O resultado da Lei de Jante na Suécia.
Algumas coisas nunca ficam velhas. Gentileza e respeito são duas delas.
Vivendo na Suécia por dois anos, nunca me canso das primeiras coisas que me impressionaram quando cheguei por aqui.
Primeiro, o fato de que ninguém “pega” aquilo que não lhe pertence. Não é incomum caminhar pelas ruas e encontrar casacos, chapéus, sapatos e brinquedos pendurados nas árvores, ou colocados de lado, pois foram encontrados e estão aguardando que seus donos lhes venham procurar.
O mesmo ocorre no metrô. Caso um casaco seja esquecido, por exemplo, quem o encontra pendura em algum lugar visível. Nos trans (espécie de metrô) existem até alguns ganchinhos onde as pessoas penduram os objetos esquecidos, pois há um senso comum de que o proprietário virá procurar.
Outra coisa é o fato de que muito dificilmente iremos encontrar alguém dirigindo como louco. É uma paz. Mesmo com trânsito, ninguém se xinga. Ninguém mete a mão na buzina. Parece que os suecos estão preparados para lidar com essas situações. É quase como se estes imprevistos não fossem tão imprevisíveis assim. As faixas de pedestres são sagradas, e sim, os carros param para as pessoas atravessarem, mesmo sem semáforo.
Já nos semáforos, para cada faixa de pedestres há uma espécie de sensor que deve ser acionado quando há alguém querendo atravessar a rua. Você “passa” o dedo em frente do sensor e este começa a apitar, primeiro mais espaçado, e depois depressa, indicando, assim, o tempo que você tem para atravessar.
Raro também é ver alguém correndo desesperadamente para pegar ônibus ou metrô. Isso, descobri depois de certo tempo, devido à poderosa combinação de um aplicativo com um transporte público de qualidade.
A companhia oficial de transportes de Estocolmo, chamada SL, disponibiliza uma página na web (ou pode-se baixar o app também) na qual é possível verificar o horário de partida e de chegada. Ao inserir ponto de partida e de chegada, a página indica qual é a melhor alternativa de transporte – ônibus, trem, tram ou barco -, o número da linha, se é necessário a utilização de mais de um transporte e o horário de partida e de chegada – de verdade! É fantástico.
Agora, uma coisa que mexeu mesmo comigo, lá no fundo, é a honestidade\humanidade quando falamos em comprar roupas sazonais, como por exemplo, as roupas de inverno. Eu explico: Quando cheguei, minha primeira preocupação foi a de comprar roupas apropriadas.
Me lembro de estar conversando com uma senhora e comentei com ela que havia visto um preço muito bom em botas para neve, e que eu deveria me apressar e comprar logo um par, pois estávamos em setembro e em dezembro provavelmente iria precisar.
Ela me olhou meio confusa e me perguntou por que, ora bolas, deveria eu comprar botas de neve em setembro. Eu achei que havia sido clara: bons preços. Depois o valor iria aumentar… Ou não iria?
Então ela me disse que não, o valor não ia variar muito, pois afinal, todo mundo precisava ter acesso às roupas para inverno; assim, os preços não ficariam absurdos com a chegada da estação. Nem preciso dizer que fiquei passada.
A sensibilidade em entender que todos devem ter condições de comprar roupas de inverno no inverno foi algo tocante para mim. Parece óbvio, mas é bem aquela história do vendedor de guarda-chuvas. Ele está lá, vendendo seus guarda-chuvas por cinco reais, então começa a chover e o valor passa para 15 reais, justo quando as pessoas mais precisam. Enfim, achei uma atitude inspiradora.
Fiquei eu então cá com meus botões, martelando, pensando em como seria possível que essas atitudes fossem quase que uniformes e parte de um senso comum tão forte.
Assim, um dia nas minhas aulas de sueco eu aprendi sobre um conceito, uma espécie de filosofia que é ensinada por aqui desde que se é criança, que é a Jantelagen, com a qual eu imagino haver uma conexão direta com todas essas “pequenas coisas” que tenho citado até agora.
Jantelagen significa “A Lei de Jante” e sua origem vem do romance “Um fugitivo cruza seus trilhos”, escrito por um autor meio dinamarquês, meio norueguês chamado Aksel Sandemose.
A Lei de Jante basicamente diz que ninguém deve pensar que é especial ou melhor do que ninguém, e é composta por dez regras:
1. Não pensarás que és especial.
2. Não pensarás que estás no mesmo patamar.
3. Não pensarás que és mais inteligente.
4. Não imaginarás que és melhor.
5. Não pensarás que sabes mais.
6. Não pensarás que és o mais importante.
7. Não pensarás que és bom em alguma coisa.
8. Não zombarás.
9. Não pensarás que se importam contigo.
10. Não pensarás que podes ensinar alguma coisa.
No livro, os janteanos que transgridem essa “lei” – que não é escrita, mas transmitida oralmente – passam a ser tratados de forma suspeita e mesmo hostil, uma vez que a quebra do código vai diretamente contra o desejo comunitário da cidade, que visa a preservação da estabilidade social e a uniformidade.
Logo, fica passível de compreensão que estas gentilezas e este respeito mútuo são ensinados, plantados e semeados nas pessoas desde pequenas e fazem parte da educação de um povo. Quando somadas, essas pequenas coisas refletem nitidamente na nossa saúde, no modo como vemos e como reagimos ao mundo à nossa volta.
No final, isso tudo faz diferença e nos faz diferentes, gerando menos estresse e mais qualidade de vida, mais respeito e mais gentileza. Nas pequenas coisas é que a gente enxerga.
31 Comments
Juliana, muito apropriado o seu texto, especialmente nesta fase da falta de etica e respeito dos quais a populacao Brasileira, anda muito carente. Vou compartilhar. Parabens!
Endosso as palavras da minha querida amiga Juraci Pyke!E qdo somos gentis e educados no Brasil somos mal interpretados.
Muito obrigada prelo elogio, Juraci!
Sim, infelizmente estamos passando por um momento complicado no Brasil.
Vamos tentar disseminar bons exemplos e combater as sombras.
Se meu texto puder ajudar, nem que seja um pouquinho, vou me sentir honrada.
Let´s spread the word!
Abraço.
Parabéns amiga! Adorei o texto e sua sensibilidade em escrever! Sucesso sempre, ????????
Obrigada Gio querida!
Adorei sua reportagem. Tive oportunidade de tudo isso que vc falou quando estiver em gotemburgo. Fiquei apaixonada pela cidade. Anda não conheço estulcomo, mas em breve pretendo conhecer. Abraço.
Lucinete,
Muito obrigada!
A Suécia é mesmo fantástica!
Quando tiver a oportunidade, venha para Estocolmo e apaixone-se ainda mais 🙂
Abraços!
Orgulhoso da minha filhota, texto muito útil a nos todos aqui do Brasil, muitos bjos e parabéns, continue….
Obrigada papi!
Todo mês vc pode encontrar mais um texto meu aqui no blog, e, tbm texto de outras escritoras e seus respectivos países.
Aproveite!
Juliana, muito bom seu texto e experiência obtida nesse tempo!
Certamente cresceu muito! Saudades…
Querido Rafa,
A experiência é algo que não se compra, então, só vivendo mesmo.
Bom ver que outros podem perceber meu crescimento.
Obrigada!!!
Adorei o texto Juliana! Realmente estamos escassos de boa educação e gentilezas aqui no Brasil. O que deveria ser algo “normal” é visto aqui como “caridade de alguém excepcional que passou pelo meu caminho”! Não sei, mas aprendi que educação vem de berço e a minha realmente veio, mas para algumas pessoas parece uma regra a ser quebrada! Vale olharmos para fora e quem sabe aprender com os outros! Mais um aprendizado “Jantelagen”!
Oi Kkau,
Obrigada pelo prestígio!
Sim, algumas coisas estão bem escassas no Brasil, e precisam ser remediadas antes de cessarem de vez.
Acredito que devemos ensinar bem nossos futuros filhos e também lutar por uma educação melhor, pois só formando bons cidadãos, estes poderão criar bons filhos.
Vamos lutar por um “bom berço” para todos 🙂
Adorei o seu texto. Vamos repetir a lei de Jante aqui no Brasil, quem sabe um dia seja a realidade da Suécia a nossa realidade?!
Obrigada Rose!
Sim, eu apoio essa ideia 😉
Parabéns pelo texto Juliana!!!! 🙂
Morando aqui em Estocolmo a mais de um ano, um dia disse para um amigo sueco que achava engraçado as pessoas não conversarem muito ao telefone dentro do ônibus ou do metrô, e ele naturalmente me esclareceu: ” É que não gostamos de desrespeitar o espaço alheio, e respeitamos o direito do outro de ficar em silêncio.” Fiquei chocada com a resposta! … Eles são mesmo MUITO respeitosos! 🙂
Obrigada Iza!
Sim, é mesmo de impressionar esse respeito pelo espaço do outro.
Não é à toa que a gente “expansivo” demora um pouquinho para se adaptar com tudo isso que nos cerca.
Mas, no final, acaba sendo algo que aprendemos e aprendemos a apreciar.
Beijos
Da ate vontade de morar aii
Olha Isis,
Vale a pena, viu?
Mas eu sou suspeita 😉
Ju, adorei o texto!!! Fiquei até com vontade de ir morar na Suécia!!! Realmente essas pequenas coisas é que fazem a diferença. No Brasil, infelizmente, temos a Lei de Gerson como cultura… Mas temos que torcer e agir para tempos (e educação) melhores! Beijos
Olá Helô,
Obrigada pela visita!
Sim, as pequenas coisas do dia-a-dia são o que no final, fazem da nossa vida, a nossa vida 🙂
Otimo texto! Obrigada por compartilhas suas experiencias conosco!
Olá Patricia!
Obrigada pelo elogio!
Estamos aqui pra isso: compartilhar.
Volte sempre, pq sempre tem mais!
Beijo
Seu texto é muito interessante e pertinente.
Talvez seja algo desconhecido pra você mas a Lei de Jante é a máxima que rege o comportamento das sociedades escandinavas, sendo comum aos três países : Dinamarca, Noruega e Suécia. Eu e a Camila falamos a respeito em publicações sobre a Dinamarca e se não me engano, a Wendy da Noruega também.
Seja bem vinda ao time!
Olá Cristiane!
Sim, eu aprendi isso aqui na escola e meu namorado tbm me informou que é uma máxima Escandinava.
Muito obrigada pelo esclarecimento e pelas boas vindas!
Abraços!
Que interessante! A Lei de Jante é quase os “Dez Mandamentos” dos tempos modernos!! Temos muito que aprender com essa lei, pois humildade é tudo!
Elias,
Pois é! Bem bacana esse jeito de ver as coisas.
Obrigada pelo comentário e volte sempre!
Abraço
Só me apaixono cada vez mais pela Suécia. Em como as coisas que eu sempre almejei já são reais por aí. Eu sei que encontrarei algumas pedrinhas, mas aqui no Brasil estamos encontrando enormes rochas… rs.. tempo de mudanças e eu me animo cada vez mais.
Obrigada pelas informações acalentadoras.
Texto inspirador!! Muito bom saber que há humanidade, ainda que fora do nosso país! Obs: a descrição do seu perfil é ainda + inspirador.
Oi, Julia! Acabei de descobrir seu blog e estou encantada!!! Meu sonho é morar aí na Suécia e gostaria de tirar algumas dúvidas com você… você estaria me ajudando muito se fizer. Te algum meio mais fácil na qual posso entrar em contato com você?? Parabéns pelo blog, é lindo e bastante explicativo 🙂
Olá Maria,
A Juliana Teles parou de colaborar conosco, mas temos outras colunistas na Suécia que talvez possam te ajudar.
Você pode entrar em contato com elas deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM