Machismo x feminismo na Argentina.
Antes de começar gostaria de fazer algumas aclarações: não sou uma estudiosa do assunto, portanto o que deixo registrado aqui é baseado na minha experiência de vida e na minha opinião. Sinta-se à vontade de se identificar, de não se identificar, de concordar, de discordar, de achar coerente ou uma grande estupidez.
Agora vamos, e por onde começar? Pelo começo.
Primeiro
Confesso, pensei bastante antes de decidir falar sobre este assunto. Assunto da moda, polêmico, que tem gerado muitos conflitos…
Não tenho medo de receber comentários ruins, pelo contrário, gosto que discordem de mim e que me mostrem outras possibilidades de ver e resolver a mesma questão. O que não gosto é de não poder discutir uma ideia sem que outros se enfureçam e comecem a brigar.
Mas vamos lá, continuemos, por favor…
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Segundo
Eu nasci e cresci numa pequena cidade da zona leste da grande São Paulo. Venho de duas famílias de origens bem brasileiras, quero dizer, mistura de africanos, índios e europeus. E convivi sempre com gente de muita grana e gente de grana nenhuma.
E nesse balaio todo posso dizer que não me lembro de ter sofrido por causa do machismo. Sempre fiz o que quis, nunca escutei uma cantada na rua, nunca me disseram ou fizeram algo porque eu “era mulher” e nem sofri assédio.
Simples assim, juro.
Fui criada sem distinção entre o que é masculino e o que é feminino. Tudo junto e misturado. Homens e mulheres. Fazendo as mesmas coisas. Pai e mãe trabalhando e cuidando da casa. Avó e avô aposentados (depois de trabalharem muito) e cuidando dos netos. Amigo e amiga usando rosa e azul. E todo mundo sendo magro, gordo, alto ou baixo como sempre foram.
Mas e os números? E as mortes? E a estatística?
Claro, o Brasil tem casos muito sérios de violência contra a mulher e de homens e mulheres sofrendo por terem que se comportar de uma maneira que não são. Não nego isso. Só digo que a minha experiência foi diferente, ou melhor, que existe gente longe dessa realidade cruel.
Na Argentina, os números também são altos. E o movimento #niunamenos bem forte. No entanto, novamente, não tenho nenhuma experiência no assunto.
Há uns meses outra colunista da Argentina falou sobre os números da violência de gênero no país. E, de fato, são alarmantes. Mas volto a dizer, não sofri e nem conheci alguém que tenha sofrido diretamente. E por quê?
Terceiro
O que você deve estar pensando é “coitada, ela vive numa bolha”. E acho que pode-se dizer que sim. Mas qual seria essa bolha?
Não sou branca. Sou misturada. Tenho sangue negro, índio e europeu. Não sou homem. Sou mulher. Não sou milionária e nem rica. Apenas trabalho muito e ganho o suficiente para viver tranquila. Não sou da capital. Sou da periferia da ZL.
Qual a minha bolha, então?
Qual é o meu lugar?
Concluo que o de alguém que viveu como foi possível e que tem, também, um lado da história para contar.
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Quarto
Quando eu cheguei em terras hermanas demorei bastante tempo para conhecer gente e fazer amizades verdadeiras. E quando fiz, comecei a observar o meu entorno.
Mais uma vez, conheci gente pobre, gente rica, gente nova e gente mais velha, gente do norte e gente do sul. E só um dos meus conhecidos próximos tiveram ou tem algum caso para somar nas estatísticas que já falamos.
Que raios, então, acontece comigo? Sei não. Só sei que posso afirmar que nem sempre é tudo tão ruim assim. Você pode viver experiências boas neste mundo cada vez mais doido.
Quinto
Vamos sempre falar sobre esse assunto, pois só assim ele poderá ser minimizado e um dia resolvido. Mas até lá, que tal falar, também, que existem bons exemplos a serem seguidos?
Vou contar uma história que aconteceu há vários anos.
Sentada numa mesa de um restaurante, conversando com outra brasileira, também casada com um argentino, escuto a seguinte frase:
“Meu marido é muito sensível, adora cozinhar e dançar”.
E eu respondo:
“Ai, o meu também!”
Daí, outro argentino, também em nossa mesa, responde:
“Nós, homens argentinos, somos assim mesmo”.
E todo esse papo rolou em nossa roda como questão de curiosidade, apenas. Assim como outro fato curioso é o de o machismo argentino obrigar aos homens, e não às mulheres, fazer dieta para ter o “corpo do verão”.
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Sexto
Para terminar, compartilho algumas curiosidades sobre o meu dia-a-dia para mostrar que existe o lado B da disputa Machismo x Feminismo.
Tarefas domésticas:
Desde o princípio do meu casamento foi tudo dividido, faz quem tem tempo e quem pode naquele momento. Foi natural, não rolou nenhuma discussão sobre o assunto.
Aparência:
Não curto muito a moda argentina (sempre tão ousada, colorida e cheia de estampas) então compro roupa masculina. Já meu marido, às vezes, compra feminina porque ele usa mais cor do que eu.
Altos cargos:
Na Universidade de Corrientes, pelo menos nas faculdades da turma de exatas, a maioria dos chefes são mulheres. E assim acontece com professores e pesquisadores. Em trabalhos anteriores eu só tive chefe mulher. E olha que estou falando de fábricas.
Só para lembrar, esse são alguns poucos casos que fazem parte da minha rotina. Pode ser que com outras seja diferente, mas comigo é assim.
Agora, fiquei aqui pensando, será que meu entorno se desenrola dessa maneira porque eu me cerco de pessoas que estudaram e estudam muito?
Talvez sim… talvez esteja aí a coincidência… claro. Tanto no Brasil como aqui em Corrientes eu sempre procuro estar na roda dos intelectuais. Das pessoas que estudam de tudo e a vida toda. Que falam várias línguas. Que são de todo canto. Que vem de todas as origens. Mas que seguem firmes e fortes estudando.
…hum, curioso…
Acho que está aí, heim? Acho que estudar pode ser um caminho… acho que uma completa educação pode ser uma solução.