Aborto no Canadá: polêmico, mas legalizado.
O tema divide opiniões no mundo inteiro e envolve várias questões: escolhas, crenças religiosas, valores, direitos legais, saúde pública, causa feminina. O objetivo deste texto é mostrar como o governo canadense trata a questão do ponto de vista legal, amparando o direito de escolha da gestante por meio do acesso a uma estrutura médica adequada.
Não cabe aqui defesas de nenhum ponto de vista ou causa associadas. Por outro lado, o contato com uma realidade diferente ajuda a nos posicionarmos sobre qualquer assunto. Para isso, informação é essencial. Conhecer a realidade do Canadá no que se refere ao aborto, praticamente contrária àquela encontrada no Brasil, pode nos fazer rever conceitos e, sobretudo, preconceitos inerentes à prática.
Fonte: https://morguefile.com/search/morguefile/1/pregnancy/pop
Aborto no Brasil
No Brasil, a prática do aborto é considerada crime contra a vida humana, pelo Código Penal Brasileiro, em vigor desde 1984. As punições previstas envolvem detenção tanto para a gestante quanto para quem venha a provocar o aborto, independente de consentimento, variando de 1 a 10 anos. No entanto, não é qualificado como crime e pode ser praticado por médico capacitado em estrutura do SUS apenas em três casos: quando há risco de vida para a mulher causado pela gestação, quando a gravidez é resultado de um estupro ou se o feto for anencefálico. Se realizado fora do território nacional, também não é considerado crime.
Estatísticas relacionadas não são oficiais, ainda mais quando se torna praticamente impossível o monitoramento de abortos realizados de maneira clandestina. De qualquer forma, trata-se de uma questão de saúde pública. Ainda que se tenha cogitado a realização de plebiscitos para consulta pública sobre o assunto, a maioria da população brasileira ainda se declara contra. Segundo estimativa do IBGE, o mapa do aborto no país é o seguinte.
A evolução da discussão no Canadá
Como em muitos países, o aborto também já foi considerado crime no Canadá. O parlamento canadense o baniu completamente em 1869 sob pena de prisão perpétua. A pressão maior pela legalização começou nos anos 60, vindo primeiramente de associações médicas e legais, mas também de vários grupos de mulheres e de justiça social, como o Humanist Fellowship of Montreal, presidido na época pelo Dr. Henry Morgentaler, personagem central na quebra de paradigma sobre o tema.
Em 1967, o Ministro da Justiça, Pierre Trudeau, apresentou uma lei para liberação do aborto no país, desde que a vida da mãe corresse risco. Ainda seria considerado um crime, mas a mulher poderia solicitar uma permissão especial do chamado Therapeutical Abortion Commitee – TAC – Comitê de Aborto Terapêutico. Formado por 3 médicos (todos homens), essa equipe julgaria se o caso era de vida ou morte. Essa lei foi considerada uma primeira vitória, porém sua aplicação foi bastante questionada. Na prática, o sistema não era justo, pois apenas mulheres bem educadas, de classe média ou alta e que moravam em grandes cidades tinham acesso relativamente bom ao serviço. Para a maioria das mulheres não havia acesso algum ao aborto legal.
Apenas em 1988, devido ao julgamento do Dr. Henry Morgentaler por conta de suas declarações públicas pela condução de mais de 5.000 abortos seguros, a Suprema Corte do Canadá declarou a antiga seção referente ao aborto dentro do código criminal como inconstitucional. A corte finalmente reconheceu que a lei era injusta e apresentava obstáculos injustificáveis para mulheres. Desde então, a prática tornou-se legal, ainda que outras emendas tenham sido criadas posteriormente para dificultar a viabilidade prática. O fato é que as canadenses contam, hoje, com um aparato legal e estatal para realizarem suas escolhas, ainda que muitas melhorias precisem ser feitas.
A imagem abaixo é de 1996, ou seja, de 20 anos atrás. Mas considerando a velocidade com que políticas públicas evoluem no tema, pode-se inferir que talvez o quadro mundial não tenha mudado tanto assim. A situação brasileira é assustadora.
O aborto na prática
No Canadá, o acesso a serviços de saúde é garantido pelo Canada Health Act. O aborto é considerado um serviço legal e seguro, o que significa que a mulher não deveria ter de pagar por esse tipo de procedimento no país. No entanto, como os planos de saúde dependem de políticas territoriais e provinciais que se sobrepõe a algumas políticas federais, a cobertura varia bastante. Por esta razão, o acesso não é amplo e em alguns casos podem ser cobradas taxas que variam de CAD$450 a CAD$900, conforme o estágio da gravidez.
Pelas regras, a gravidez pode ser interrompida em qualquer estágio, independente das razões envolvidas, não havendo um limite gestacional. Segundo estatísticas do Pro Choice Action Network, mais de 90% dos abortos são realizados no primeiro trimestre, somente de 2 a 3% são feitos com mais de 16 semanas e nenhum médico pode realizá-lo com mais de 20 ou 21 semanas, exceto por razões médicas ou genéticas. A taxa geral de aborto é de 16 em 1.000 mulheres em idade fértil por ano, uma taxa razoável quando comparada a outros países desenvolvidos.
Apesar da legislação favorável e da criação de uma rede de saúde apta a atender os casos, ainda se encontra certa resistência e muitos obstáculos, seja por questões políticas, territoriais, médicas ou éticas. Existem muitas manifestações contra e posicionamentos mais conservadores. Por outro lado, observa-se que o direito de escolha da mulher em relação a seguir ou interromper uma gestação é respeitado do ponto de vista político-legal, independente de julgamentos de qualquer tipo. Em certa medida, podemos entender que a máxima ‘meu corpo, minhas regras’ funciona por aqui.
A questão da consciência não é da conta do governo.
11 Comments
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País de primeiro mundo é outra coisa, não como aqui no Brasil em que lobby de bancadas “tradicionais cristãs/conservadoras” (que clamam representar a maior parte da opinião pública) ficam barrando e dificultando mudanças na legislação vigente mediante argumentos com viés majoritariamente religioso – quando não pseudofilosóficos – sendo que não vivemos numa teocracia, o Estado é laico – não é ateu, cristão, kardecista, afrorreligioso, budista e o escambau.
Não existe um consenso, cientificamente falando, sobre quando o embrião ou feto pode ser considerado pessoa, com todos os direitos inerentes; o que chega a ser irônico, dada a ideia amplamente aceita e defendida de direito a vida desde a concepção: todos nós, ao longo das primeiras seis a sete semanas de gestação aproximadamente, mal chegamos perto de um aspecto humanoide.
Obrigada pelo comentário, Gean. Esse é um tema tabu para muitos, mas acho importante expo-lo de um ponto de vista legal no Canadá. Depois cada um tira suas próprias conclusões. Vou te dizer que aqui e estado também é laico, mas com imigrantes de origem islâmica, muita polêmica se cria sobre o uso de símbolos religiosos no funcionalismo público. Pretendo escrever sobre o tema. Abraços.
Até consigo compreender perfeitamente certos pontos da cartilha progressista, como legalização de drogas e contra porte de armas, porém é bizarro como tratam superficialmente a concepção da vida humana. Aqui no Brasil ainda escuto o argumento “tem que abortar mesmo, já que vai ser uma criança pobre e pedir esmola em semáforos”. Aí, em um país desenvolvido, a ginástica mental deve ser maior ainda para aceitarem eticamente essa atrocidade.
Honestamente, eu entendo as mulheres que levam o aborto como direito da mulher, mas a liberdade de um acaba quando interfere na liberdade do outro, o aborto interfere no direito civil mundialmente difundido que é direito à vida e liberdade. Cientificamente não há um consenso para quando começa a vida, será quando o coração bate a primeira vez na 6 semana? ou quando o embrião começa a sentir dor? e ainda nem se sabe se ele sente dor depois das 13 semanas ou das 20/24, pois algumas pesquisas afirmam que ele já sente dor a partir das 13 semanas o que é horrível para mim se pensar que no Canadá qualquer período da gestão é livre para aborto, pois não consigo imaginar como normal uma mulher de 7/8/9 meses com um bebê já apto à vida decidir por algum motivo repentino matá-lo e não levar em consideração sua dor. Parece que as pessoas esquecem e acham insuficiente o aborto no Brasil ser legalização em três casos (estrupo, embrião anencefálico e quando põe em risco a vida da mulher) e querem a completa legalização por simplesmente entenderem que sua condição econômica ou a fase da vida em que estão vivendo não é suficiente, e tudo bem se não for, agora por que não levam em conta a questão da adoção? No Brasil o número que família que querem adotar é 5,5 vezes maior que o número de crianças que estão para adoção. E todo mundo já ouviu aquela conversa de que quando libera o aborto os números de abortados não aumenta, o que estatisticamente é pura mentira, o aumento no crescimento dura anos e demora outros vários anos para se estabilizar o número de abortos. Bem, acho que já expus todos os pontos de vista que tenho em relação a esse tema e como deu para ver, diferente do que o Gean, não é necessário ser religiosos ou ter uma religião para ter um pensamento antiaborto/pró-vida.
Olá Teodora! Obrigada por compartilhar seu pensamento. Estou sempre aberta a ouvir opiniões diferentes. Vc traz diversos elementos, além da pratica do aborto em si, que podem gerar outras discussões, como a adoção, por exemplo. Para o benefício de nossos leitores, deixa a cada um a liberdade de interpretar sua opinião sobre o assunto. Abraço.
Como toda ação humana, existem os pós e contras. O texto pouco explora as críticas a esta política descriminalizadora, apenas faz inferência a elas de forma genérica e propositada, o q empobrece o debate público a respeito do tema tratado!
Olá Joan! Sim, vc tem razão quando diz que não exploro as críticas sobre a política. Não era meu objetivo ao tratar do tema. Meu foco foi mais informativo mesmo. Abraços.
Deplorável que um país desenvolvido passe por cima da ética a ponto de achar aceitavel o aborto em qualquer momento da gestação, inclusive quando o bebê já tem a capacidade de sentir dor. É a vida humana sendo tratada como lixo em prol de medidas utilitaristas. Quero ver usarem “direitos das mulheres” como tentativa de justificativa para essa atrocidade quando os islâmicos dominarem o país.
Olá Gabriela! Obrigada por compartilhar sua opinião. Por outro lado, espero que nenhuma cultura específica domine o país. Sou a favor do diálogo e da diversidade e isso, por mais que muitas vezes seja permeado de polêmicas e intolerância, ainda é a melhor forma de se encontrar uma base comum para a vida em sociedade. Abraços.
Até consigo compreender perfeitamente certos pontos da cartilha progressista, como legalização de drogas e contra porte de armas, porém é bizarro como tratam superficialmente a concepção da vida humana. Aqui no Brasil ainda escuto o argumento “tem que abortar mesmo, já que vai ser uma criança pobre e pedir esmola em semáforos”. Aí, em um país desenvolvido, a ginástica mental deve ser maior ainda para aceitarem eticamente essa atrocidade.