O melhor restaurante da África do Sul.
Eu cheguei cinco minutos antes das 19 horas. O porteiro, extremamente gentil, já estava me aguardando. Você tem reserva, ele perguntou. Dei meu nome e falei que, infelizmente, as três pessoas que tinham reservado para vir comigo não viriam.
Entramos. No famoso quarto escuro, tinham três mesas ocupadas e três livres. O porteiro, sem hesitar e de maneira extremamente respeitosa, me levou até a mesa de uma pessoa ao invés da mesa que estava separada para nós quatro.
Então veio o gerente, não tão gracioso quanto o porteiro. Me disse que, porque três pessoas haviam cancelado sem avisar, ele reteria 75% do valor da reserva.
Eu já estava chateada com os meus amigos, que optaram, de última hora, não gastar uma baita grana no restaurante que a gente tinha reservado há mais de três meses. Eu tinha pago sozinha metade da reserva, que para quem ganha em moeda sul-africana, é um valor bem significativo, e o jeito que eu fiz as pazes com jantar sozinha nesta noite especial foi pensar que, pelo menos, a ausência deles cobriria a minha conta completamente.
O gerente, eu tinha descoberto, não compartilhava o mesmo raciocínio. Então contei para ele da minha conversa pelo telefone com a recepcionista do restaurante algumas horas antes, quando ela me disse que, independentemente do número de pessoas que viessem, o depósito seria creditado integralmente na conta no fim da noite.
Espere, vou ter que falar com o Luke, ele disse.
O Luke, eu pensei! Então o famoso chef Luke Dale Roberts realmente fica aqui! O Luke é chef do restaurante número um da África do Sul (onde estávamos!), restaurante esse que recebeu o “Cacao Barry One Watch Award” na premiação dos 50 melhores restaurantes do mundo realizada em Londres, e foi eleito um dos 25 melhores restaurantes do mundo pela William Reed Media de Nova York. Para vocês terem uma ideia, o único restaurante brasileiro do mesmo ranking é o DOM, em São Paulo.
Enquanto o gerente foi falar com o Luke, eu aproveitei para procurar um banheiro. Ao abrir a porta do quarto claro, onde ficava o toalete – e onde o jantar acontece – me deparei com o Luke. Ele explicou, também de maneira pouquíssimo elegante, que aquilo era um negócio e ele precisava fazer grana: se três pessoas tinham cancelado, a conta não ia fechar.
Uau, e eu ali pensando que donos de restaurante deveriam se importar com a experiência dos convidados! Então eu lembrei que ele era chef de cozinha, e talvez se preocupasse mesmo mais com a comida que a experiência social de comer. Chefs realmente não são famosos pela simpatia, me tranquilizei. Ele parecia bastante estressado e me explicou que muitas pessoas tinham o costume de fazer isso: reservar para quatro pessoas, sabendo que viriam sozinhas, porque não tinham conseguido uma reserva individual.
Eu lamentei que isto acontecesse e esclareci que este não era o caso, enquanto pensava que ele resolveria o problema facilmente aumentando o valor da reserva e garantindo o lucro desejado mesmo antes dos clientes entrarem no restaurante. Mas dar dicas de negócio não era meu foco. Eu só queria manter o bom humor e aproveitar a experiência espetacular que eu tinha imaginado ser o The Test Kitchen. O Luke se retirou.
Quando voltei do banheiro, o gerente veio até mim e me disse que eles poderiam manter o combinado com tanto que eu me mudasse para o bar e eles pudessem vender a mesa para outras pessoas. Eu achei o máximo. Estando sozinha, o bar com certeza seria melhor do que uma mesa solitária. Além de que o bar ficava de cara para a cozinha! o que me permitiu ver um dos chefs cozinhando meu risoto de siri (dentre inúmeros pratos que eu experimentei naquela noite).
Mas vamos voltar para o quarto escuro. Esclarecido o mal-entendido, e o momento constrangedor da chegada, voltei para os drinques e canapés!
A experiência começou com dois coquetéis: você podia escolher entre amargo, salgado, azedo ou doce. Eu, que não tinha com quem conversar, puxei papo com o bartender, que me disse que o melhor dos drinques era o azedo. Então fui de azedo e salgado! Uau! Eu nem bebo, mas aqueles coquetéis mereciam ser bebidos. Vieram uma variedade de comidas. Quem acha que restaurante fino é restaurante em que se passa fome certamente ainda não foi ao The Test Kitchen. Foram tantos que eu nem me lembro de todos os canapés mas o que ficou na memória foi um torresmo finíssimo incrível – minha avó talvez reclamasse da falta de sustância – mas, meu Deus, que sabor!
Apesar dos garçons parecerem robôs que proclamam ingredientes e frases do tipo “bem-vindo ao The Test Kitchen, etc.”, eles se tornavam um pouco mais humanos quando você perguntava alguma coisa além do script. O que é fabuloso para quem, como eu, é seletivo sobre o que come, eles são extremamente atenciosos e respeitosos com dietas especiais, fazendo substituições e comentários pertinentes de acordo com as suas restrições.
Quando a gente terminou a experiência na sala escura, eu pensei: não consigo comer mais nada! Mas a noite estava só começando.
Novamente, atravessei a porta até o quarto claro, agora sendo bem recebida com sorrisos, e alguns garçons confusos sobre quem, de fato, iria me servir.
Sentei ao lado do bar mais uma vez, e passei boa parte da noite conversando com o sommelier sobre quais eram as aspirações dele quando combinava os vinhos e a cerveja – ele estava experimentando esta combinação pela primeira vez! – com a comida. Ele me disse que buscava um certo atrito, um confronto entre a bebida e a comida: não uma combinação perfeita, mas algo que gerasse confusão e curiosidade. Fabuloso, eu pensei! Ele tinha o privilégio de colocar a cereja do bolo em todos os pratos!
A intimidade que você tem sentada ali no bar enorme. Dá para ouvir o nome dos chefs, assistir ao Luke experimentando as comidas com o dedo, o pessoal na cozinha ora estressado, ora brincando.
Vou falar bem pouco da comida porque me faltam palavras. As combinações, a criatividade e os sabores são raros! A comida se ajoelha em reverência ao chef, é a melhor forma que eu consigo descrever.
Os críticos que me perdoem, mas o restaurante tem muito o que melhorar em serviço. Talvez se eles fizessem delivery, e se fosse possível de alguma forma que os ingredientes chegassem assim de maneira tão fresca no nosso prato sem precisar estar ali – com toda aquela formalidade e estresse – seria magnífico.
Talvez seja preciso estar dentro da própria cozinha para que a experiência social seja tão boa quanto a gastronômica!
2 Comments
Oi Eloah td bm?
Estou a 1 mês aqui em Joanesburgo e não conheço nenhum brasileiro,vc poderia me dar dicas por favor?
Olá Bruna,
A Eloah Ramalho parou de colaborar conosco e, infelizmente, não temos outra colunista morando no país.
Obrigada,
Edição BPM