Este mês gostaria de abordar mais um tema relativo a aspectos culturais: a relação dos poloneses com a bebida. Como é a questão do alcoolismo na Polônia.
Generalizações à parte, a fama que o polonês tem – e inclusive outros povos de países eslavos, e europeus do norte, em geral – de beber muito, é grande. Mas se pensarmos assim, o brasileiro também gosta – e muito – de consumir bebidas alcoólicas, pois isso é culturalmente aceito; faz parte de nossa cultura. E tanto cá como aí, ao falarmos do lado positivo, não podemos deixar de contemplar os problemas que o consumo abusivo do álcool pode trazer, como o alcoolismo.
Vodca, um dos símbolos nacionais
Bem, vamos começar falando de um dos símbolos nacionais na Polônia, a vodca. Todos nós sabemos o que é: uma das bebidas destiladas mais consumidas no mundo. Em polonês, wódka pode ser traduzida por ‘aguinha’, uma vez que água, em polonês, é woda. Mesmo sendo incerta suas origens, no que se refere à pátria-mãe da bebida, o certo é que ela é a bebida nacional de poloneses e russos, e arriscaria dizer também, de outros países europeus. Até porque, atualmente, muitos países do globo a produzem. É uma bebida tão popular que ainda hoje há o costume de fabricá-la artesanalmente em casa. O teor alcoólico dessas bebidas pode ultrapassar os 37,5%, permitido pela União Europeia, mas em média, gira em torno dos 40%. O Spiritus é um destilado à parte: seu teor pode chegar a inacreditáveis 95%!
Vodcas e licores
As vodcas são produzidas a partir das mais diversas matérias-primas: das batatas ao trigo ou centeio, passando por frutas como ameixas, figos e diversas oleaginosas, e até o capim que o bisão europeu (em polonês Żubr) consome. Assim como a nossa cachaça, podemos encontrar das vodcas mais baratas às mais refinadas; variações que vão da branca a ouro, passando pelas aromatizadas, mais suaves e adocicadas, que remetem a licores. E para manter viva a importância cultural da vodca para os poloneses, em 2017 será inaugurado, na cidade de Varsóvia, o Museu da Vodca, no prédio onde funcionou a antiga destilaria Koneser, no bairro de Praga.
Sobre as cervejas, há uma gama variadíssima para todos os gostos. É bem interessante conhecer os tipos e gradação de fermentação. Aqui há uma tabela interessante para tentar entender essa variação. Um dado curioso é que, devido ao forte sabor da maioria das cervejas, não é raro os estabelecimentos perguntarem às mulheres – sobretudo no verão – se querem consumir a bebida suavizada por algum tipo de suco, especialmente de framboesa.
Consumo Brasil X Polônia
No inverno, isso pode ser feito com especiarias. Além disso, é comum canudos serem oferecidos ou simplesmente disponibilizados, para as mulheres, para se tomar cerveja. Voltando à fabricação, também há diversas micro cervejarias, produzindo selos independentes, o que diversifica ainda mais o leque de sabores. O que vale frisar é que as cervejas polonesas podem ter um teor alcoólico que varia de 4,5% e pode chegar até 10%. A média brasileira é 4,5%. Ou seja, para nós brasileiros, 2 chopes aqui não são a mesma coisa, até porque, além da cerveja ser mais forte e ter mais álcool, não há essa ideia de ‘estupidamente gelada, com colarinho‘.
Pijalnia de vodca e cerveja – um hábito do passado socialista
Após o trabalho, as pessoas costumavam passar o seu tempo livre nas pijalniach (algo como o pub inglês ou o boteco brasileiro) para beber, conversar com algum conhecido (não da maneira efusiva como nós brasileiros fazemos) ou simplesmente, matar o tempo. Geralmente consistia em um balcão principal, onde o atendente servia e outro virado para a rua. Outros possuíam mesas. Havia alguns itens para ‘beliscar’ como linguiças (kiełbasy) ou śledźie (peixe arenque). Ainda hoje há alguns lugares assim, aqui em Varsóvia, para que possamos conhecer um pouco desse passado, com arquitetura, design e móveis da época. Em alguns deles, inclusive, é permitido fumar dentro. Outros, nem tanto: foram modernizados e ocidentalizados, e estão prontos para os turistas.
O peso da cultura da bebida no contexto social
Na Polônia tudo é um motivo para se consumir bebidas alcoólicas. Homens (em sua maioria) e muitas mulheres o fazem. Casamentos, parapetówki, ou simplesmente um encontro num bar, ou à beira do rio no verão, nos parques, qualquer outro tipo de celebração é um motivo para se beber. E muito. Em casamentos pode-se ter até 1 garrafa de vodca (ou mais) por convidado. Eu já mencionei a questão do contexto social e amizades em um texto passado.
Pois bem, estes eventos sociais são ótimas ocasiões para isso. Uma pessoa que você conhece tímida e séria, logo se transforma após algumas doses de vodca. Uma parte interessante a frisar – e que já mencionei – é que, diferentemente da nossa cultura, aqui é preciso você conhecer seus amigos para beber, pois não existe a ideia de irmos a um evento, bar ou clube para simplesmente beber e fazermos amizades desse encontro. Com colegas de trabalho, por exemplo, você sai, geralmente, com outros estrangeiros, e depois de um certo tempo, talvez, com os poloneses. Entretanto, as novas gerações aceitam mais facilmente a interação com novas pessoas, mesmo porque o convívio com outras culturas tem aumentado nos últimos anos.
Do social à doença chamada alcoolismo, um mal mundial
Por estarmos tão expostos a tudo isso, assim como em nosso país, o alcoolismo é a principal doença resultante do consumo abusivo do álcool. Alguns fatores contribuem para que o acesso às bebidas alcoólicas seja mais fácil. Aqui a cada esquina podemos encontrar as lojas que vendem bebidas 24 h. Mesmo sendo proibido consumi-las em lugares públicos como praças, parques (com algumas exceções), transporte público, etc., não é incomum ver pessoas tentando burlar a lei, escondendo garrafas e latas em mochilas ou pacotes de papel, bebendo nos lugares mais escuros dos parques e viadutos, ou mesmo perto de lixeiras públicas, onde é mais fácil descartá-las, caso haja um flagrante. Como o índice de criminalidade é muito baixo, a polícia e o equivalente à guarda metropolitana aqui, costuma abordar pessoas embriagadas, desde moradores de rua solitários a grupos de jovens que estejam mais alterados.
Problemas no inverno
No inverno de 2015-2016, pelo menos 21 pessoas morreram devido a onda de frio – cujas temperaturas chegaram até a -20 graus, em algumas regiões. A grande maioria dessas vítimas eram moradores de rua, que neste período encontravam-se fora dos abrigos ou isoladas em casas sem sistema de aquecimento. Muitos deles inebriados pelo efeito do álcool. Dados da Organização Mundial de Saúde (WHO – World Health Organization) apontam que em 2010, o consumo de álcool entre jovens de 15 a 19 anos não é o dos mais altos em escala mundial ( 20 a 29,9%), mas mesmo assim, é preocupante para uma população de quase 39 milhões de pessoas. Muitas campanhas já foram realizadas para alertar sobre este problema.
Uso de outras drogas ditas mais pesadas não é tão aberto como no Brasil, embora em ambos países seja ilegal. Por isso o álcool é uma droga mais perigosa devido a ser socialmente aceita e fazer parte da cultura. É a tal válvula de escape ou o pretexto para estar inserido em grupos, na sociedade como um todo. Ainda há outro fator interessante a ser mencionado (e que já ouvi de alguns poloneses inclusive) que é a ‘pressão’ para beber quando se está entre amigos ou mesmo em família – independente do motivo do encontro – sobretudo para os homens: é praticamente impossível não ceder a isto.
Se é para preservar tradições ou simplesmente para externar algo ligado à masculinidade, não sei, não sou contra o consumo de bebidas alcoólicas, pelo contrário, acho interessante neste contexto social ou simplesmente se a pessoa quiser fazê-lo em sua casa, para relaxar. O problema está no consumo abusivo, sobretudo por pessoas que têm predisposição para desenvolver a doença, ainda mais se iniciar esta prática muito jovem. Seja aqui, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
Até a próxima!
Para saber mais:
Mapas sobre consumo de álcool da Word Health Organization
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