Uma reflexão sobre a aprendizagem de línguas: para perder o medo de falar “errado”.
Bem, como vocês sabem, sou colaboro com o BPM desde 2016, falando sobre a Polônia. Hoje colaboro mais com as edições dos textos, ou seja, eu vejo todos eles antes de serem publicados.
Este texto da Natália me chamou atenção por falar dos sotaques. Ao lê-lo, pensei: manter o sotaque não é necessariamente ruim. Então porque apagá-lo?
Fazer-se entender e ser entendido é uma das bases para que haja uma comunicação efetiva. Isso envolve muitas coisas, não apenas os signos sonoros, mas textuais, gráficos, visuais, gestuais e o contexto no geral.
Não vou me prolongar aqui em conceitos linguísticos, mas basicamente, quando começamos a entender e aplicar isso a nossa vida, de fato, começamos perder o medo de “falar errado”. É como se a partir disso, as travas começassem a desaparecer. E assim, as dificuldades para aprender um novo idioma.
A importância de aprender o idioma local quando emigramos
Isso não quer dizer que não devamos aprender “corretamente” e nos aprimorar em outro idioma. Temos que ter em mente que, quando vivemos em outro país, temos uma fonte inesgotável de internalização devido estarmos imersos 24h ao ambiente: meios de comunicação, ambiente de trabalho, círculos sociais, as ruas e o cotidiano em si…
O que ouvimos desde o primeiro dia em que chegamos ao país, comparado ao que já ouvimos até hoje, torna-se um refrão chiclete de um sucesso musical: já está internalizado; logo, podemos reproduzi-lo. Mas devemos persistir e continuar estudando sempre, se quisermos ampliar o vocabulário e começar a falar com desenvoltura e seguros de si.
Leia também o texto que escrevi em 2016 sobre O desafio de aprender polonês
Para mim, quando morarmos em um país estrangeiro, aprender o idioma local não é apenas uma questão de sobrevivência, mas de respeito ao local que nos acolhe. Os habitantes do país não são obrigados a conhecer nossa cultura, onde o Brasil está no mapa, e muito menos a falar nossa língua (ou a língua franca dos nossos tempos, o inglês).
Então aprender o idioma local, além da utilidade na vida prática, levará você a ampliar seus círculos sociais e a se integrar mais facilmente ao país para o qual você emigrou.
Português brasileiro, meu primeiro emprego na Polônia
Nunca havia pensado nesta distinção. Ok, na faculdade, aprendemos a origem do idioma, historicamente. Alguns linguistas, como Marcos Bagno, defendem mesmo a ideia de uma língua brasileira. Mas ao chegar na Polônia e começar a tabalhar na indústria de tecnologia e localização de idiomas (empresas que fornecem serviços de comunicação e tradução para outras empresas que necessitam promover seus produtos e se adequar a mercados específicos), vi que há duas coisas bem distintas: o PT-PT e o PT-BR.
Comecei a observar as nuances disso, e mesmo sendo a mesma língua, ao mesmo tempo, não era. Pois neste mercado é muito importante atender às demandas do público-alvo, no caso, o brasileiro. Por isso, era necessário nativos para este trabalho. Se fosse linguista então, melhor ainda.
Um dia me deparei com o seguinte dilema, ao fazer um teste de aúdio de PT-BR: qual é o sotaque padrão brasileiro “correto”? Não há. Eu pensei: temos tantas variantes regionais, que seria impossível escolher um padrão. Aí caiu minha ficha para algo muito importante quando aprendemos outro idioma: se eu tenho um sotaque híbrido na minha prórpia língua nativa (paulistano e recifense), porque deveria me cobrar enquanto aprendo outro idioma?
Bem, não estou falando aqui que não devamos aprender a fonética do idioma estudado, mas sim, devemos considerar suas variantes linguísticas regionias e geográficas, e entender que certos sons não aprendidos na infância, por exemplo, serão muitos difíceis ou praticamente impossíveis de reproduzir no idioma novo. E está tudo bem. Isso não comprometerá, de forma alguma, a compreensão do que dizemos ao seu interlocutor. Até porque não falamos palavras perdidas, soltas; mas nos expressamos sempre dentro de um contexto.
Afinal, perder ou não nosso sotaque quando aprendemos um idioma?
Devemos entender que o sotaque que carregamos contém nossa identidade, nossa história. Devemos ter orgulho disso, como a Stella bem pontuou aqui neste texto. Além disso, eu acho muito divertido “criar” novas línguas, misturando os idiomas que falo. É algo que, naturalmente, vai acontecendo, a medida que aprendemos outros idiomas. Obviamente que, quando preciso me comunicar, evito isso ao máximo, a transmissão da mensagem é o mais importante.
E devido a essa exposição multicultural, eu também aprendi a brincar com os sotaques. Não pensem que falo um inglês britânico ou americano, até porque, há diversas variantes na Inglaterra ou Estados Unidos. Sem contar as demais, como o inglês falado na Índia, Austrália, Canadá, Jamaica… logo, falo mesmo um inglês internacional, com sotaque brasileiro em algumas palavras, e está tudo certo, pois não moro e nunca morei em nenhum país de língua inglesa.
A mesma coisa para o espanhol, o francês, ou qualquer outro idioma. Essa é mais uma barreira que cai, quando entendemos isso. Devo me abalar se alguém falar que não está entendendo? Bem, se for de uma forma educada e sincera, não: apenas paro e repito novamente. Mas se for debochado ou irônico, deixo no vácuo mesmo e continuo a conversa (ou não, como diria Caetano). Mas devo confessar que, quando vou à Inglaterra, adoro puxar aquele acento mais “londrino, estuary”, só para me divertir. 🙂
Mesmo a Polônia tem seus sotaques e modos de falar
Como em qualquer país e regiões do mundo, a Polônia também possui uma variedade linguística regional. Aqui há outras línguas, como o cassúbio, falado na província da Pomerânia (Pomorskie, em polonês) e silesiano, falado na província da Silésia (Śląskie, em polonês).
Eu já consigo identificar (ainda que bem rudimentarmente) o acento góralski (Podhade, região sul da Polônia, ao pé das Montanhas Tatra. Aliás, o nome Podhale quer dizer, literalmente, sob as montanhas) que de alguém fora de Varsóvia, onde moro. Mas falar como eles, são outros 500. Mas esta é a magia de aprender e se aprofundar em outra língua: começar a perceber suas nuances a cada dia e adotá-las, aplicando-as no nosso quotidiano.
Outra dica importante: a entonação e o léxico usado. Não adianta querer falar polonês (meu caso como exemplo) usando estruturas do português, inglês ou qualquer outra língua. Não funciona muito bem e fica paraecendo algo “google translator”. Um exemplo básico: não usamos em português “por favor” ou tempos modais para demonstar polidez e cortesia, como no inglês. Assim como não funciona “espanholizar” ou “italianar” o português para se comunicar em espanhol ou italiano. Quer dizer, pode até funcionar, mas soa bem caricato.
No caso do polonês, percebi que a entonação é parte bem importante neste quesito: quanto mais enfática e direta, e não melodiosa, com “nhemnhemnhens”, mais autenticidade passa-se ao falar o idioma. Mas perceba que, a entonação não está ligada ao sotaque, são duas coisas distintas.
Conclusão que fica em aberto
Como disse no começo, a melhor maneira de aprender um idioma de forma eficaz é se permitir a errar, aprender e não se cobrar tanto. O processo de aprendizagem uma nova língua pode se tornar muito mais prazeroso quando passamos a entender isso. Veja quais métodos são melhores e funcionam mais com você. Adapte-os e crie suas próprias estratégias, seja persistente, mas não se cobre tanto.
Aproveite o momento (pandemia + tecnologias + tempo) e a situação (caso já more no país em questão) e mergulhe no idioma. Uma hora, em 10 meses ou 10 anos, quando você menos esperar, você perceberá que estará falando mais naturalmente a língua que tanto estuda.
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