O ciclo virtuoso da gentileza colombiana.
Em um mundo cada vez mais caótico em que as pessoas não têm tempo para nada, nem para as outras pessoas, eu acabei me mudando para a Colômbia e redescobrindo a gentileza.
Me mudei, praticamente, nas vésperas do Natal do ano passado e bateu um sentimento de que talvez eu e meu marido ficássemos sozinhos no Natal. Cheguei dia 11 de dezembro e logo na sequência, um casal nos chamou para uma novena de Natal para a semana seguinte.
Primeiro sentimento foi de surpresa: O que seria uma novena? Um casal jovem nos convidando para uma novena? Somos religiosos, mas sem exageros e aí ficamos intrigados para saber o que era uma novena na Colômbia, porém, também um pouco apreensivos. Lembro da minha avó fazer novena, não com frequência, mas é uma lembrança distante, bem no fundo da memória, daí vem a apreensão.
Fomos a tal da novena, e esta nada mais foi do que uma reunião com alguns membros da família e um grupo de amigos, em que se faz uma oração de Natal com agradecimentos e benções, nada muito longo ou com exagero religioso e, além disso, se compartilha comes, bebes, alegria e um momento especial entre pessoas queridas. É quase uma extensão do Natal, mas com reuniões mais simplificadas e nas quais você acaba interagindo com mais gente querida do que usualmente, em um único dia. Isso porque os colombianos costumam fazer estas confraternizações ao longo de 9 dias antes do Natal.
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Esse primeiro contato com os colombianos me fez entender o ponto que, para mim, os faz tão gentis, e ele é a espiritualidade. Ao longo deste ano, em diversos momentos, tive interações assim, cujo ponto de comunhão era a religião, desenvolvendo pessoas mais interessadas em ajudar os outros, fazer o bem e a ser um ser humano melhor em todos os aspectos da vida. E isto é incrível de se ver em um país que já sofreu tanto em sua história, porém que não perderam a fé de ver as coisas melhores, pelo contrário, intensificaram-na e acho que é justamente por isso que o país foi evoluindo em seus problemas, dia após dia.
Muitas vezes fui chamada para grupos de orações e acabava sempre não indo. Acabava tendo receio de ter pela frente pessoas muito exageradas. Mas, um dia, resolvi experimentar e adorei. Para mim, cada sessão é como entrar em algum tema da revista Vida Simples, que é uma revista que adoro os temas e sempre lia no Brasil, pois são temas que falam sobre nossos problemas do dia a dia e um estilo de vida mais simples. Porém, com o caos, acabam muitas vezes sendo apenas um desejo e não uma realização.
Então o grupo nada mas é do que isso, um grupo de discussão sobre pontos da vida diária que podem ter grandes conselhos baseados em passagens da Bíblia. Quase uma terapia em grupo, sim, mas sinto que estas pessoas realmente querem melhorar a cada dia e ter Deus como guia, neste caminho de melhoria constante. Sem forçar a barra em religião, mas apenas com o desejo genuíno de ser alguém melhor.
E isso faz uma baita diferença no comportamento das pessoas e dispara um ciclo virtuoso que não acontece apenas na época de Natal, não é apenas o espírito natalino se despertando, mas algo mais perene e consistente. Não tem nada de utópico e tampouco perfeito por aqui, mas sinto que as pessoas valorizam mais o que importa de fato, as pequenas coisas, têm menos aquela ambição exagerada e necessidade de alto consumo para ser feliz, então, compram menos. E isso não significa dizer que não consumam muito ou que não tenham ambição, mas parece algo um pouco mais consciente.
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Menos escravidão em relação ao consumo gera o outro passo do ciclo virtuoso que é o tempo, são pessoas que têm mais tempo e mais disponibilidade para os outros. Tem sempre alguém disponível para te ajudar, te acompanhar em algo que precise. Em alguns casos, os casais optam por ter apenas uma fonte de renda, o que abre espaço para reunirem mais as pessoas e ajudarem mais.
Aqui tem ONG para tudo quanto é lado, e são fundações sérias. As pessoas têm como estilo de vida realizar algum projeto para ajudar os demais. E isso é algo incrível: “Qual é a sua próxima ambição? Ser promovido? Não, realizar um projeto com crianças carentes”. Isso é uma baita mudança de paradigma. Existem projetos desde criar serviços comunitários em um morro, até entretenimento para crianças com câncer. As pessoas têm mais senso de sociedade por compartilhar, com o próximo, o bem que recebe; são menos egoístas, menos egocêntricas.
No último aniversário da cidade, foram realizadas 100 atividades para ajudar a sociedade. Eram oficinas de alimentação vegana, limpeza da cidade etc, todas com alta participação. Mas, essa iniciativa não acontece só em Cali. Por onde viajei na Colômbia, vi pessoas muito simpáticas, generosas e voltadas para cuidar da comunidade. O tempo muda o engajamento e a dedicação das pessoas.
O caos continua a existir na Colômbia, mas este círculo virtuoso, me parece, contém um pouco seus efeitos, gerando mais gentileza por aí e, assim, a vida fica mais leve e agradável de se viver. Feliz Natal a todos, aprendamos com os colombianos e carreguemos este sentimento natalino para o longo do próximo ano e não somente no Natal.