Talvez a forma mais tradicional de se receber o ano vindouro em todo o mundo seja com fogos de artifício que cobrem a superfície da terra no que seriam as últimas horas do ano – ou as primeiras, depende da perspectiva; afinal, o tempo é relativo. No entanto, cada cultura e cada país tem sua forma de se despedir do ano que se acaba e receber o ano que se inicia. Algumas de nós, como a Lyria Reis e Fernanda Moura comentaram em seus textos. Hoje vou falar sobre as 12 uvas da sorte na chegada do Ano Novo na Espanha.
No Brasil, por exemplo, vestimos branco e, quando dá, vamos à praia saltar as sete ondinhas e entregar oferendas a Iemanjá – é melhor prevenir, sempre. No hemisfério norte, embora alguns – loucos? – também celebrem o novo ano com um mergulho em águas geladas, como também já comentou a Daniela, a maior parte de nós opta por celebrações que incluam roupas secas ou, no mínimo, calefação.
Na Espanha, o costume mais difundido é o das 12 uvas da sorte. No momento mágico em que o ano velho e o novo quase coincidem, com as campanadas do relógio, diz a tradição que devemos comer 12 uvas, uma por cada badalada do relógio da Casa de Correos, localizada na Puerta del Sol, em Madrid. O local fica tão lotado que as saídas da estação Puerta del Sol são fechadas, mas embora muitas pessoas queiram estar presentes, as 12 campanadas são transmitidas pela televisão, ao vivo, por toda a Espanha desde 1962; antes disso, as transmissões eram feitas pelo rádio.
Então, às 23:59, enquanto as pessoas no mundo inteiro fazem contagem regressiva para se abraçarem, nós, na Espanha, com um pote de uvas nas mãos, assistimos atentamente à bola que começa a baixar fazendo o carrilhão soar: esses são os quatro quartos, o som que nos prepara para as campanadas que começam 35 segundos antes da meia-noite, com uma pausa de 3 segundos entre um toque e outro. Quando as campanadas começam, comemos as uvas, uma por badalada: primeira badalada, primeira uva… segunda badalada, segunda uva… Parece fácil, só que conforme o sino toca, as uvas vão se acumulando na boca: é preciso que se mastigue e as engula muito rápido porque 3 segundos não são nada!
Somente após terminar as 12 uvas – e engoli-las – é que abraçamos e beijamos os nossos queridos e brindamos com cava.
Dizem que essa tradição se popularizou em 1909 quando, em Almería, Múrcia e Alicante, houve excedente na colheita de uva e, com o objetivo de vender a produção, popularizaram a tradição. Outros dizem que tudo começou porque um grupo de madrilenhos decidiu ironizar a tradição burguesa de receber o novo ano com champagne e uvas, indo até Puerta del Sol comê-las ao som das campanadas. Independente de sua origem, a verdade é que não há uma casa espanhola sem as uvas na mesa durante a última ceia do ano, ou cujas atenções, às 23:59h do dia 31, não estejam voltadas para o relógio, esperando primeiro os quatro quartos, que é o aviso, seguido pelas 12 badaladas.
Na Nochevieja de 2014 para 2015, o Canal Sur, que transmite as badaladas na região de Andaluzia falhou: faltando um minuto, a emissora começou a transmitir um comercial e voltou com a transmissão dos toques já no primeiro, pegando muitos desprevenidos. No terceiro toque, a transmissão voltou a ser interrompida por outra propaganda, deixando meio milhão de andaluzes furiosos com suas uvas nas mãos, o que se popularizou como #uvasinterruptus. A repercussão desse incidente foi enorme: todos os noticiários do dia 01 de janeiro de 2015 comentavam sobre o caso e a emissora pediu desculpas publicamente, informando que instauraria uma investigação interna sobre o ocorrido; afinal, em um ano que a Espanha começava a ver a saída da crise, como os andaluzes poderiam ficar sem suas uvas da sorte? O vídeo pode ser assistido nesse link.
Este não foi o primeiro incidente com as uvas: outras apresentadoras já se confundiram. Em 1989, a apresentadora de televisão Marisa Naranjo disse que as campanadas eram aos quatro quartos e, ao fim das mesmas, felicitou a todos pelo ano novo deixando a nação sem as uvas em plena virada de década.
Em Salamanca, há a Nochevieja Universitaria. Durante a semana de Natal e Ano Novo, nos países do hemisfério norte, há, em geral, uma pausa na qual os alunos de universidade voltam as suas respectivas cidades. Salamanca é uma cidade universitária – a universidade é bem bonita e a história da rã é bem legal, mas ficará para outro post – e, no final de 1999, alguns universitários se reuniram na Plaza Mayor de Salamanca com seus amigos para celebrar a despedida do ano, já que eles não poderiam estar juntos na Nochevieja real, pois cada um estaria com sua família. Nesse dia, ao invés de comerem 12 uvas, comeram 12 balas de gomas e assim se deu início à Nochevieja Universitaria.
Não é fácil comer as 12 uvas enquanto o sino toca… A primeira Nochevieja que passei em território espanhol – considerando que Barcelona ainda é Espanha –, quase engasguei porque lá pela 10ª badalada, acumulava umas 5 uvas na boca. Na segunda Nochevieja em território espanhol, aprendi que o truque era descascar as uvas – e, embora pareça trapaça, prefiro isso a parar em um hospital em plena virada de ano.
Agora você já sabe o que o espera, caso decida passar a Nochevieja na Espanha ou em outro país de língua hispânica já que essa tradição não é somente daqui!
Assim me despeço de 2015! Que 2016 seja um ano iluminado para todos e que possamos começá-lo com energias renovadas e muita fé!
Muchos besos y que os vaya todo muy bien!
6 Comments
Tati, muito legal seu texto. Ano passado nós nos esquecemos das 12 uvas, meu companheiro percebeu quando iriam iniciar as badaladas. Espero esse ano não esquecer, para dar mais sorte. Feliz 2016 adiantado !!!
Tha, acabei de ver seu comentário! FELIZ 2016, gatona! Espero que nesse ano vocês não tenham se esquecido das uvas! Hahahaha! Beijos
Passei dois reveillon na Espanha.
O primeiro em Madrid, quase morri engasgada hahahaha
E o segundo, em Barcelona, deu para dar uma tapeada e fingir que sabia o que eu estava fazendo.
Me diverti!
Beijoca
Hahahah! Parece fácil comer as 12 uvas, mas nào é! Nunca mais como uvas sem descascar… Pelo menos não na Nochevieja!
No próximo ano, se tudo der certo, você poderá vir passar o terceiro reveillon por aqui. Como diz minha amiga, tudo que acontece duas vezes, acontece três! 🙂
Não conhecia esta tradição . Participei hoje aqui em Madrid. Feliz 2016.
Feliz 2016, Ruy! Conseguiu comer as 12 uvas sem engasgar? Hehe