Strajk Kobiet e o dia internacional da mulher.
Dia 8 de março é o dia internacional da mulher. Dia de lembrar as lutas e conquistas femininas pelo mundo. Também é dia de lutar pelas demandas pendentes e nos mobilizar para reverter quando, infelizmente, há retrocessos.
Como vivo na Polônia, gostaria de falar um pouco sobre uma luta recente das mulheres polonesas no país: o movimento Strajk Kobiet.
Origens da Greve Geral das Mulheres na Polônia
O movimento Ogólnopolski Strajk Kobiet, OSK (algo como Greve Geral das Mulheres na Polônia) teve origem nos protestos de outubro de 2016. Naquele ano, foi enviado ao parlamento polonês uma proposta (de um grupo conservador, ligado à Igreja Católica) para proibir o aborto em todas as circunstâncias.
A chamada lei anti-aborto contou com o apoio da maioria dos deputados e já estava a caminho para ser discutida e aprovada pelo congresso. Um projeto oposto, para liberar o aborto nas primeiras 12 semanas, também foi enviado para votação, porém fora sumariamente rejeitado em primeira instância.
Então, um movimento embrião para a greve das mulheres na luta de seus direitos foi idealizado e organizado pela ativista – e também política – Marta Lempart e pela escritora e ativista Klementyna Czernicka.
A partir daí, a onda de protestos espalhou-se pela Polônia. Houve mobilização em mais de 150 cidades no país, das capitais às cidades menores. Essa grande mobilização ficou conhecida como “Czarny Protest” (Protesto Negro) ou “Czarny Poniedziałek” (Segunda-feira Negra).
Numa crescente, os protestos continuaram ganhando notoriedade e conquistando a solidariedade de mulheres por todo mundo. Em plena era tecnólogica, as informações (e imagens) impactavam as redes instantaneamente.
Ratujmy Kobiety: Salvemos as Mulheres
Mesmo assim, em 2018, o Sejm (Parlamento Polonês) rejeitou o projeto cívico “Ratujmy Kobiety 2017” (Vamos Salvar as Mulheres). Este projeto visava dar às mulheres a possibilidade de escolha para interromper a gravidez até a 12ª semana de gestação.
Vale lembrar que, à época, o aborto era permitido por lei em 3 circunstâncias: quando representasse risco de vida à mulher, má-fromação fetal irreversível e gravidez decorrente de estupro até 12 semanas de gestação. O símbolo do movimento? Um cabide, em alusão a uma prática antiga – e perigosa – para realizar um aborto.
Uma das apoiadoras do projeto, a deputada Barbara Nowacka, no entanto, também ressaltava que se tratava não apenas da liberalização do aborto. Este era um projeto que também visava abordar a pauta de uma educação sexual confiável nas escolas e possibilidade de acessar meios contraceptivos mais baratos e também emergenciais, sem uso de receita médica.
Obviamente, o governo pensou em manter um ar democrático, aceitando a proposta inicialmente e também pela força dos protestos de 2016, mas de antemão já sabia que não passaria o projeto, esvaziando-o e tirando-o de contexto em suas mídias.
Como falei aqui em 2016 (quando Andrzej Duda foi eleito presidente pela primeira vez) a TV estatal polonesa (TVP) passou a ser controlada pelo governo. Então, sobre este tema, falava-se de “assassinato de crianças” e dava-se mais destaque ao projeto “Zatrzymaj Aborcję” (Acabem com o Aborto), que continuaria em tramitação, do que ao Ratujemy Kobiety.
Só para constar, a própria reeleição de Duda, em junho de 2020, numa votação bem acirrada, mostrou como o uso da mídia, a benefício próprio pode ser bem eficaz.
Protestos em plena pandemia de Covid-19
Nesse mote, palavras de ordem como “Nie składamy parasolek” (Não fechemos os guarda-chuvas, em alusão à chuva que caia no primeiro dia de protesto) , “To jest wojna” (Isso é guerra, com um raio, símbolo do movimento no lugar do j), e hashtags “polskiepiekło” (inferno polonês) e “piekłokobiet” (inferno das mulheres) tornaram-se cada vez mais presentes.
Em plena pandemia de Covid-19, os protestos de 2020, mostraram isso. Embora milhares de mulheres tenham ido às ruas, em 22 de outubro de 2020 o Tribunal Constitucional emitiu uma decisão após apreciação de matéria parlamentar declarando que a disposição sobre a admissibilidade do aborto em casos de má formação embrionária era anticonstitucional.
Um nova onda de protestos aconteceu em seguida, o que ajudou a adiar a publicação da decisão do Tribunal. Quem não pôde comparecer aos protestos fisicamente (devido à pandemia) demosntrava seu apoio – e protesto – colocando nas janelas e varandas o símbolo do movimento Strajk Kobiet.
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Aliás, a força imagética do raio vermelho sobre um perfil de uma mulher em preto, espalhou-se como um raio pela geração de millenials, assim como às anteriores a ela, como símbolo de contestação, resistência e esperança.
Houve muitas especulações ao associar o relâmpago (błyskawica, em polonês) a inclusive – e de forma muito criminosa – ao SS nazista, como forma de criminalizar o movimento, No entanto, a artista Olga Jasionowska, falou que inspirou-se, sobretudo, no sinal de alerta internacional.
Segundo a criadora: “Ao olharmos para as instalações elétricas, veremos o símbolo do relâmpago que nos avisa: atenção, não toque, perigo. Ou seja, metaforicamente falando, o mesmo aviso serve para quem ousar tocar no direito das mulheres“.
Ver este símbolo por toda parte junto à bandeira arco-íris, dava um minuto de esperança. Vale ressaltar que, desde a volta do PiS ao poder, a comunidade LGBT também têm sofrido muito com o posicionamento persecutório do atual governo, tema aliás, para outro texto.
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Mesmo com vigílias e protestos, infelizmente, no dia 27 de janeiro de 2021 a decisão do Tribunal sobre a inconstitucionalidade do acesso ao aborto legal em casos “dano grave ou irreversível do feto ou uma doença incurável como risco de vida” foi publicada no Dzienniku Ustaw (equivalente ao Diário da Justiça, no Brasil).
Isso quer dizer que a partir desta data a lei – mais rígida agora – é considerada aplicável na Polônia, que continua sendo um dos maiores países europeus que ainda possui uma lei sobre a regulamentação do aborto mais restritivas da Europa.
Um retrocesso, pois não apenas viola as obrigações da Polônia (mais uma vez) ao abrigo da legislação internacional e da União Europeia, mas também aniquila a ampliação da discussão sobre os direitos sexuais, reprodutivos e aos cuidados de saúde das mulheres. Era com base nessa premissa que cerca de 90% dos abortos legais eram realizdos no país.
De acordo com o Ministério da Saúde Polonês, em 2019 foram realizados cerca 1100 abortos legais. O número de abortos não-legais é mais difícil de precisar. Estima-se que esse número possa ser muito maior, pois muitas mulheres vão a países vizinhos, como Alemanha ou Rep. Tcheca, para realizar o procedimento de forma segura.
Ainda há esperança, nie składamy parasolek
Espero que realmente um dia a Polônia (assim como a Argentina este ano) possa avançar no tocante aos direitos reprodutivos e saúde das mulheres. Que essa manifestação linda das mulheres polonesas não seja em vão: direitos conquistados não podem ser retirados, devem ser ampliados.
Anseio que, neste dia, muito além das flores que, aliás, gosto muito de receber, é que nós tenhamos direito à liberade, sempre. Liberdade de escolher o que queremos ser, profissionalmente ou não ou quais caminhos seguir. Que não sejamos apontadas ou julgadas – o tempo todo, ao longo da vida – por nossas escolhas.
Que tenhamos direito à segurança, pelo fim do feminicídio, da violência de gênero, da desiguldade salarial. Pelo fim de qualquer tipo de preconceito, por mais empatia para com as outras mulheres de diversas etnias, classes sociais; que tenham religiões – ou não – opiniões e ideias distintas.
Entender que há vários feminismos e respeitar isso, pois, afinal, todos convergem a um ponto, mas nós mulheres possuimos nossas idiossincrasias, história e realidades.
Por fim, termino este texto grata às mulheres que vieram antes e que abriram caminhos para nós e esperançosa por dias melhores, para um mundo melhor para as meninas – futuras mulheres – que virão.
Feliz dia da mulher, nie składamy parasolek!
Crédito de todas as fotos do texto: nossa colunista Gizelli Gliwic.