Cidadã no Canadá. O que significa tornar-se cidadã de outro país?
A jornada do imigrante é feita de diversas etapas. Nesse processo todo, as razões que nos movem nessa direção são extremamente subjetivas, não cabendo juízo de valor. O que começa num tom protocolar e jurídico pelo direito de temporariamente residir em dado país “pode” se transformar numa necessidade de comunhão e pertencimento que vai muito além.
Uso aqui intencionalmente a expressão “pode”, porque tornar-se cidadão não é um marco obrigatório na imigração. Compartilho com vocês esse mês um pouco da minha trajetória e o que me levou a alcançar a etapa final que, ao meu ver, culmina com o juramento para com o país que escolhi: o Canadá!
Diferenças entre ser Residente Permanente e ser Cidadão Canadense
Gosto sempre de começar esclarecendo o que é e, principalmente, o que não é. Para isso, precisamos retomar algumas definições e conceitos importantes, principalmente em relação às leis canadenses.
Residente Permanente: É alguém a quem foi concedido o status de residente permanente ao imigrar para o Canadá mas que é cidadão de outro país. Uma pessoa que está temporariamente no Canadá, como um estudante ou trabalhador estrangeiro, não é um residente permanente. Nesse caso, ele ou ela se enquadra no status de residente temporário.
Cidadão canadense: Status obtido pelo princípio do nascimento no Canadá; ou pelo nascimento fora do Canadá mas com pai ou mão canadenses; ou concedido pelo governo federal ao residente permanente que morou no Canadá comprovadamente durante um certo período de forma legal e que atendeu a todos os requisitos para tornar-se cidadão.
Tudo o que você precisa saber para morar no Canadá
Não entrarei no mérito dos diferentes processos para cada uma dessas possibilidades. Para isso, recomendo consultar o site do Immigration and Citizenship Canada. Resumirei a diferença essencial entre um e outro da seguinte forma: A cidadania é o momento em que aceitamos, de livre-arbítrio e bom grado, não apenas os direitos, mas principalmente os deveres que vem com o título, que incluem:
- Obedecer a lei
- Ser responsável por si e pela família
- Servir a um juri, se convocado
- Votar nas eleições (lembrando que o voto não é obrigatório)
- Ajudar ao próximo na comunidade
- Proteger e aproveitar o patrimônio cultural e ambiental
Portanto, é possível manter a residência permanente indefinidamente, bastando para isso renová-la quando próximo da data de expiração, considerando a papelada e os custos inerentes.
Ou então, a cidadania pode ser uma opção caso além das questões mais práticas, se deseje também desempenhar um papel mais efetivo na sociedade local. Importante lembrar que é possível manter a cidadania brasileira, passando então a um status de dupla cidadania. Nesse caso, temos deveres e direitos em relação aos dois países. Uma cidadania não anula a outra.
Meu percurso da residência à cidadania
Em 2016, contei sobre meu processo de imigração nesse artigo : Casei com um gringo, e agora? Recomendo a leitura caso queria saber mais sobre como me tornei Residente Permanente*.
Em junho de 2019, assim que completei o período mínimo de presença física obrigatória no país, dei entrada no processo de cidadania.
Não vou negar que inicialmente foi por uma questão essencialmente pragmática: não precisar renovar a residência permanente a cada 5 anos e ter trânsito livre com um passaporte canadense. Isso simplificaria bastante o acesso a vários países, mas principalmente ao nosso vizinho, os Estados Unidos.
Voos que passam por lá em direção ao Brasil costumam ser mais baratos. Fora que se quiser viajar por turismo, tenho entrada livre como canadense, sendo o visto dispensado nesse caso.
Preparação para o teste e outros requisitos
No entanto, diferentemente da residência permanente, a obtenção das cidadania requer passar por um teste de conhecimentos gerais sobre o Canadá, assim como uma entrevista com funcionários federais que confirmam o domínio do inglês e/ou francês, os documentos oficiais submetidos pelo correio e até mesmo o histórico profissional.
Não basta apenas mandar a papelada e esperar a aprovação. Algum comprometimento e esforço a mais são essenciais.
Os materiais de estudo para o teste são disponibilizados gratuitamente e a prova é realizada presencialmente. São 20 questões de múltipla escolha e verdadeiro ou falso que devem ser respondidas em 30 minutos.
Os temas envolvem história, geografia, cultura, política e legislação (nesse caso, mais relacionadas aos papéis e responsabilidades das diferentes esferas e instituições governamentais e a monarquia parlamentarista).
Dificuldades pelo caminho
As perguntas podem pedir que se identifique anos de fatos históricos, atos políticos, nomes de pessoas célebres ou até mesmo animais que são representados na moeda. Ou seja, não recomendo dar uma lida rápida no material e achar que vai acertar no mínimo 75% apenas usando a “lógica por exclusão”.
Muitas pessoas acabam não passando de primeira, seja por subestimarem os estudos, por dificuldades com a língua ainda presentes apesar do tempo no país ou de má compreensão de texto. A segunda chance não é cobrada, mas à partir da terceira, o processo deve ser refeito do início, incluindo-se o pagamento de nova taxa.
A aprovação e convocação para cerimônia de cidadania
Após a aprovação no teste e na entrevista, basta aguardar a convocação para a cerimônia de cidadania. A minha estava prevista para o final de março de 2020. No entanto, com a pandemia, uma semana antes foi declarada a quarentena e isso fez com que a cerimônia fosse adiada até segunda ordem.
No dia 27 de agosto de 2020, após pouco mais de 5 anos em solo canadense, tornei-me oficialmente cidadã. Num ano atípico, a cerimônia se realizou via Zoom com quase 70 pessoas online e, vou dizer que, mesmo assim, foi muito emocionante para mim.
Durante esse evento, fazemos um juramento em voz alta. E juramento é coisa séria! Segue minha tradução livre. A quem possa causar estranhamento, lembrem-se que o Canadá é uma monarquia parlamentarista, cuja soberana é a Rainha da Inglaterra.
I swear (or affirm) – Eu juro (ou afirmo)
That I will be faithful – Que serei fiel
And bear true allegiance – E portarei verdadeira lealdade
To Her Majesty Queen Elizabeth the Second – A nossa Majestade Rainha Elizabeth II
Queen of Canada – Rainha do Canadá
Her Heirs and Successors – A seus herdeiros e sucessores
And that I will faithfully observe – E que observarei fielmente
The laws of Canada – As leis do Canadá
And fulfil my duties – E cumprirei meus deveres
As a Canadian citizen.- Como uma cidadã canadense
O que a cidadania significa para mim
Cheguei aqui em 2015 com aquela sensação de “E agora?”, precisando me reinventar e me redescobrir num outro contexto. Precisei ser forte, mas também cedi à minha vulnerabilidade. Descobri que ali se escondia a minha força de verdade. Tracei objetivos e fui subindo um degrau de cada vez, sempre determinada em atingir minha missão pessoal. Ser flexível e humilde tem sido essencial.
Considero-me uma pessoa bem sucedida não pelas conquistas materiais, as quais estão vindo como resultados dos meus esforços e do meu marido.
Considero-me uma pessoa em progressiva realização porque neste país pude criar e acessar oportunidades alinhadas com meus valores e expectativas, conheci e sigo conhecendo pessoas incríveis e tenho uma estrutura de nação que me permite fazer tudo isso com segurança, qualidade de vida e dignidade.
É perfeito?
Evidentemente que não. Apenas escolho me guiar pelas possibilidades, mais que pelas dificuldades. Nosso caráter verdadeiro se revela nesses momentos.
Diante de tudo que esse país me proporciona, nada mais justo do que retribuir exercendo um papel ativo para impactar sua história por meio de minhas ações, gerar novos valores, contribuir com a sociedade que me acolheu.
Canadá multicultural
Hoje me sinto verdadeiramente parte desse tecido social multicultural que é o Canadá. Sigo igualmente amando meu país de origem, o Brasil. A única coisa que muda é que meu coração agora é 50-50: verde e amarelo, mas também vermelho e branco.
No dia em que fiz o juramento acima, um filme literalmente passou pela minha cabeça. A trajetória humana jamais será linear, mas a do imigrante requer um pouco mais de jogo de cintura para aprender a viver segundo outras regras que se descobrem no caminho.
Terá altos e baixos, sucessos e fracassos, muitas vezes virá acompanhada de mais dúvidas do que certezas. E vale tanto a pena! Tornar-se cidadã representa, para mim, fincar raízes!