Músicas da nova revolução chilena.
Dizem por aí que os tempos de mudanças e revoluções são um excelente combustível para a arte. Pois bem, no Chile não podia ser diferente.
Desde outubro de 2019, quando eclodiram os protestos sociais em Santiago e nas demais regiões do país, os artistas locais se engajaram na luta popular.
O resultado são belíssimas canções que, certamente, vão marcar as próximas gerações por muitos e muitos anos. Você confere agora uma lista com as músicas da nova revolução chilena.
El derecho de vivir em paz
A canção composta originalmente pelo lendário Victor Jara ganhou uma nova versão em 2019. Vários artistas chilenos se juntaram e gravaram a reinterpretação desse grande hit que se tornou um hino dos protestos.
É importante destacar que mais do que apoiar as manifestações com produções musicais, os artistas efetivamente estiveram nas ruas, nas praças e junto do povo. Você pode conferir a regravação no vídeo abaixo:
Regalé mis ojos
Durante os protestos no Chile, uma prática comum adotada pela polícia militar foi o uso de armas de pressão para dispersar as manifestações.
O problema é que os disparos eram diretamente contra o corpo dos manifestantes, em especial, nos olhos. Em 3 meses de protestos, mais de 400 pessoas foram feridas com lesões oculares. Uma dessas pessoas virou um símbolo da luta contra a desigualdade social chilena.
Trata-se do estudante Gustavo Gatica, que ficou completamente cego depois de ser ferido nos dois olhos com esse tipo de munição. Gustavo estava fotografando as manifestações no dia em que foi atingido pela polícia.
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Seu caso comoveu milhares de pessoas no Chile e no mundo todo. Num artigo publicado no jornal The Clinic, ficou registrada a célebre frase de Gustavo para sua mãe: “regalé mis ojos para que la gente despierte” (perdi meus olhos para que as pessoas acordem!).
A declaração inspirou o músico chileno Nano Stern que compôs uma belíssima canção em homenagem a este jovem estudante. Você confere abaixo:
El baile de los que sobran
Na década de 80, poucas bandas latino-americanas conseguiram romper a barreira da língua portuguesa. Por isso, quase ninguém conhece no Brasil “Los Prisioneros”, um grupo bem popular por aqui e cujo um dos hits virou símbolo da nova revolução chilena.
Com a música “El baile de los que sobran” os músicos chilenos queriam fazer um desabafo em nome de todos os jovens de classe média e baixa que, depois formados no ensino médio, descobriam que as suas oportunidades de emprego ou de ensino superior (universidades) eram totalmente limitadas, já que o modelo de educação chileno é extremamente elitista e exclusivo.
A canção foi tocada num dos primeiros protestos que reuniu vários músicos em frente à biblioteca nacional. Depois que um vídeo viralizou nas redes sociais, passou a ser tocada em todas as manifestações. Aperte o play e veja a versão completa da música com o trecho que virou hit nas redes sociais:
https://youtu.be/qbAuJ0aTg0U
Rebelión de octubre
Difícil escolher apenas um hit da cantora Ana Tijoux quando ela produziu três grandes sucessos durante a onda de protestos chilenos. Apesar de destacar o mais recente, lançado justamente na época do plebiscito nacional que aconteceu em 25 de outubro do ano passado, também quero mencionar mais duas canções.
Bem no início dos protestos, logo depois que o presidente Sebastián Piñera decretou o estado de emergência e toque recolher, uma das formas mais comuns de protesto eram os panelaços (cacerolazo). Daí, a cantora chilena produziu o primeiro hit revolucionário chamado “Cacerolazo”, que também viralizou rapidamente.
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Posteriormente, ela lançou outro sucesso (“Pa Qué”) e explicou em suas redes sociais do que tratava esta canção: “Pa qué nasceu do protesto da rebelião alegre que ficou marcada em nossos quadris e corações, congelado em um “live” com falhas na conexão (…)
Do confinamento, as carências tornaram-se evidentes, enfrentamos nossos privilégios, olhamos para o rosto do esquecimento, do inconsciente, para dizer não, não esquecemos, não nos ignoramos”.
Já “Rebelión de octubre” é uma clara homenagem aos manifestantes que lutaram na linha de frente dos protestos (la primera línea), muitos deles ainda estão presos aqui no Chile. Foi graças a eles que foi possível votar por uma nova constituição no Chile:
Para que nunca más
Outro hit antigo chileno que voltou com toda força durante a jornada de protestos de outubro de 2019.
A canção do grupo Sol Y Lluvia, do movimento conhecido como Nueva Canción Chilena, até hoje é tocada como uma forma de relembrar os mortos e desparecidos durante a ditadura do general Augusto Pinochet.
A forte repressão e reação do governo Piñera às manifestações reavivou na memória dos chilenos este triste período da história recente do país. Confira a canção abaixo:
Vuelvo para vivir
O grupo Illapu também marcou presença ativa nos protestos chilenos e participou de um show transmitido pela Rádio Dignidad onde interpretou um dos grandes êxitos da banda.
A canção “Vuelvo para vivir” virou um dos grandes sucessos da história do grupo e da música latino-americana, além de ser um hino para os chilenos que viviam no exílio. Veja a emocionante interpretação transmitida ao vivo pelas redes sociais em março do ano passado:
El Pueblo unido jamás será vencido
O verdadeiro e autêntico hit da nova revolução chilena também é uma antiga e tradicional canção de um representante do movimento Nueva Canción Chilena, o grupo Inti-Illimani.
No dia 13 de dezembro de 2019, no auge das manifestações, um showmício reuniu milhares de pessoas em Plaza Dignidad (ex-Plaza Italia). Ali, me meio a um mar de gente, uma gravação eternizou o hino que consagrou o processo de lutas dos chilenos e culminou com o plebiscito em outubro de 2020.
A luta continua no Chile porque muitos manifestantes ainda estão presos, sem julgamentos, além disso, muitos jovens ficaram com lesões decorrentes da repressão policial.
Depois do plebiscito, a próxima etapa é o processo eleitoral para eleger os representantes do povo que vão redigir a nova constituição. Há muita luta pela frente e certamente, virão novas e antigas canções para embalar as lutas e emocionar o povo.
Até lá, é possível reviver os dias de protestos através destas canções.