O topless e eu.
Prezadas leitoras e leitores, não aguento mais esse inverno que, aqui na Áustria, não nos deixa em paz – escrevo esse artigo ainda em março -, então, hoje, resolvi dar asas às minhas recordações de verão e lembrei do topless (prática feminina de não utilizar a parte de cima do biquíni).
Se vierem comigo, não irão se arrepender e, talvez, até deem boas risadas.
Minhas primeiras férias aqui na Europa foram uma bela surpresa proporcionada por meu marido: passamos 10 dias em Veneza, mas não unicamente na Veneza histórica, como na praia de Veneza ou Venezia Lido. Tudo o que sempre sonhei: história e praia juntas.
Tudo maravilhoso, nosso pequeno iria experimentar o mar pela primeira vez na vida – já que contava com 6 meses de idade -, comida exemplar, descanso e, o mais importante: eu veria como os europeus se divertem à beira mar.
Muito bem! Primeiro dia!
Eu, empolgadíssima, com toda a parafernália de brinquedos para o nenê e trajando um maiô azul-marinho e verde – sem sal para o meu gosto, mas como havia me tornado mãe, tinha ainda o pensamento muito antigo de que deveria proteger meu corpo. Afinal de contas, eu era uma representante do sagrado manto da maternidade. Eu chegava a ouvir a voz da minha avó, quando eu era pequena: “minha filha, mulher casada deve se resguardar”. Embora muito evoluída para muitas coisas, minha avó nascera em 1912, o que dispensa maiores comentários acerca do que ela dizia sobre a roupa de mulheres casadas. Eu jamais havia usado maiô na minha vida adulta, nem mesmo para prática de natação. Não sei o motivo de haver enfiado uma coisa tão retrógrada na cabeça naquele momento da minha vida!
Ok. Lá chegando, nos ajeitamos, preparamos o pequeno para o mar e “tchibum”. Entretanto, enquanto caminhávamos do nosso guarda-sol até a água, eu percebi que as pessoas discretamente olhavam não para meu rosto, mas para minha roupa de banho. E “as pessoas” significa mulheres. Tudo bem, pensei, devo estar sinalizando de alguma forma que sou estrangeira, ou talvez meu maiô seja feio para o padrão delas, sei lá. Nunca fui muito de dar bola pra esse tipo de comportamento, mas no segundo dia, se repetiu.
Tão absorta que estava com nosso pinguinho se divertindo; em apreciar a paisagem; em comprar lanchinhos em, em, em, que não me detive a passar um olhar à volta, em observar as pessoas que nos cercavam naquela porção de areia.
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Nesse momento, então, reparo uma espécie de reunião de senhoras. Elas traziam suas espreguiçadeiras e as concentravam próximas para conversar. Deviam ter entre 60 a 70 anos. Era um grupo animado e se postaram diretamente na beira do mar. Achei inspirador aquele cenário de amigas idosas se encontrando na orla e, mais curioso ainda, estavam todas – sem exceção – de biquíni, porém, sem a parte de cima dele.
As vovós estavam só de calção e super a vontade!
Horrorizada – vejam bem, eu estava ainda cheia de preconceitos, pois mal tinha completado 1 ano morando na Áustria -, viro-me para o meu marido e pergunto:
“O que essas vovós estão fazendo seminuas na praia?”
Meu marido: “Tomando sol e se divertindo”.
Eu: “Mas elas não têm vergonha?”
Meu marido: “Por que deveriam ter?”
Eu: “Porque, primeiro: estão de biquíni – desde quando uma vovó usa biquíni?, dizia o diabinho trazido da Terra Brasilis, no meu ombro -, segundo: isso é uma praia familiar.
Meu marido: “O que o topless das vovós tem a ver com ambiente familiar? Isso é apenas nudez. Não é pornografia. Elas estão ali, tranquilas, se divertindo e tomando sol. Qual é o problema, afinal?”
Eu, virando o canhão para o meu pobre marido: “Tu não tens vergonha de me perguntar uma coisa dessas?”
E qual não é meu mais terrível assombro quando desvio o olhar das vovós e vejo uma mãe, mais nova que eu, jogando frescobol com seu filhinho de, talvez, uns 8 anos de idade, só de calção DE NOVO!
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Totalmente confusa em meus – ainda – mais preconceituosos e discriminatórios pensamentos, recolhi-me em reflexão. Atrevo-me a cogitar que as moças e senhoras se viravam para mim, porque eu era a única mulher naquela porção de praia, vestindo um MAIÔ! Pode ser impressão minha, mas esse era o fato consolidado! Nem senhoras, nem moças, nem menininhas estavam usando peça inteira como eu, a provável ET da praia, pois durou 2 dias e, já no terceiro como se estivessem acostumadas, não mais dirigiam o olhar para minha roupa.
Senti, inicialmente, um misto de raiva por ter me dobrado a uma reação instintiva – fruto do patriarcado, hoje vejo claramente – e comprado aquele biquíni horrendo só porque havia me tornado mãe; de frustração por não compreender o costume local e de resistência pelo choque de ver tantas moças e senhoras com o busto nu na frente de todos. Voltei para o quarto pensativa!
Lembrei-me, então, da luta de Brigitte Bardot pela emancipação feminina e de seus topless em Saint Tropez. Essas coisas eu via e ouvia nos noticiários, quando criança, no Brasil. Aquelas senhoras que me causaram furor eram seguidoras – vencedoras – da militância de Brigitte e de muitas outras. Isso já me acalmou um pouco, pois sempre achei justa essa batalha, e mais: aquelas senhoras, assim como a mãe de topless, tinham o absoluto direito de se vestirem como bem entendessem e eu não tinha direito nenhum de ditar códigos de vestimenta a ninguém. Lembrei também do episódio ocorrido com a nossa atriz, Beth Faria, nas praias do Rio de Janeiro, em que foi achincalhada por estar usando biquíni no alto dos seus 70 anos. Quando li a matéria, pensei: “que gente preconceituosa. Ela faz o que quer da vida dela!” Só que quando a mesma realidade se apresentou na minha frente, dei-me conta: “meu Deus, eu sou exatamente uma daquelas pessoas que criticaram Beth Faria”! Uma feminista de papel, uma hipócrita, que não concilia o intelecto com o sentimento. Voltei, então, meu canhão para mim mesma!
De fato, não vi nenhuma atitude erótica por parte de ninguém. De igual sorte, não vi jovem, homem ou senhor de idade que fosse, com olhar de “faminto” ou dizendo qualquer coisa depreciativa quando essas jovens ou senhoras passavam ou iam se banhar. Elas estavam inclusive com seus filhos e maridos. E essa era a crítica que o meu marido me dirigia: “como você pode pensar essas coisas se elas estão acompanhadas dos filhos? Dos esposos?”
Levei anos para entender e melhor reagir a cada vez que, nas piscinas públicas aqui da Áustria, eu via uma moça/senhora com o busto descoberto, tomando sol ou passeando de mãos dadas com o namorado.
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Acrescento que não é só às mulheres que se aplica essa questão da nudez. Os homens, geralmente quando nos vestiários (aqui, na maioria das piscinas públicas, não há vestiário feminino e masculino, o que há é um salão imenso onde todos trocam de roupa. Quem gosta de privacidade, tem direito a utilizar cabines fechadas para se trocar), tiram as cuecas na sua frente, na frente dos filhos deles mesmos, e ninguém sai “correndo, gritando”, como se diz na minha terra. É absolutamente natural como eles encaram a nudez. É apenas um corpo que está trocando de roupa e, não, se insinuando a alguém.
Não é simples se desvencilhar de hábitos, crenças, construções ideológicas que foram moldadas uma vida inteira.
Não estou dizendo que se é obrigado a abrir mão de tudo que se crê só porque se está morando fora, todavia, a expansão de consciência é necessária.
A tolerância ao diferente é algo libertador e deixa tudo mais leve. O que quero dizer com isso é que eu, provavelmente, jamais conseguiria ficar só com o calção do biquíni – voltei a usá-los – mas, se outras mulheres ao meu redor assim o quiserem, para mim, sem problemas!
E pra você?
10 Comments
hahaha! adorei a história, acho que você deveria se libertar e experimentar fazer topless por aí 🙂 quando foi a ultima vez que você fez algo que nunca havia feito antes? (receitas culinárias não valem hein!)
Você atua como advogada na Áustria também?
Alô, Ligie!
Obrigada por ler e comentar.
Olha que já me atrevo a trocar de roupa no vestiário coletivo, sem ficar me espiando ou controlando se tem alguém me olhando (rsrsrsrs), mas, na praia, ainda não!
Não atuo como advogada aqui, porque teria de fazer todos os exames e as práticas relativas a legislação daqui, o que significa que eu teria de fazer a faculdade de novo. E, faculdade de Direito em alemão, não estou muito disposta a encarar, não (risos).
Abração e até a próxima!
Pois é, tem muito disso das pessoas confundirem nudez com pornografia. E não são a mesma coisa. Principalmente numa cultura pudica, que erotiza tudo…
Alô, Ana.
Obrigada por ler e comentar.
Tens razão, pois existe esse aspecto também: a maneira como fomos doutrinados a ver esse tipo de situação.
Espero que o Brasil chegue em um ponto de evolução parecido com o daqui algum dia.
Grande abraço e até a próxima.
Oi Ana,
adorei o teu texto e a forma como escreves. Virei tua fã desde o encontro em Stuttgart.
Quando morei em Dresden, que pertencia a antiga Alemanha Oriental, me deparei com o mesmo costume, só que lá eles praticam o nudismo por inteiro, não só top-less. Era costuma na antiga DDR (Alemanha Oriental) e praticado até hoje. Então lá, tu não ves somente as mães jogando bola com os filhos sem a parte de cima do biquini, e sim um time inteiro de vovôs, vovós, pais e mães jogando todas as atividades esportivas possiveis na beira dos lagos. Realmente um choque para qualquer brasileiro púdico ou não.
Vou acompanhar teus posts e gostaria de ficar na lista para receber um exemplar do teu livro, quando estiver a disposição.
Beijos,
Larissa
Oi, Larissa.
Muito obrigada por ler e comentar e por virar minha fã (rs).
Meu Senhor, eu imagino as vovós e vovôs todos free pelos lagos afora!
Aqui em Viena tem a ilha de nudismo. É a mesma coisa! Ainda não me atrevi a entrar lá. Hehehehe.
Já estás na lista do livro e obrigada novamente!
Grande abraço!
Olá Ana,
me diverti muito lendo seu texto! Sou sua vizinha de país, moro na Eslováquia, e também passei por esse “estranhamento” com relação ao top less e às crianças peladinhas nas praias e piscinas. Hoje já me acostumei, mas, assim como você, continuo usando as duas peças…
Um abraço
Claudia
Alô, Claudia!
Obrigada por ler e comentar.
Sim, o primeiro contato choca, mas depois, a gente acostuma.
A propósito, adoro Bratislava!
Grande abraço!
Oi, as mulheres também trocam da calçinha na frente de todo o mundo?
Oi, Maria.
Obrigada por ler e comentar.
Não é o comum, mas já presenciei, sim, mulheres ficarem totalmente nuas, na beira da praia enquanto trocavam o biquíni mollhado por uma muda de roupa seca, na frente de todo mundo.
O normal é a toalhinha na frente, mas se a toalhinha cair, ninguém está dando muita bola também.
Abraço e até a próxima.