Quando eu era criança e alguém me perguntava o que eu queria ser quando crescesse, respondia sem pestanejar: cientista.
No imaginário infantil, laboratórios são como uma caixa de mágico, uma surpresa a qualquer instante: explosões, coelhos, colorido, fumaça. Os anos foram se passando e, apesar de a fantasia começar a dar espaço à realidade, a difícil pergunta sobre o futuro tinha a mesma resposta.
Na adolescência tive a confirmação. Meu melhor amigo de escola, o João, é que me proporcionou essa certeza. Sua avó era casada com ninguém menos que o Albert Sabin. O nome parece familiar? Sim, é ele mesmo, o cientista que desenvolveu a vacina oral contra poliomelite. Tê-lo visto de perto, conversado, me deu a certeza do que eu seria quando crescesse!
Infelizmente, há alguns anos, viver e fazer ciência no Brasil era apenas para quem, além de estudar, tivesse capacidade de fazer milagres. Hoje esse perfil mudou, temos profissionais renomados que escolheram o Brasil – para minha felicidade e orgulho, alguns deles também são meus amigos de escola e faculdade, minha admiração ao Dr. Stevens Rehen e Dr. Milton Ozório de Moraes – para fazer história e pesquisa de altíssima qualidade.
Não há como negar que os centros de pesquisa americanos ainda enchem os olhos de muitos estudantes e profissionais; mas como chegar até aqui? Recebo semanalmente uma série de perguntas a respeito e vou tentar resumi-las neste texto.
- Você considera fácil conseguir uma posição na área de saúde nos EUA?
Considero difícil, mas não impossível. E explico o porquê. O primeiro obstáculo é a língua. Se você não teve uma educação bilíngue, nunca morou em países de língua anglicana e aprendeu apenas em cursos de línguas, desculpe decepcioná-lo, mas você não é fluente. Você irá sofrer no começo e terá que provar, em um outro idioma que você não domina totalmente, que você é o melhor no que faz! Não é para desanimar, mas para conhecer as suas limitações e não se frustrar.
- Você acha que os americanos são melhores que os brasileiros?
NÃO! Generalizar em um assunto como esse é bastante polêmico, porém, de uma forma geral, os americanos têm muito mais recursos (financeiros, por exemplo) que os brasileiros, estão acostumados a tecnologias de ponta desde a faculdade. Entretanto, nós brasileiros temos a flexibilidade, aprendemos na universidade a “dar nó em pingo d’ água” e essa versatilidade encanta a qualquer um. Sabemos tudo, desde trocar uma lâmpada a interpretar dados complicadíssimos e isso nos torna profissionais únicos e valorizados. Posso garantir, depois de ter um brasileiro na equipe, outros muitos virão.
- Por onde começar?
Ir a conferências internacionais na sua área. Esse é o melhor local para saber o que cada um está fazendo e pesquisando. Oportunidade única para se informar e ter acesso a profissionais de diferentes países ao mesmo tempo. Geralmente, nesses encontros, todos estão disponíveis a trocar ideias, ouvir seus planos e projetos, tirar dúvidas e nada melhor do que uma conversa pessoalmente para uma oportunidade futura de colaboração.
Bolsas como a Fulbright e o Ciências sem Fronteiras também possibilitam esse intercâmbio. Entretanto, essas bolsas, pela categoria do visto emitido, obriga-o a voltar para o Brasil ao término do visto e, caso você consiga ficar, deverá reembolsar essas instituições o dinheiro investido em você.
- Fazer uma pós graduação em uma universidade americana pode ser uma alternativa?
Com certeza, mas não garante um emprego no final do curso. Não se esqueça da questão imigratória, da categoria do seu visto e até mesmo se você é um profissional de destaque, que valha o investimento na universidade ou instituição em você. Todos os vistos são caros, alguns têm limite de emissão por ano.
Muitas vezes somos iludidos que a vida no exterior é fácil, que todos são felizes e realizados no melhor estilo “propaganda de margarina”, mas essa não é a realidade. Para se chegar até esse ponto é preciso trabalho duro, ter dedicação, competência e insistência.
E então, você está preparado? Vou contar um pouco da rotina daqui, outra grande curiosidade de quem sempre nos escreve.
Em 2007, vim morar em Houston porque meu marido foi transferido. Já havia trabalhado na Flórida antes, na Universidade da Flórida (UF) e no Veterans Affairs Medical Center, mas não conhecia nada de Houston. Sabia desse hospital que todos sempre comentaram: o MD Anderson Cancer Center, mas acreditava ser um sonho distante, achava que precisava conhecer alguém para te indicar para um cargo. Mas, mesmo sem esperanças, entrava toda semana no site de emprego deles para verificar a disponibilidade de vagas, lia a descrição da posição e, quando achava que poderia exercer tais funções, enviava meu currículo. Quatro longos meses se passaram e nada, nem um email. Até que um dia, recebi uma ligação e havia sido selecionada para três entrevistas. Não conseguia acreditar! Fui aprovada pelas três e escolhi a que mais se encaixava no meu perfil.
Fui bem feliz até receber a notícia que iríamos embora de Houston. Quase 5 anos se passaram e onde vim parar de novo? Houston! Dessa vez não precisei passar pela espera agonizante de um telefonema, entrei em contato com as pessoas que eu conhecia e voltei para o mesmo laboratório que eu trabalhei, porém queria outros desafios…
Lembram lá no começo que falei que, quando se tem um brasileiro na equipe, outros virão? No prédio em que eu trabalho, conheci mais dois brasileiros (Jorge e Mariana, cientistas brilhantes) que me encorajaram a tentar uma nova posição. Eles trabalham na Plataforma de Imunoterapia, a menina dos olhos do hospital, hoje em dia. Sabe tudo o que a gente imagina sobre um local de vanguarda? Multiplica por mil ou mais, e assim é o laboratório. O nosso diretor executivo do projeto já foi laureado com o prêmio Lasker-DeBakey, em 2015, ao qual muitas pessoas referem-se sendo o “Nobel Americano”, que ganhou essa reputação depois de ter seus 86 premiados também agraciados com o Nobel – os últimos 32 em apenas 20 anos. E essa é a minha rotina: dividir o elevador, o corredor, o refeitório, as pesquisas e o sonho de ver o câncer derrotado com um dos maiores cientistas da atualidade.
Hoje somos 3 brasileiros nesse time de ponta, morremos de orgulho de fazer parte dessa equipe, falamos sempre sobre não desistir dos sonhos, não desistir da ciência, de persistir e ter orgulho de ser brasileiro e ter chegado até aqui.
Vejo vocês mês que vem….
See you soon!!!
4 Comments
Que maravilha, Rê! Muito orgulho de você! Muito feliz pela sua história, um exemplo que deve servir de motivação para todos!
Adorei! Beijo
Erika linda
Obrigada… todas nós que arriscamos de alguma forma temos ótimas histórias para contar, compartilhar e quem sabe servir de inspiração para que ninguém desista de seguir o caminho que sonhou.
Bjs
Parabens Renata! Por acreditar no seu proprio potencial e ir em frente.
Seu artigo e claro e descreve bem a vida de profissioanis que ousaram migrar para outro pais como EUA.
Querida Rosangela,
Obrigada pelo comentário. Você sabe muito bem que não é fácil, e que não vivemos sempre em um mar de rosas. Beijos