O alto custo de vida e os problemas no sistema educacional em São Francisco.
Muito bem! Como prometido em meu artigo do mês passado, proponho-me a conversarmos, desta feita, sobre dois problemas graves refletidos no sistema escolar público da cidade de São Francisco.
Inicio minha exposição com a seguinte informação: a cidade do vento perene e congelante tem a particularidade de ter o Distrito Escolar unificado, ou seja, só existe um único Distrito Escolar dentro de toda a cidade-condado de São Francisco.
Para vocês terem uma ideia, em Marin County, região onde moro atualmente, existem 19 Distritos Escolares que servem a 11 municípios, de cuja densidade populacional varia entre 2 mil a 57 mil habitantes. No entanto, estima-se que a população atual da cidade de São Francisco esteja na faixa dos 880 mil habitantes. Captaram a mensagem?
A área da baía de São Francisco, comumente conhecida como Bay Area é a região metropolitana que circunda os estuários da Baía de São Francisco, situados ao norte da Califórnia.
De acordo com o Censo de 2010, a região tem mais de 7,1 milhões de habitantes em uma extensão territorial de 18.000 km2, compreendendo 9 condados: Alameda, Contra Costa, Marin, Napa, São Francisco (cidade-condado), São Mateo, Santa Clara, Solano e Sonoma, além de 101 municípios.
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Peculiaridades Administrativas
De fato, São Francisco configura-se como uma cidade-condado consolidada.
O que significa isso, minha gente?
Quando se tem uma cidade e um condado que foram fundidos em uma jurisdição unificada, o que existe é simultaneamente uma cidade, ou seja, uma corporação municipal, e um condado, que é a divisão administrativa de um estado. A cidade-condado, dessa forma, passa a abarcar os poderes e responsabilidades dos dois tipos de entidades.
Uma cidade-condado consolidada é diferente de uma cidade independente, uma vez que esta seria uma entidade territorial legal separada dos municípios adjacentes, enquanto a primeira assume as responsabilidades tanto de município, quanto do condado como um todo.
Para Quê Serve essa Fusão?
Certamente, existe um propósito para que uma unificação dessa natureza seja implementada, que é a possibilidade de tratar com mais eficácia certos impasses governamentais administrativos importantes que se tornam prioritários para regiões densamente populosas, como por exemplo: economizar recursos públicos, aumentar a eficiência administrativa, buscar aprimorar as fontes dos recursos, melhorar a capacidade de planejamento e por fim, melhorar a distribuição de responsabilidades administrativas mais específicas, como a implementação de um Distrito Escolar Unificado.
Mas afinal, e as escolas em São Francisco?
De acordo com muitos moradores da nossa cidade-condado, diversos bairros classificados como de classe média em São Francisco enfrentam regularmente desafios como a falta de professores e a baixa qualidade do ensino nas escolas.
O fato é, minha gente, que São Francisco está colocada entre as cidades mais caras para se viver atualmente nos EUA.
Enquanto o valor médio de aluguel de um apartamento de aproximadamente 80 metros quadrados em outros estados americanos varia de US $ 1000 e US $ 2000 dólares, em São Francisco o valor médio de aluguel para um imóvel deste porte sairia, na atualidade, US $ 3.600 dólares mensais, dependendo da região.
Normalmente o tamanho médio de um apartamento em São Francisco seria de 792 s/f (79 metros quadrados), porém a metragem varia muito dependendo do tipo de apartamento.
Os apartamentos do tipo estúdio (studio) são menores e de aluguéis mais acessíveis, enquanto os apartamentos de 1 quarto estão mais próximos do valor médio mencionado, ao passo que os apartamentos de 2 e de 3 quartos oferecem uma metragem quadrada um pouco maior por um preço muito mais alto.
Assim, um dos grandes motivos para a falta de professores é exatamente o custo de vida alto demais em comparação aos salários pagos, que dificulta a sobrevivência da classe na cidade.
Entretanto, desde 2018, a administração da Cidade de São Francisco junto com o Distrito Escolar Unificado têm promovido algumas iniciativas à longo prazo que pretendem aliviar um pouco o problema de moradia da classe docente.
Desse modo, estão sendo implementadas a construção de moradias acessíveis para os professores e suas famílias dentro da jurisdição da cidade, bem como a disponibilização de fundos especiais para empréstimos exclusivos para professores, designados à compra de imóveis para moradia por um valor abaixo do estipulado no mercado.
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A Baixa-Qualidade do Ensino Público
Antes de tudo, partamos da seguinte questão: qual é o povo que frequenta as escolas públicas de São Francisco?
Bem, consta que quase metade dos alunos das escolas públicas são oriundos de famílias de classe média, ou seja, são pessoas com renda familiar média que varia atualmente de $64.177,00 a $192.530,00 dólares pagos por ano.
Assim, de acordo com as estatísticas, é seguro afirmar que metade dos alunos do Distrito Escolar Unificado de SF vem de famílias com recursos, em que os pais tiveram educação universitária, ambos trabalham e entendem que a escolarização pública é a melhor forma de gerir e educar os filhos.
Por outro lado, existem os outros 50% dos alunos que são as crianças oriundas da classe trabalhadora mais pobre e que acabam por demonstrar problemas graves de comportamento em uma situação de confinamento como a das salas de aula.
Famílias Sem-Teto
De acordo com depoimentos de professores do mencionado distrito, as “crianças problemáticas” em cada classe são, em sua maioria, oriundas de famílias da classe trabalhadora e de famílias que lutam diariamente contra a pobreza. Sim, são pessoas que conhecemos, pois os filhos estudam com nossa filha, mas moram em carros ou com parentes em situações improvisadas.
No Distrito Escolar Unificado de SF, 61% dos alunos recebem almoço grátis ou com desconto, fato que descreve muito bem o tipo de clientela que também o frequenta: alunos que estão constantemente com fome, que não têm pais em casa, não têm mochila ou material escolar, não têm casa, ou pior, foram vítimas de toda sorte de abusos.
Essas crianças vão à escola com problemas graves de ansiedade por causa da família — ou da falta dela — e os professores têm que lidar com toda uma gama de questões sociais durante as aulas cotidianamente.
Nas manchetes dos jornais vemos como é grave esse problema em SF: a maioria desses estudantes destituídos de condições de vida trazem problemas crônicos mentais, já documentados em suas fichas escolares durante os anos passados no Distrito e simplesmente não têm condições de passar um longo tempo confinados em uma sala de aula com mais 3 dezenas de crianças sem conturbar diariamente todo o ambiente de aprendizagem.
No entanto, não há, no cerne do sistema escolar atual americano, uma maneira de os professores ajudarem essas crianças de forma consistente.
Assim, é difícil imaginar quem na atualidade, numa cidade cheia de oportunidades e empregos, resolva abraçar tal profissão a longo prazo, cujo salário é um dos mais mais baixos pagos no mercado, para executar não só o papel de professor, mas também o de pai/mãe, assistente social, policial (às vezes, sim) e ainda, desempenhar todas as atividades divertidas, criativas e repletas de alta tecnologia que o professor deve fazer nas salas de aula da atualidade.
O fato é que não existe mais esse pessoal dando sopa, pelo menos não em São Francisco, minha gente.
As estatísticas apontam que metade dos professores do país deixam a profissão depois de 5 anos de prática.
Abraços e até o mês que vem!