O Brexit e a Imigração.
Em 2016, quase 52% dos Britânicos votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia, pondo fim a mais de 40 anos de parceria entre o gigante pequeno Reino ao norte da Europa e seus vizinhos do continente.
O que procurarei tratar aqui é do que o Brexit (como ficou conhecida essa saída do United Kingdom da European Union) representou e continua a representar na visão dos Britânicos, e na vida dos imigrantes que vivem aqui.
Pano de Fundo
Desde de 2005, a permanência do Reino Unido na União Europeia e suas condições enquanto membro, passaram a fazer parte das agendas dos partidos políticos locais de maior relevo.
Ainda que algumas pesquisas tenham apontado para uma falta de preocupação quase total dos constituintes para com a situação do Reino Unido na UE, a imigração por sua vez, foi apontada em 2014 como a maior preocupação dos cidadãos britânicos.
Em 2015, quando David Cameron, do partido conservador, foi reeleito como Primeiro Ministro, marcou seu próprio destino ao prometer um referendo que iria lidar justamente com questões relacionadas às condições de permanência do Reino Unido na União Europeia.
Com o passar do tempo, a pergunta foi sendo definida: “Deveria o Reino Unido permanecer como membro da União Europeia ou deveria sair da União Europeia?”.
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Mentiras e ameaças
As campanhas de ambos os lados foram marcadas pela manipulação da verdade e até de números oficiais – ainda que em graus diferentes.
Resumidamente, quem fazia campanha pela saída do Reino Unido da UE dizia que todo o dinheiro dado à União Europeia poderia ser revertido ao sistema único de saúde e que os políticos locais poderiam finalmente retomar as rédeas das políticas adotadas no país. A propaganda era de uma maior transparência, mas também de encarar o desafio da imigração com as particularidades pertinentes a um país que recebe um número maior de imigrantes do que os envia para fora.
Já aqueles que faziam campanha pela permanência do Reino Unido diziam que o povo estava sendo manipulado pelo partido conservador e que saindo da União Europeia, o Reino Unido teria em uma desvantagem significativa e entraria em uma profunda recessão econômica.
Como foi a votação?
Quando a votação de fato aconteceu, eu estava no meio do meu período de pouco mais de 2 anos vivendo novamente no Brasil, mas o que amigos me contam é que foi um dia extremamente chuvoso e a maioria das pessoas, também por não levar a serio o que estava acontecendo, simplesmente, não foi votar.
Nunca vou esquecer quando acordei com a notícia: o Reino Unido votou pela saída da União Europeia.
Ainda que muitas pessoas estivessem em choque (como nós estávamos), não existia mais nada que pudesse ser feito. O referendum não pedia nem sequer uma maioria qualificada para pôr fim a uma parceria pacífica e lucrativa de mais de quatro décadas.
E poderia dizer que depois de duas extensões aos prazos finais de negociação é possível sentir uma polaridade crescente entre os dois lados. Aqueles que votaram pela saída por acharem que era apenas um voto de protesto e que pareciam arrependidos no início, agora se juntam ao coro de quem diz “chega de negociar, nós votamos e nosso desejo tem de ser respeitado”.
Como o Brexit está influenciando a opinião sobre imigração
De maneira geral, parece justo afirmar que foi chocante e desconfortável para todos imigrantes, terem que acompanhar – e testemunharem a vitória – daqueles que se posicionam em diferentes graus, mas abertamente, contra a imigração.
Ao mesmo tempo, a opinião da maioria dos imigrantes europeus que conheço é de que muitas pessoas se sentiram legitimadas por tal vitória e parece que passou a ser aceitável posicionar-se contra a imigração na frente de qualquer pessoa e em qualquer lugar.
Dessa maneira, me parece muito mais comum ouvir comentários como “de você eu gosto, mas o problema é que tem imigrante de todos os tipos”, do que era possível ouvir antes.
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Vamos compreender algumas coisas
Acredito que as pessoas não tomam decisões baseadas na vontade de ferir. Elas as tomam porque as suas experiências de vida as levaram a acreditar que aquela decisão era a mais acertada: a melhor, ou a menos pior, a ser tomada.
Dessa maneira, apesar de ser inicialmente contra o Brexit, procurei ainda assim entender as pessoas que eu conhecia que tinham votado a favor do mesmo.
Alguns amigos meus (surpreendentemente, até uma amiga com nacionalidades francesa e inglesa) declararam abertamente ter votado pelo Brexit. Esses amigos, juram que nada tem a ver com imigração, mas sim, com a retomada de controle do povo daquilo que é decidido para seu próprio país. Para estas pessoas, aquilo que é discutido e visto como relevante em Bruxelas, não levaria necessariamente a opinião do povo britânico em consideração.
Ao mesmo tempo, é necessário dizer, foram meus amigos imigrantes e de cabeça mais aberta que se negavam a ouvir o lado daqueles amigos mais conservadores, me levando à conclusão de que talvez estejamos todos nós pecando por não saber ouvir aquilo do que discordamos – o que provavelmente trará consequências negativas para todos nós.
Então, por que a imigração preocupa os britânicos?
Depois da destruição e morte causadas pelas grandes guerras do século XX, imigrantes (especialmente provenientes de antigas colônias da Inglaterra) foram vistos como um mal-necessário à reconstrução do país. “Mal” porque representavam o diferente e o desconhecido, o novo, em um país extremamente tradicional.
Com o passar dos anos, tais imigrantes foram se integrando de maneira mais natural à sociedade local, mas jamais deixaram de levar parte da culpa todas as vezes em que se via um aumento do desemprego.
Porém, foi com os imigrantes europeus que ouvir outras línguas pelas ruas passou a ser extremamente comum. Aqui, se encontram tradutores em hospitais, delegacias de polícia e muitos outros lugares. Fica fácil dizer que quem paga por isso são os cidadãos os quais as famílias vêm pagando impostos aqui há gerações – porém, se vê muito pouco o fato de que estes imigrantes estão fazendo os trabalhos mais duros e, ainda assim, pagando corretamente seus impostos.
Mas parece ter sido com a aceitação de países mais pobres do leste do continente europeu como membros da União Europeia que muitos passaram a ver a quantidade crescente de famílias dependentes de benefícios sociais, como a causa para a falta de recursos nessa área. A verdade é que a vasta maioria das famílias na faixa da pobreza, e precisando de ajuda, são famílias formadas por britânicos.
O que esperar do futuro?
Em termos legais, a promessa é de que, aqueles europeus que já possuem 5 anos de residência aqui terão direito a ficar. Já aqueles que começaram (ou começarem) a vida por aqui antes da saída definitiva do Reino Unido, mas possuem menos de 5 anos de residência, poderão registrar-se para aguardar que o prazo acima seja cumprido. Tal esquema já está em vigor, mas sem um acordo final, tudo continua incerto.
Grande parte dos brasileiros que moram aqui conseguiram se estabelecer por conta das cidadanias Italianas, Espanholas e Portuguesas. Mas, a partir do momento em que o Brexit for trazido a termo, o Reino Unido não será mais uma opção de vida nova para os brasileiros com dupla cidadania.
Além disso, ainda que muitos empresários afirmem que o país não possui uma força de trabalhado preparada – ou sequer suficiente para suprir a demanda por prestadores de serviço – o que levou algumas pessoas a afirmarem que trabalhadores de outras partes do mundo seriam aceitos por aqui – isto não parece significar uma vantagem para os brasileiros, já que imigrantes provenientes da chamada Common Wealth parecem contar não só com a língua inglesa, como também com um passado atrelado àquele britânico.
Como ficamos
Ainda que eu sinta em dizer isto, de fato, vejo uma diferença entre a Inglaterra que um dia escolhi morar, onde parecia existir curiosidade e celebração às diferenças, para a Inglaterra que vivo hoje.
A xenofobia parece ser menor do que em muitos outros países desenvolvidos, no entanto, hoje, sinto a necessidade de prestar atenção para que meu filho não ache que precisa disfarçar as suas raízes para que seja aceito no país onde escolhemos viver.
4 Comments
Olá, Betina! 🙂
Achei ótimo o seu texto!
Retornei de Londres há pouco tempo, fiquei 1 mês na cidade e pude conhecer mais sobre a cultura britânica. Eu adorava ler os jornais gratuitos distribuídos no metro e entender sobre as news da política. Infelizmente, não tinha conhecimento prévio do assunto para poder conversar abertamente com um nativo sobre o Brexit. Mas um fato curioso, é que eu andei por algumas ruas e via placa em frente da casa ‘NO BREXIT’ e imagino que a população deve ser ativa e acompanhar diariamente as noticias sobre esse futuro incerto do Reino Unido.
Olá Nayara! Muito obrigada 🙂 Eu acredito que se interessar pelas coisas e começar a pesquisar è o mais importante.
Agora que nas eleições gerais saiu vitorioso o partido que prometeu entregar o Brexit, a saída do Reino Unido da EU realmente é iminente.
Quanto ao que se vê e se fala nas ruas, tenho a sensação de que Londres é um outro país… Onde moro, metade da população votou pelo Brexit, mas eu ouço apenas que as pessoas querem que ele aconteça de uma vez :/
Um abraço pra você!
Olá Betina, já faz um ano desde a publicação desse artigo, então vim tirar minhas duvidas… Sou menor de idade, e planejo me mudar com minha mãe (que é uma ótima profissional na aerea da arquitetura) e já somos fluentes em inglês (ela morou lá por 9 meses em 2004), e eu queria saber qual é a situação atual do país, e se a taxa de desemprego atualmente não seria um problema tão grande para nós no processo da imigração (?). Planejamos nos mudar em 2021 para 2022, mas temos medo de chegar lá e sermos deportadas por motivos de desemprego no país ou por sermos brasileiras…. O que você acha?
Olá Malú! Primeiramente, a profissão da sua mãe é muito bem remunerada aqui na Inglaterra e existe como fazer o registro e trabalhar na área. Porém, diria que conseguir visto não é a coisa mais fácil por aqui (fica mais fácil se é uma profissão altamente requisitada, como a da área da saúde), mas procurem se informar sobre o processo de revalidação de título e sobre a possibilidade de encontrar “sponsors” para conseguir o visto como brasileiras. Já trabalhar ilegalmente não é algo que eu recomendaria, até porque eles são muito mais rígidos com isso do que no passado. E sim, nesse caso, vocês correriam forte risco de deportação.
Além disso, no momento, com a previsão de que o lockdown será substituído por um sistema de bandeiras mais restrito que o primeiro e considerando que as massas devem ser vacinadas apenas na primavera, os empregos disponíveis são mais aqueles ligados a empresas como a Amazon ou aos grandes supermercados. Existe um programa de retenção de empregos onde o governo continua pagando 60 a 80% do salário de cada pessoa já empregada, mas quando este acabar devemos sim, infelizmente, começar a ver mais desemprego.
No entanto, não desistam. Se vocês já falam a língua, procurem informações no site oficial do governo Britânico (pode confiar em tudo que vocês lêem alí) e se preciso, entrem em contato com um advogado de imigração que poderá trabalhar com as peculiaridades do seu caso.
Eu lhes desejo sorte e perseverança, ingredientes essenciais a qualquer expatriado!