Gabriela Freire, uma empreendedora brasileira em Québec .
Acredito sinceramente que o brasileiro é empreendedor por natureza. A gente aprende desde cedo a ter jogo de cintura, a improvisar com criatividade, cair e dar a volta por cima, a se adaptar às incertezas da nossa economia e, muitas vezes por conta dela, dar o passo que nos leva a outros destinos e nos submete a outras realidades. E eis que a oportunidade de se reinventar e de começar de novo, inerente ao processo de integração de todo imigrante, traz consigo a magia do: e se eu fosse meu próprio chefe, que tipo de empreendedor eu seria?
Para falar sobre o tema, eu não tinha a pretensão de resumir a fórmula do sucesso, dar atalhos ou um passo a passo àqueles que desejam embarcar nessa jornada. Queria, antes de tudo, contar uma história definitivamente sem roteiro. Uma história com verdade e sem filtros. A minha protagonista não poderia ter uma trajetória mais empreendedora e inspiradora para passar a mensagem que eu queria.
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Esse mês apresento Gabriela Freire, ou simplesmente Gabi, uma pernambucana de Petrolina, que de lá saiu para ser jornalista de gastronomia em São Paulo e que entre erros e acertos, revezes da vida, inseguranças, medos, fé e muita perseverança, encontrou no simples ato de cozinhar uma missão real nesse mundo: trazer mais doçura para sua vida e de seus clientes.
Ao longo dessa história, dividida em duas partes, incluí depoimentos da própria Gabi, disponíveis no Instagram dela @gabifreiregateaux. Neste primeiro artigo, vamos falar um pouco sobre como a movimentação em direção ao empreendedorismo começou ainda no Brasil.
Capítulo 1 – Quando para empreender, o essencial é invisível aos olhos
Quando a gente pensa em infância, quase sempre muitas das nossas memórias afetivas vêm com cheirinho de bolo. Como muitas, Gabi cresceu vendo a avó na cozinha e isso foi suficiente para despertar um interesse especial pela arte de fazer bolos caseiros por toda vida. Era um hobby, uma coisa para se fazer em casa para receber amigos e familiares.
Profissionalmente, Gabi atuava como jornalista, mais precisamente repórter de turismo e gastronomia para um jornal, quando um problema de saúde aparentemente inofensivo mudou a sua vida de forma significativa. Uma conjuntivite foi o alerta para um problema mais grave e que se transformou numa sentença que tinha tudo para ser fatídica: a descoberta de uma doença que se chama ceratocone e que pode levar à cegueira definitiva. O resultado foi a perda de 90% da visão esquerda. Logo, quem vê esses olhos verdes lindos de viver nem imagina o que a Gabi passou.
Dois meses sem enxergar, seguidos de uma longa temporada em recuperação, a impediram de seguir trabalhando como jornalista. E aí o acaso, se é que ele existe, fez sua parte. Um dia recebeu em casa a visita de uma amigo que era dono de um café em São Paulo. Preparou um bolo de chocolate que de tão bom fez com que o amigo sugerisse uma ideia bem maluca no ponto de vista dela: pediu que a Gabi fizesse um bolo para ele vender no café. Mesmo achando totalmente descabido, ela fez. Resultado: em poucas horas, o bolo foi vendido, o que gerou novas encomendas.
Dessa vez, além de se tornar fornecedora do café, ela começou a atender outros pedidos também. E com isso nascia a Gabi empreendedora-amadora, meio que sem querer. Às vezes acertando o ponto, às vezes passando dele, mas sempre insistindo em fazer o seu melhor. Por isso a relação com a famosa citação do Pequeno Príncipe abrindo nossa história. A verdade é que para empreender só se vê bem mesmo com o coração.
Capítulo 2 – Sonhos que se realizam num domingo qualquer
Algumas leitoras podem já ter reconhecido a nossa empreendedora. Em 2016, ela foi uma das participantes do reality show exibido pelo SBT: Bake off Brasil – Mão na massa. O grande objetivo era se consagrar a melhor confeiteira amadora do país. Pois bem. Participar de um reality show faz parte da lista de sonhos de muita gente. Não era necessariamente o caso da nossa protagonista.
Ao contrário do que muitos podem pensar, a decisão de se candidatar à vaga de participante foi bem aleatória e despretensiosa. Era um domingo sem nada de especial, quando seguindo uma ex-participante no Instagram ficou sabendo que as vagas estavam abertas e pensou: por que não? E novamente o nosso acaso fez sua parte e ela foi selecionada entre os 13 competidores da segunda temporada. Na ocasião ela se apresentava dessa forma na sua agora extinta página do Facebook:
Sou formada em jornalismo, mas os doces sempre foram uma das minhas maiores paixões. Por isso, há sete meses eu criei essa página para expor esse grande sonho de me tornar uma confeiteira. Ainda não tenho nenhuma formação profissional na área e tudo que eu sei e foi publicado aqui até hoje é fruto de muito esforço, dedicação e pesquisa nos livros e na internet, além da minha experiência no jornalismo gastronômico. Então, agradeço a todos que sempre estiveram comigo e conto muito com a força e torcida de vocês daqui para frente!! Muito chocolate e doçura.
Gabi não venceu. Não foi a preferida do público e dos jurados. Resistiu o máximo que pode na disputa, sendo quem ela era de verdade. Ficou com fama de chorona, o que na verdade faz parte de quem ela é: um ser de pura emoção. Ser autêntica tem seu preço, ainda mais quando a exposição é editada para dar audiência na TV. Foi alvo de haters e essa parte deixou feridas difíceis de cicatrizar. O saldo, no entanto, foi positivo: confirmou seu talento e desejo de realmente colocar a mão na massa para viver de uma paixão. No dia em que saiu da competição, ela escreveu o seguinte em seu Instagram:
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Hoje chega ao fim essa linda história. Nem nos meus melhores sonhos eu imaginava que poderia participar de uma aventura como essa. Um reality show, com pressão, tempo, câmeras, disputa, hahaha magina, jamais! Quando fiz a minha inscrição para o #bakeoffbrasil confesso que não acreditava que poderia ser ao menos selecionada e quando isso aconteceu muitas coisas passaram pela minha cabeça: será mesmo que eu devo ir?! Mas, e se eu errar, e se eu decepcionar as pessoas, e se eu passar vergonha… E se eu continuar pensando no SE eu nunca vou conseguir fazer nada na vida e fui! E ai vocês ja sabem o restante dessa história. A melhor parte disso tudo é que eu descobri que vale muito a pena correr atrás de um sonho, ver o lado bom, tentar ser feliz, me arriscar, ser o que eu quero ser de verdade!
E de coração eu desejo que quem tiver duvidas sobre qualquer coisa na vida não tenha medo de realizar, de se superar! Obrigada a todos que estiveram com a gente nisso, que vibraram, que acompanharam, torceram!!! Foi um prazer estar com vocês! Obrigada a toda equipe Bake Off Brasil! Obrigada obrigada obrigada! E hoje a noite é da Noemy, Marcos e Camila – super super boa sorte, vocês são incríveis!!!
Passado o momento fama, era hora de transformar outro sonho em realidade: ir viver fora para ter mais qualidade de vida. Cansada da insegurança e instabilidade que vivia no Brasil, decidiu que era hora de queimar o navio e as amarras para ir construir sua vida com o marido Franklin em Québec. E assim, um ano após o reality show, ela deixava tudo para trás para começar de novo.
Não perca a segunda e última parte dessa história aqui no Brasileiras pelo Mundo. Vou contar como a mudança de país fez com que ela definitivamente abraçasse a causa do empreendedorismo colocando a mão na massa para valer!