivo e trabalho há quase 4 anos.
BPM – Qual é a sua posição atual e como você a alcançou?
Lucas – Desde que me mudei para a Bélgica eu trabalho como pós-doutorando e professor do curso de mestrado em Criminologia da Vrije Universiteit Brussel. Na verdade, no Brasil usamos o termo “professor”, mas aqui na Europa o título é utilizado apenas para professores adjuntos e titulares, o que não é o meu caso. Minha função aqui é o que eles chamam de “lecturer”, em inglês. Em outras palavras, dou aulas, mas não tenho o mesmo prestígio e as mesmas responsabilidades de um “full professor”. Já fui advertido uma vez por erroneamente usar a alcunha de professor, já que as hierarquias do mundo acadêmico são mais marcantes aqui na Europa do que no Brasil. Ao fim do meu contrato de pesquisa (de seis anos) irei pleitear uma vaga de professor, já que com ela poderei ter estabilidade e também construir meu próprio grupo de pesquisa com doutorandos e pós-doutorandos. A concorrência porém é bastante intensa.
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BPM – O que te motivou a seguir uma carreira no exterior?
Lucas – Sempre tive a curiosidade de viajar e passar uma temporada fora do Brasil. Mas meu projeto nunca foi de criar raízes por aqui. Vim para fazer um doutorado e depois voltei para o que deveria ser uma curta temporada para um pós-doutorado. Nunca idealizei o mundo acadêmico fora do Brasil. Se aqui a estrutura física é melhor e as verbas de pesquisa são mais fartas, no Brasil temos, de modo geral, alunos muito mais críticos e maduros. Sinto muita falta de ensinar na minha língua materna e dar aula para brasileiros. Porém, quando já estava pronto para voltar ao Brasil conheci minha atual companheira, por quem me apaixonei e com quem tive na semana passada a nossa primeira filha, Julia. Resolvemos então que ficaríamos por aqui durante os primeiros anos de vida dela mas ainda temos planos de que nossa filha viva uma temporada no Brasil. Queremos que ela tenha o máximo de contato possível com o meu país e com essa coisa fantástica que é a brasilidade, ou o que o geógrafo Milton Santos chamou de “flexibilidade tropical”. O dia-a- dia aqui é por vezes demasiadamente estruturado, rígido, tudo é muito certinho, muito previsível, o que nem sempre é um convite à criatividade.
BPM – No começo, qual foi o seu maior desafio?
Lucas – No começo tudo é diferente, tudo é novidade. O frio é intenso, a comida é esquisita, as pessoas e os costumes são outros, mas tudo é novidade. Para mim o momento mais difícil foi quando a novidade passou e o diferente virou rotina. Nos momentos difíceis eu sempre me apoiava na ideia de que minha estadia aqui era temporária. Aceitar que o temporário estava virando definitivo foi um desafio imenso tanto para mim quanto para minha família no Brasil. A vida aqui é certamente mais fácil em vários sentidos, transporte, saúde, educação, mas apenas isso não é o suficiente para compensar a falta do Brasil e dos brasileiros. Por outro lado, a gente se recria, faz novas amizades, aprende a língua, conhece brasileiros aqui nas mesmas condições que as nossas e aos poucos vai se adaptando. Hoje posso dizer que vivo bem e feliz por aqui.
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BPM – Fez algum curso na sua área fora do Brasil? Se sim, quais indicaria para alguém que tenha interesse em seguir a mesma carreira.
Lucas – Vim para cá por conta da minha carreira acadêmica. Minha vida desde então é um eterno “curso”. Mas se é para indicar algo específico acho que aqueles interessados em seguir carreira fora do Brasil devem aproveitar as oportunidades no exterior para aprender línguas de forma eficiente e barata. Tanto na França como aqui na Bélgica há curso de idiomas subsidiados pelo governo. Foi assim que aprendi bem o francês e agora tenho feito o mesmo para o holandês. Mas mesmo no Brasil há várias formas de se aprender novos idiomas não tão caras quanto as escolas privadas de línguas. Na internet há vários sites, como Duolingo, que oferecem cursos gratuitos. As práticas de intercâmbio, aqui chamada de tandem, em que duas pessoas se encontram para um ensinar um ao outro sua língua materna são também uma forma divertida e barata de se aprender. Resumindo, estudem bem a língua do país em que pretendem morar. Mas não pensem que é preciso primeiro ser fluente na língua para só então poder se aventurar por outros países. Eu mesmo cheguei na França com um francês bem ruim. Mas lá gastei horas e horas estudando gramática, redação, e acho que isso foi um diferencial na minha carreira. Muitas pessoas têm a falsa ideia de que basta morar em outro país para aprender a língua, o que é um erro. É preciso também muita dedicação e estudo.
BPM – Sofreu algum preconceito por ser brasileiro? Ou a sua nacionalidade é irrelevante?
Lucas – A minha nacionalidade jamais foi irrelevante na minha vida fora do Brasil. Curiosamente, muitas vezes no meu trabalho ela mais me ajuda do que atrapalha. Há um interesse crescente por aqui no que eles chamam de “internacionalização”. Vir do Brasil, ou do que erroneamente tem se chamado de “sul global”, é muitas vezes um fator de diferenciação. Há várias vagas de trabalho nas universidades europeias em que as chamadas diretamente dão preferência por “pesquisadores dos países do sul”. No meu departamento sou o único estrangeiro. Vi por vezes meu nome aparecer em relatórios internos da universidade em que o departamento destacava a presença de um pesquisador internacional entre os membros da sua equipe. Por este lado é “sexy” ser brasileiro. Mas por outro lado, vir para a Europa me colocou pela primeira vez na minha vida na condição do “outro”. Sou homem, branco, de classe média, heterossexual. No Brasil nunca fui o outro, nunca fui pré-julgado por uma condição que me era inerente. Aqui eu recebi um novo “carimbo”, o de “latino”. É preciso dizer, porém, que dentre os “carimbos” o de latino talvez seja dos mais fáceis de carregar. Ser árabe, africano, muçulmano aqui é bem mais difícil do que ser brasileiro. Porém, já fui sim vítima de racismo. Numa reunião em que discutia um projeto de pesquisa com várias universidades envolvidas, um professor austríaco com quem tive uma divergência em relação a métodos de pesquisa virou para mim e falou: “mas peraí, de onde você é?” Eu respondi: “o que isso tem a ver com o conteúdo da discussão?” Ele me respondeu: “Dependendo de onde você seja eu saberei se posso ou não confiar em você”.
BPM – Você acha que se estivesse no Brasil teria as mesmas oportunidades ou morando mora lhe proporciona mais chances?
Lucas – Na verdade se eu estivesse agora no Brasil eu teria mais oportunidades do que tenho aqui na Europa. A carreira acadêmica na Europa tem passado por um profundo processo de precarização. Os contratos permanentes são cada vez mais raros. As universidades têm cada vez menos verbas próprias ou repasses do governo e boa parte do dinheiro que entra vem através da competição por projetos e bolsas pagas pela União Europeia. É uma espécie de leilão, um salve-se quem puder. Há uma competição diária por cargos, verbas, enfim, por tudo. Como já comentei, até hoje não tenho um contrato permanente aqui, coisa que no Brasil eu muito provavelmente já teria alcançado. Há mais concursos no Brasil do que aqui e mais estabilidade, mesmo que por vezes os salários sejam mais baixos.
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BPM – Deixe um recado para os leitores do BPM que possam estar se preparando ou apenas sonhando em seguir a mesma carreira, fora do Brasil.
Lucas – Vou deixar uma dica que acho de extrema importância para se aproveitar a fundo a experiência fora do Brasil: evitem idealizações. Não idealizem o diferente, o estrangeiro, o de fora. Há coisas maravilhosas e coisas horríveis por aqui, como há em qualquer parte do mundo, inclusive no Brasil. Venham de peito e mente abertos para o novo, para o diferente e para as transformações pelas quais irão passar. E se preparem também para a volta (para os que vêm por um período definido), o que é algo muito complicado nesse processo. Quando voltamos ao Brasil vemos nosso país com outros olhos. Muitos voltam demasiadamente críticos e tal crítica facilmente se transforma em arrogância. Já outros percebem qualidades do nosso país e do nosso povo às quais não se davam conta quando ali moravam.
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Muito legal a entrevista com o Lucas.