Em março de 2018 o Relatório Mundial da Felicidade (World Happiness Report) divulgou o esperado ranking anual, que este ano mostra a Finlândia como o país mais feliz do mundo, numa lista de 156 países. Choveram matérias a respeito em diversos periódicos e sites de todo o mundo.
O relatório deste ano trouxe como novidade um ranking paralelo que listou, também, onde estão os imigrantes mais felizes do mundo. E não é que neste quesito a Finlândia também ficou em primeiro lugar?
“Net afora”, como sempre lemos todos os tipos de coisas, inúmeros foram os comentários de pessoas que discordam das estatísticas, mas percebi também, que grande parte deste desacordo se deu pelo fato de as pessoas não entenderem o que é averiguado.
A “felicidade” do relatório é apenas um termo, não se trata da satisfação pessoal de cada um, mas sim das possibilidades que o país dá a quem nele vive, para conquistar o que espera com acesso a saúde, educação, apoio social e segurança. E neste quesito é mais do que compreensível que não só a Finlândia, mas que todos os países nórdicos estejam no top 10 da lista.
Baseando-me nos pré requisitos do relatório: renda, expectativa de vida saudável, apoio social, liberdade, confiança e generosidade, compartilho com vocês minha análise, baseada em minhas experiências.
Renda: não é preciso ganhar muito para ter uma vida digna
Apesar de a Finlândia ser um país caro, principalmente na área metropolitana da capital Helsinki, a média salarial finlandesa não é alta se comparada a diversos outros países, sendo de mais ou menos EUR 3.300/mês, antes dos impostos (leia mais aqui). Uma pessoa que receba este salário, pagará algo em torno de 35% deste montante ao mês em impostos, ou seja, terá em mãos, um pouco menos de EUR 2.200 por mês.
No entanto, o alto valor dos impostos, que são progressivos e podem chegar a 50% do salário, retornam à população pela educação, pelo abrangente sistema de seguro social e pelo sistema de saúde (este, que apesar de não ser perfeito, está em constante aprimoramento).
Minha colega colunista, Lili Simmelink, que também escreve sobre a Finlândia, escreveu um texto sobre o custo de vida para estudantes, onde menciona o preço de vários itens do dia a dia que servem para todos os residentes.
Leia aqui: Custo de vida para estudantes na Finlândia
Apoio social
Não escreverei neste artigo maiores detalhes ou tampouco analisarei o sistema de seguro social, mas listarei, de maneira geral, alguns benefícios que todos os cidadãos residentes permanentes, que paguem impostos na Finlândia, têm direito a receber:
- benefício de desemprego;
- benefício de moradia;
- benefício para as crianças;
- benefícios para se cuidar dos filhos até que completem 3 anos de idade;
- benefício para estudantes (vários tipos);
- ajuda social para se comprar comida, complementar o aluguel, pagar conta de energia, contas médicas e até remédios prescritos, mesmo depois de receber os outros benefícios aos quais tem-se direito;
- benefícios para o caso de doenças;
- benefícios específicos para pessoas que possuem desabilidades físicas, entre outros.
Ou seja, por mais que tudo dê errado, os altos impostos que pagamos garantem a segurança para o nosso próximo (pois é fato que muitos finlandeses jamais usufruem de todos estes benefícios) e para nós mesmos, se pensarmos que não há como prever o futuro. Morar na rua ou passar fome, não vai acontecer com ninguém.
Leia também: Tudo que você precisa saber para morar na Finlândia
Importante mencionar que o caminho para se adquirir os benefícios sociais é bem burocrático e é feita uma real investigação sobre sua necessidade. A Instituição de Seguro Social da Finlândia, conhecida pela abreviação KELA, exige contra-cheques, históricos bancários, toda comprovação de renda possível, para dar qualquer benefício social.
Crianças têm direito à educação fundamental e saúde básica gratuitas
Para quem tem filhos, o custo de vida sinceramente não aumenta muito (se considerarmos o básico e não os extras), pois o ensino fundamental (da pré-escola a nona série) na Finlândia é totalmente gratuito, incluindo o material escolar, o transporte, uma refeição quente e um pequeno lanche. Alunos de segundo grau também estudam gratuitamente, porém o material tem que ser comprado. Universidades não cobram mensalidades e nem anuidades, a não ser que o aluno seja um estrangeiro de fora da União Europeia, que tenha apenas visto de estudante (estrangeiros de fora da UE com residência permanente também estudam de graça). Leia mais aqui.
Creches são pagas a partir de uma renda familiar específica e o valor mensal varia de acordo com esta renda total.
Escrevi sobre o Sistema de Ensino na Finlândia e sobre o que realmente é gratuito neste texto de 2016.
Crianças não pagam por consultas médicas e nem por serviços básicos que estejam dentro do escopo do sistema universal de saúde. Escrevi sobre o sistema público de saúde aqui (parte 1) e a qui (parte 2).
Expectativa de vida alta e saudável
A expectativa de vida na Finlândia é alta. Segundo o site nacional de estísticas, 81,5 anos (78,2 para homens e 83,9 para mulheres). Existe um plano social de cuidado com os idosos e, realmente, principalmente em cidades do interior, as pessoas costumam viver bem e muito. Para dar um exemplo, a avó de meu marido tem 84 anos de idade, ainda dirige, pilota um trenozinho durante o inverno (daqueles que funcionam como um patinete) e sai floresta a dentro, carregando um carrinho de mão e uma machadinha, para cortar madeira para aquecer sua sauna. Além disso, ela cuida de um jardim enorme e de uma horta bem abrangente. Eu não tenho metade da energia dela. Quando conversamos, ela sempre conta sobre as festinhas de aniversário da amigas, pelo menos umas 4 (sem exagero), já completaram 100 anos de idade e várias estão perto disso.
Confiança, segurança e generosidade
De acordo com o Corruption Perception Index , responsável por analisar o nível de transparência e de corrupção das nações, a Finlândia é um dos países mais honestos do mundo. Esteve em 3 lugar em 2015, mas está sempre flutuando entre primeiro e quarto, numa lista cujo top 5 não varia muito de ano para ano, apenas muda de ordem.
No quesito segurança, cerca de 83% da população sente-se segura nas ruas a qualquer hora do dia.
Segundo relatório da OCDE, a Finlândia também está no topo da lista nos quesitos: confiança no próximo, confiança na polícia e confiança no governo. Veja mais dados sobre a Finlândia aqui.
O quesito generosidade é muito particular e os finlandeses não têm o costume de demonstrarem seu afeto ou sua empatia. Eles tampouco gostam de falar sobre isto no geral, por isso, muita gente não tem noção do quanto eles fazem. De acordo com estatísticas de 2009 (não encontrei mais recentes), cerca de 29% dos finlandeses realiza algum tipo de trabalho voluntário, anualmente.
Quando me mudei para a Finlândia em 2009, minha casa inteira foi montada com coisas doadas. Eu não precisei comprar absolutamente nada, nem mesmo louças. Grande parte me foi doado por membros de minha família, mas itens como: bicicleta, batedeira, liquidificador, televisão e rádio, recebi de vizinhos dos meus tios, pessoas que nunca me viram na vida, simplesmente por ele comentar que a sobrinha acabara de se mudar. Conheço outras pessoas que tiveram a mesma sorte, mas claro que também há outras que tiveram experiências ruins, ou seja, este realmente é um ítem que varia.
Mesmo não havendo lugar perfeito na face deste nosso planeta, acho que a Finlândia realiza um bom trabalho para que possamos ter a oportunidade de buscar pela nossa felicidade. Para quem sabe buscar e não tem medo de se re-inventar oportunidade aqui existe sim.
3 Comments
Cada dia mais apaixonada pela Finlândia! Que país!!!!
Oi Kaarina! Gostei muito de ler o seu texto: Porque à Finlandia é o pais mais feliz do mundo? Como voce mesma escreve, eles parecem frios, nao sao de mostrar abertamente o afeto, amor e carinho, más eu acho tanto os idosos como os mais jovens bastante leais e amigos! Sou viuva, meu marido nasceu e foi criado em uma ilhaSempre fui muito recebida pela familia dele e me sentia e me sinto em casa, quando vou lá com nosso filho! Tenho amigos de mais de 40 anos. Eles viveram aqui ná Suécia e depois de uns anos quando à enonomia ná Finlandia comecou à melhorar muitos filandezes foram embora para à Finlandia, entre eles os nossos amigos com à familia e estao muito felizes com à volta! Concordo com och que escreveu e achei interessante até às informacoes para os estudantes sobre o custo de vida`Bem escrito, bem bolado! Abracos!
Querida Dalva,
Agradeço imensamente po seu comentário. A opinião de pessoas como você, que conhecem a cultura e têm tanta experiência nesta parte do mundo é muito importante para mim. Um grande abraço. Maila