Adultos que moram com os pais na Califórnia
Pois muito bem, eis me aqui novamente para contar sobre o que venho aprendendo nessa nossa quarta e definitiva cidade californiana em que residimos, desde que nos mudamos do Brasil para os EUA há cinco anos, uma verdadeira epopéia cheia de aventuras inesquecíveis que venho compartilhando com vocês mensalmente desde o início deste ano.
Estamos instalados em Santa Cruz há apenas cinco semanas e já conseguimos perceber, através do contato com as pessoas necessárias para fazer as nossas vidas funcionarem, que a vibe de Santa Cruz é extremamente peculiar em relação às 3 cidades em que residimos anteriormente, nos distintos condados de San Francisco, Alameda e Marin, assim listados por ordem cronológica de nossa vivência.
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Assim que chegamos por aqui, procurei fazer parte de um grupo de famílias de Homeschoolers que se reúne uma vez por mês em uma escola pública que promove semanalmente para crianças — cujas idades corresponderiam ao ensino primário e médio– aulas práticas de Ciências, Artes Gráficas e Dramáticas.
Como vocês, que acompanharam minhas publicações no Mães Mundo Afora lembram, venho implementando já há dois anos a prática do Homeschooling (Educação Não Escolar) combinada com o Unschooling (termos que traduzo como desescolarização ) de nossa filha mais nova (leia aqui para saber como começou essa aventura) e recentemente fomos brindados com o enorme presente de conhecermos a Ocean Alternative, uma comunidade especial que apoia famílias que implementam o Homeschooling/Unschooling em Santa Cruz.
Em uma de nossas reuniões, fiquei sabendo que é extremamente comum por aqui a ocorrência de adultos já graduados com Mestrado em Universidades residindo com os pais, prática bastante criticada pela grande maioria dos Norte-Americanos.
No entanto, as pesquisas mostram que atualmente em todo o estado, 37% dos californianos com idades entre 18 e 34 anos residem na casa dos pais, de acordo com o Censo dos EUA. No sul da Califórnia, onde o preço médio dos imóveis equipara-se ao valor despendido aqui em Santa Cruz ( mais de US $ 700.000), cerca de 55% dos jovens adultos ainda moram com a mãe e / ou com o pai.
Foi assim que passei a observar que aqui em Santa Cruz o mesmo fenômeno está acontecendo. Das 10 famílias que fizeram parte de nossa reunião semanal, duas tinham filhos com mais de 26 anos morando com os pais! Número bastante significativo, não é mesmo?
Sinais dos Tempos?
Uma das mães do nosso grupo, uma indiana radicada em Santa Cruz há mais de 30 anos nos contou que os dois filhos, cujas idades são 29 e 26, atualmente moram em sua casa, pois segundo ela, seria uma forma de economizarem dinheiro para conseguirem saldar os empréstimos efetuados para pagar a universidade que cursaram, além de também poderem fazer o famoso “pé de meia” para aquisição do primeiro imóvel, que é extremamente caro aqui por essas bandas.
A outra mãe, nascida e criada em Santa Cruz, professora e Homeschooler nos contou uma outra estória, mas que tem um denominador comum: seus dois filhos chegaram a morar em outros locais depois que terminaram os cursos na universidade, porém foram experiências por demais desastrosas. Só conseguiram pagar aluguéis em verdadeiras espeluncas, já que o preço médio dos aluguéis dos imóveis por aqui é muito alto, como mencionei, cerca de mais de 30 mil dólares por ano, ou seja, praticamente equivalendo aos salários que os recém formados conseguem receber anualmente!
Muito embora conste nas mídias que a economia americana esteja em expansão e o mercado de trabalho extremamente aquecido, parece ser fato corrente que os denominados Millenials e a Geração Z dos californianos estão cada vez mais interessados em morar na casa dos pais, como acontecia há mais de uma década, na época da grande recessão.
Mas quem são esses indivíduos, mais especificamente?
Muito bem, de acordo com os dados que pesquisei junto ao Censo da CalMatters, muitos desses temporões já não são mais tão jovens assim: cerca de 1 em cada 4 californianos entre 25 e 34 anos atualmente vive com os pais, ou seja, conta-se mais de 1,5 milhão de pessoas! Curiosamente, constata-se que os homens, mais do que mulheres, estão mais propensos a morarem com os pais e, mais especificamente, os não-caucasianos.
Além dos benefícios financeiros de se viver na casa dos pais, há de se convir que as diferenças culturais também atenuam muito os estigmas associados à tal prática, assim como os sentimentos de obrigação para com a família. Consta nos dados que pesquisei que quase metade dos latinos da Califórnia, entre 18 e 34 anos, ainda mora na casa dos pais.
E tem mais: em seus estudos, as pesquisadoras Jessica Hardie e Judith Seltzer verificaram que especificamente os Hispânicos tendem a ter níveis mais altos do que chamaram de familismo, ou seja, uma grande consideração pela família: eles prestam ajuda frequente aos pais e irmãos e convivem diariamente com seus familiares. Ou seja, está comprovadamente excluído o estereótipo mais difundido aqui nos EUA de que filhos adultos morando com os pais seriam aqueles seres infantilizados, desempregados e sem filhos, que passam o dia inteiro na sala a jogar videogames.
Na verdade, mais de 40% daqueles cidadãos californianos Hispânicos, apontados nas pesquisas, que ainda moram com os pais, estão matriculados em alguma universidade ( Comunitária ou não) e a grande maioria trabalha, pelo menos, em período parcial.
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Existe preconceito
Bem, pelo que me consta, nós, brasileiros, não arrastamos pela vida afora esse preconceito contra morar com os nossos pais, não é verdade?
Minha irmã e eu, por exemplo, moramos com nossa mãe em nossa casa por uma década depois que nos graduamos e mesmo enquanto trabalhávamos e cursávamos Pós-Graduação e Mestrado. Eu só me mudei de lá quando, já casada, compramos o nosso primeiro apartamento.
Também tenho um outro irmão que, aos 36 anos, ainda mora com meu pai e posso tranquilamente citar inúmeros primos e amigos que partilham dessa situação, de uma forma ou de outra.
No entanto, percebi com uma certa surpresa, pelo depoimento da mãe Norte-Americana naquela reunião que mencionei, um velado constrangimento ao nos contar sobre a permanência de seus filhos adultos, pós-graduados, em sua casa e ao conversarmos mais sobre o assunto, chegamos à conclusão de que parece fazer mais sentido aqui nos Estados Unidos um cidadão dever ao banco milhares de dólares, comprar um apartamento minúsculo ou um casa caindo aos pedaços lá na Conchinchina ou até mesmo continuar vivendo com um parceiro que odeia do que suportar a famigerada vergonha de se morar com os pais.
No entanto, nós que moramos fora já percebemos que em muitos lugares do mundo, a cooperação familiar é mais valorizada do que essa competição insana, tão valorizada pelos Norte-Americanos, que acaba por levá-los a interpretarem erroneamente o que seria uma saudável convivência familiar, vocês concordam?
Porém, felizmente estão existindo as exceções e pude verificar, para a minha grata surpresa, através dos relatos dos Homeschoolers, que muitos desses adultos californianos que atualmente moram com os pais foram educados em casa, ou seja, não contaram com a escolarização em grande parte das suas vidas. Ou seja, parece que os relacionamentos familiares aqui nos Estados Unidos são mais estreitados quando se educa o filhote em casa. Será?
Bom, isso pode ser assunto para um outro post, não é mesmo?
Um beijo e até a próxima!