Acredito que qualquer mudança em nossa vida pode ser vista de duas maneiras. A primeira, como uma experiência nova e, portanto, um desafio e a outra como algo perturbador, que tira você da tão famosa “zona de conforto”. Também creio que o momento pessoal, emocional e psicológico em que nos encontramos, influencie no modo de encará-la.
O meu processo de mudança para outro país aconteceu de forma muito rápida. Tinha meu consultório – sou dentista – e um emprego fixo, tudo razoavelmente estável. Meu marido, militar, recebeu a comunicação, ou melhor, a proposta da transferência para São Tomé e Príncipe, apenas dois meses antes de nos mudarmos. A princípio fiquei confusa, pois teria que largar minha vida profissional, meu meio social, ficar longe da família e amigos. Mas se não viesse, ficaria longe de meu marido. Depois achei que poderia ser um desafio, até porque estava num momento da vida em que queria mudanças no trabalho, cogitava fazer cursos em outra área. Então, pensei em estudar bastante, fazendo vários cursos pela Internet, quando chegasse à São Tomé, pois teria o que tanto precisava: tempo. Não foi bem assim.
Em dois meses, tivemos que nos preparar para a grande mudança. Vendi carro, pedi demissão, desfiz do consultório. Enfim, chegamos a este novo país e a esta nova vida! E agora?
Primeiro desafio: Encontrar uma casa. O cargo que meu marido veio exercer era pioneiro aqui, portanto não havia uma casa nos “esperando”. Precisávamos alugar com tudo, eletrodomésticos, louças, etc. Assim a corretora disse que seria, mas não foi. Depois de muita procura, acabamos encontrando uma casa viável, com um vista linda, mas que só tinha (poucos) móveis. Tivemos que comprar todo o resto!
Segundo desafio: Depois de toda uma vida, desde que me entendo por gente adulta, independente financeiramente, teria que me tornar completamente dependente! Acho que só me dei conta disto, aqui, pois como os preparativos para a mudança foram tão intensos e rápidos que acho que não parava muito para pensar. Já aqui, esta questão tornava-se cada vez mais difícil para mim, como se a ficha fosse caindo um pouco mais a cada dia.
Terceiro desafio: Encarar outro povo, outra cultura, outros costumes – inserção na sociedade. Dependendo do grau de diferença em relação à sua cultura, você sentirá mais, ou menos.
O primeiro contato, ou digamos “choque”, foi logo na primeira semana. Estávamos passeando a pé para conhecer a cidade e vimos um grupo de adolescentes saindo da escola, todos uniformizados. Achei bacana, quis registrar o dia a dia das pessoas, o ritmo da cidade e comecei a fotografar entre outras coisas, os adolescentes também, de longe, claro. De repente, um deles me viu fotografando, passou por mim e foi um tanto agressivo, falando rispidamente, demonstrando não gostar do que eu estava fazendo. Parei na mesma hora, fiquei meio baqueada, ainda bem que estava com meu marido. Saí dali e não fotografei mais nada, pelo menos até entender o porquê daquilo. Então soubemos que algumas pessoas não gostam de serem fotografadas. A partir daí, tomamos cuidado em procurar saber os hábitos locais para não cometermos outra “gafe”. É interessante perceber que o que é considerado “normal” em um lugar, em outro pode ser até um desrespeito. Desde então, tenho muito cuidado quando fotografo. Ou faço uma tomada distante, ou peço permissão para fotografar.
Quarto desafio: Encontrar alguém para ajudar em casa! Essa parte foi bastante difícil. Como a culinária local é bem diferente, se quisermos comer pratos mais variados, temos que fazer ou ensinar. Ainda mais se for carne ou frango. A maioria das pessoas sabe cozinhar apenas o peixe e, mesmo assim, se for grelhado ou frito. Da mesma forma, os legumes, se quisermos de outro jeito que não seja cozido, temos que ensinar. Passaram quatro pessoas pela minha cozinha e não obtive sucesso, até que eu mesma assumi esta tarefa. Hoje conto apenas com uma faxineira três vezes por semana.
Quinto desafio: Viver num país sem opções de serviços e sem transporte público! Há “lotadas” que levam vários passageiros e somente um serviço de táxi convencional, que nem sempre está disponível.
Sexto desafio: Os vários estágios emocionais que passamos ao conviver tão de perto com as características de um país na linha da pobreza: crianças descuidadas, pedintes por todo lado, falta de saneamento, etc. Vamos da tristeza à indignação e temos que lidar com isso, administrando os sentimentos.
Sétimo e tantos outros desafios: Aceitação e administração, se houver, da frustração. Tirar o máximo de aprendizado de tudo, fazendo as mudanças, quando necessárias, aos poucos e dentro do possível, sem exigir nem se exigir demais.
Dos cursos que planejei, só consegui fazer um, o de reciclagem em inglês. O tempo que achei que fosse ter, quase não tenho. Em compensação, fiz coisas que jamais imaginei: figuração em um filme sobre a vida do escritor Stefan Zweig; participei de um programa de televisão brasileiro, onde falei um pouco sobre São Tomé, e agora estou aqui, neste blogue, tendo a oportunidade de compartilhar experiências.
Às vezes a vida te leva para um lugar onde você acabará fazendo as coisas completamente diferente de como havia planejado. Mas isto também é um aprendizado. E, quem sabe, não seja mesmo este o caminho!
14 Comments
Parabéns!
Amei saber tudo isto de uma pessoa que para mim ja e amiga
O seu marido e uma pessoa maravilhosa pois o conheci adolescente e sempre mostrou ser uma pessoa maravilhosa creio que isto também deve ter feito a diferença .
Curta bem este momento.como.você mesmo disse serve como aprendizado .
Um grande abraço.
Parabéns está muito bom!!!
Beleza de vida!!!Parabéns pelo texto auto-biográfico,Cassia,minha nora preferida!!!Eis aqui uma nova escritora.Escreva agora,se quiser,claro,um romance,uma novela,”qualque chose”,diriam os franceses.Tudo de bom sempre!!!The Senior
Querida Cássia , estou em Curitiba, cheguei agora no hotel vim dar um curso de toxina butolinica, vi o seu blogue e fiquei pensando , quando a 25 anos atra cheguei no seu consultório em Bangu para pedir para trabalhar no seu consultório e ali iniciou uma linda amizade , boa sorte aí na África, bjos
Querida! Creio que ja nao esta em sao tome! Mas, morei um ano enquanto voce estava la! Amiga incrivel, inteligente… estou agora em São Paulo mas, tenho saudades de voce e daquele tempo!
Muito interessante sua matéria. Sabe me dizer como são as escolas de ensino fundamental aí? Tem escola particular e publica?
Muito bom Cassinha poder, através deste resumo, conhecer um pouco da sua história em São Tomé e Príncipe! Realmente mudar de país não é fácil, posso falar isso por experiência própria, mas todo o aprendizado é muitíssimo válido.
Muito obrigada por partilhar conosco!
Um beijão pra vocês!
Muito bom Cassinha poder, através deste resumo, conhecer um pouco da sua história em São Tomé e Príncipe! Realmente mudar de país não é fácil, posso falar isso por experiência própria, mas todo o aprendizado é muitíssimo válido.
Muito obrigada por partilhar conosco!
Um beijão pra vocês!
Muito bom, seu relato. Achei bem curioso a questão da ausência de transporte público.
Pelo relato achei apenas que você na empolgação acabou se deixando levar pelo seu marido, acredito que seria uma boa, pesquisar um pouco mais, ou ir um tempo depois, como dois meses, para que você pudesse resolver bem suas coisas e até mesmo para ele ver se você se adaptaria a tudo.
sou empresario e recebi um convite desenvolver um projeto em são tomé.
Tinha planos de visitar o pais e fotografar, mas depois de seu relato sobre a história das fotos da menina que hostilizou você, desisti…
Meus parabéns, essa foi a mesma experiência quando vim morar em Brasil, por enquanto está sendo uma boa experiência… mas veio mudando com tempo
Querida! Creio que ja nao esta em sao tome! Mas, morei um ano enquanto voce estava la! Amiga incrivel, inteligente… estou agora em São Paulo mas, tenho saudades de voce e daquele tempo!