Minha experiência conhecendo a Índia de norte a sul.
Escrevi um outro texto relatando minha chegada na Índia e um pouquinho do que vi no Sul do país. Continuei a viagem via terrestre e trago agora minha experiência a caminho do Norte da Índia. Cheguei em Mumbai e conheci uma nova Índia, moderna e grande, mais quente e mais poluída. A desigualdade social e a diversidade da população também aumentaram, as roupas e os restaurantes tinham bastante influência ocidental e não era mais preciso esconderijos para comprar cerveja. Uma cidade grande, que possui um dos hotéis mais luxuosos do mundo e que deixa os contrastes bem aparentes.
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Após alguns dias, mais um trem e a próxima parada foi de uma semana em um novo ashram, agora na cidade de Lonavla, um lugar lindo e arborizado, com atividades voltadas totalmente para práticas de yoga, que foram diárias e intensas. Uma professora indiana conduzia as aulas, duas vezes ao dia, além das sessões de relaxamento e respiração. As refeições inclusas eram típicas, gostosas, vegetarianas, não tão apimentadas, mas bem leves. Os vendedores de bananas na rodovia principal eram a boa ajuda na hora da fome. Um templo hindu próximo ao ashram iria receber um casamento indiano no dia que o visitei e tive a chance de ver os noivos prontos, com seus trajes especiais e ornamentos diversos, incrivelmente lindos. Nunca me esquecerei do olhar penetrante daquela noiva, de seu piercing enorme e dourado no nariz e da torcida que fiquei para que ela tenha escolhido aquele noivo, que ninguém tenha decidido o casamento por ela.
Após esses dias em retiro, a próxima parada foi a mais quente. Jaipur, no Rajastão, próxima ao deserto, a antiga terra dos Marajás, que possui inúmeros lugares interessantissimos para visita, como Jantar Mantar, onde em meados de 1700 foi construído um verdadeiro arsenal de instrumentos de astronomia arquitetônica, com ferramentas enormes e precisas que continuam praticamente intactas. O susto foi sentir na primeira noite um pouco da tempestade de areia que atingiu fortemente as cidades vizinhas. Era areia para todos os lados, um poeirão pairando no ar e uma sensação de secura sufocante.
A temperatura continuava alta, mas precisava conhecer o Taj Mahal. Assim, a próxima parada foi em Agra, uma cidade muito pobre e barulhenta e também uma das que mais recebe turistas estrangeiros. Conhecer aquele monumento é impressionante, seus detalhes internos e sua história são tão incríveis quanto sua beleza. Nessa mesma cidade conheci a cruel e revoltante história de mulheres que foram atacadas por ácido, pelo simples fato de terem nascido mulheres e/ou por não obedecerem algumas tradições impostas pela sociedade, tiveram seus rostos totalmente deformados. O restaurante e café “Sheroes Hangout” é comandado por elas, as sobreviventes e heroínas se juntaram e possuem um lindo projeto para inclusão social e resgate da auto estima. Eu pude ver de perto esse exemplo de sororidade inspirador e tocante.
O Sol castigava e eu ainda tinha cidades grandes para ver. Chegar em Nova Délhi foi quase como chegar em São Paulo: lugar urbano, parques, shoppings, lojas, restaurantes, bairro rico e bairro pobre, metrô, uber e a famosa avenida Main Bazar, pra te lembrar rapidamente que você está na Índia e que o barulho, a sujeira, os cheiros, as vacas, as moscas, o comércio de ambulantes e os mochileiros são parte fundamental daquela bagunça fascinante. Uma cidade que resume bem a Índia e todos os seus contrastes, onde há desde mesquitas tradicionais Islamicas até um templo dedicado a todas religiões.
A próxima parada foi para me mostrar que ainda era possível haver mais choque cultural. A humilde e poderosa Varanasi, uma das cidades banhadas pelo sagrado rio Ganges e local escolhido pelos Sadhus andarilhos. Pude comprovar que na beira do Ganges são realizadas as famosas cremações a céu aberto, que acontecem 24 horas por dia e são separadas por castas. Também nesse mesmo rio há aula de natação e até banho com direito a sabão e shampoo. O rio não é poluído como eu achava, me surpreendeu não ter cheiro forte e por ver alguns peixes nadando por lá. Logo entendi que as duas grandes e lindas cerimônias realizadas por dia, todos os dias na beira do Ganges, pedindo que ele se mantenha saudável e agradecendo sua existência, fazia todo sentido e tinha o seu poder.
Depois desses dias em uma das cidades mais intensas do país, era hora de cruzar a fronteira de ônibus e realizar o procedimento de “visa run” no Nepal para voltar à Índia com o visto atualizado. Um ônibus, daqueles que me faz sentir em cena de filme, foi o transporte que me levou da cidade de Gorakpur até a fronteira. O calor de 40 graus acompanhou todo o percurso de aproximadamente quatro horas, segui chacoalhando e observando as paisagens mais diversas, as ruas sempre muito lotadas e o trânsito caótico. A imigração indiana era uma sala antiga, empoeirada, cheia de papéis e caixas de arquivos, com três velhos computadores e dois oficiais muito simpáticos que rapidamente realizaram o atendimento. E então entrei no Nepal, fiquei hospedada na cidade Siddhartanaghar e também conheci Lumbini, cidade natal de Buda e onde há um complexo de templos budistas enorme e lindíssimo, com uma estrutura impecável.
Em poucos dias eu estava de volta à incrível Índia, para enfim conhecer Rishikesh, a capital do Yoga, próxima aos Himalaias. Cidade também banhada pelo rio Ganges, mas lá com águas cristalinas, turistas praticando rafiting, peregrinos se banhando em rituais sagrados e muitos gringos buscando por cursos de yoga e alguma “experiência espiritual”. Pontes enormes e suspensas ligam um lado ao outro da cidade. Andar sobre a ponte Lakshman Jhula era tão interessante como qualquer outra coisa que pareça simples, mas que para mim virava atração naquele país. Motos, vacas e pedestres cruzavam o caminho ao mesmo tempo e constantemente, com direito a paradas para uma foto daquela vista deslumbrante, bem em cima do rio. A cidade conhecida como local de peregrinação e como um dos lugares mais sagrados para os hindus, não comercializa nenhum tipo de carne e nenhum tipo de bebida alcoolica, a não ser pelo “apple juice”, secretamente disfarçado em alguns locais para conseguir um copo de cerveja.
É fácil notar que costumes indianos estão sendo adaptados para receber tantos turistas que por ali passam todos os dias do ano. Os rituais sagrados e a cultura autentica contrastam com o comércio de yoga tão expressivo, desde cursos dos mais variados estilos a infinitas lojas direcionadas ao tema. A minha agradável surpresa por lá foi conhecer alguns brasileiros que gentilmente convidaram para assistir um satsang na casa de um swami (em sânscrito sat = verdade, sanga = companhia) traduzido como “Encontro com a Verdade”. Todos sentados no chão, ouvindo alguns ensinamentos, cantando mantras e desfrutando de chá e doces. Sem dúvida essa cidade na Índia permitiu o encontro com pessoas do meu próprio país muito inspiradoras e agradáveis. Juntos ainda visitamos cachoeiras isoladas do eixo turístico e conseguimos desfrutar de um silêncio quase impossível por alí.
Três meses e meio depois, minha primeira viagem à Índia chegou ao fim. Já sinto saudades daquele povo divertido, caloroso, colorido e animado, dos diversos rituais e celebrações, da vida acontecendo nas ruas e até do barulho, da comida apimentada e das viagens de trem.
Fica aqui um pequeno registro do meu olhar privilegiado de turista, encantado com tantas peculiaridades e muita beleza, essa que é tão forte e presente quanto os inúmeros problemas existentes em cada pedaço daquele mundo à parte.
2 Comments
Oi Simone, você conseguiu visitar Chennai? Passarei um tempo lá a trabalho e estou buscando informações do ponto de vista brasileiro. Obrigada, Talita
Olá Talita,
A Simone Dias Moreno, infelizmente parou de colaborar conosco.
Obrigada,
Edição BPM