Ambiente de trabalho na Suécia.
Quando se mora no exterior e principalmente há pouco tempo, cada conquista se torna motivo de júbilo e comemoração. Para mim não foi diferente. Em quatro anos de Suécia estou no meu terceiro emprego e este agora é fixo!
Mas mesmo com o júbilo e a súbita paz interior que vem ao término dos seis meses de experiência – nem tudo é cor de rosa. Você ainda tem inúmeras diferenças culturais e de personalidade para encarar com suas colegas de serviço. Faço uso do pronome feminino justamente pelo fato dele ser o meu público alvo neste contexto.
Aqui na Suécia é de praxe ter horário para tomar café, isso no dia a dia, e quanto mais em ambientes organizacionais. Numa empresa, se te chamam para tomar um Fika (leia mais sobre essa tradição sueca) e você recusa uma, duas vezes, não espere que te chamem das próximas vezes.
É muito comum, ainda mais em grandes organizações, as pessoas planejarem um grupo para almoçarem juntos. Se por exemplo você está numa sala com duas outras suecas e elas estão planejando almoçar uma determinada hora, elas acreditarão que você esteja sintonizada no papo delas e eventualmente às acompanhe, caso assim o queira. Dado a hora marcada para o almoço, elas simplesmente sairão para almoçar e se você não as acompanhar – bem, que arranje outro grupo para almoçar com você.
O engraçado é que quando elas voltam e te encontram na mesma posição (em frente ao computador, trabalhando normalmente) elas por si só comentam que caso você queira almoçar com elas, basta as acompanhar. Obviamente você tem o livre arbítrio de escolher quando e com quem você quer almoçar, mas pode soar estranho caso você não se pronuncie durante uma discussão paralela sobre um arranjo de almoço.
As suecas amam ser únicas. Se elas sabem de algo, qualquer coisa, farão de tudo para não compartilhar com você. Mas aí você é convidada para um almoço com um grupo externo e comenta sobre o evento amplamente na mesma sala em que suas colegas suecas estão – as quais não estiveram presentes neste almoço. Elas farão de tudo para demonstrarem total desinteresse no assunto, simplesmente para não se sentirem de fora.
Mas além das diferenças negativas há também as diferenças cômicas. O humor de Gotemburgo é famoso por ser caracterizado principalmente pelo sarcasmo e ironia.
Ao preparar um café da tarde para uma colaboradora que completava 50 anos, tive o infortúnio de indagar o porquê de meu chefe pedir para que comprasse fikabröd (pão doce). Justamente naquele momento eu não pude discernir que fikabröd se referia aos pães doces, roscas que geralmente se compram na padaria.
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Para mim, ele quis dizer puramente pães que se comem com presunto e queijo e que justamente para esta ocasião não achei que fosse tão apropriado pães salgados, mas sim doces. Até então eu não fazia tanto o uso dessa palavra no meu dia a dia. Aquela situação foi tão hilária para meu chefe que ele precisava tirar uma casquinha minha na frente de todos no dia do café. Há um termo em sueco que diz: Man får bjuda på sig själv ibland (Convide as pessoas a boas gargalhadas por sua conta).
O orgulho é tremendo entre as suecas que elas podem te ver feliz, entrar com uma melancia na sala, de roupa nova, cabelo feito, mas não irão comentar nada. Agora se entrar uma colega sueca dentro da sala na mesma vibe, com as unhas feitas aí elas começarão o papo irá rolar solto. Qual a diferença? Hmm, talvez porque você não compartilha dos mesmos gostos e interesses que elas? Ou porque você não quis almoçar com elas no dia anterior? Ou por não ter tomado fika juntas? O que quer que faça, elas simplesmente não irão se misturar tanto com uma estrangeira como fazem entre si.
Aqui também é uma competição tremenda para ver quem tem os melhores planos para o final de semana. Toda sexta-feira é sagrado: elas irão te perguntar o que você fará no final de semana, mesmo que não estejam tão interessadas, mas apenas para que você às pergunte o que ELAS farão no final de semana.
No começo, era de costume ouvir de minhas colegas o quão inteligente eu era por conseguir falar sueco, por minhas anotações serem sempre em sueco, por conseguir organizar um almoço, um evento ou surgir com uma solução bem bolada para algo que elas não haviam pensado antes. Isso tudo no começo, por estarem na fase de conhecimento de território. Até elas te verem como um perigo, uma ameaça, pois percebem que você com pouca idade, pouca experiência, estrangeira, consegue dominar tudo o que elas fazem e muitas vezes com mais excelência e precisão. Logo, a ferramenta que elas utilizam e que se torna mais eficaz é a de isolamento social: elas fecham seus grupos e não te incluem em praticamente nada.
O objetivo é te fazer sentir tão mal que você não aguenta a pressão e pede para sair, troca de emprego, justamente por não se sentir parte daquele ambiente. A pressão psicológica é algo extremamente sagaz e uma ferramenta fatal, ainda mais por muitos sofrerem de doenças psíquicas por aqui como a depressão, ansiedade de desempenho, sentimento de inferioridade, etc.
Muitos não percebem o mal que acabam fazendo contra outras pessoas ao seu redor. Sem contar que todo estrangeiro passa por uma pressão extrema em ter de comprovar melhor desempenho para garantir sua vaga. Afinal, qualquer sueco poderia estar fazendo o que você faz hoje.
Mas afinal – como lidar com tais diferenças? Resposta simples: Seja você mesmo. Pode parecer óbvio, mas depois de um tempo você passa a se perguntar se realmente vale a pena continuar com a sua “antiga personalidade” em meio a toda agressividade disfarçada e súbita das suecas.
Sigo o conselho da prima do meu marido que me disse logo no começo em que me mudei para cá: Aprenda o sueco, mas não aprenda a ser como eles. Palavras vindas de uma sueca. Controversas? Eu diria que foi a chave para minha sobrevivência. Sem essas palavras eu seria uma pessoa bem negativa, fácil de se influenciar pelos comentários alheios, nunca satisfeita, querendo sempre sair na vantagem, querendo me sobressair, mas sem chamar atenção demais, enfim, a lista seria longa de como eu faria de tudo para cair no abismo do egocentrismo, do individualismo.
Mais fácil dito do que feito. Fato. Porém os resultados no decorrer dos anos evidenciam que vale a pena manter a sua psique forte e não se deixar abalar pelas diferenças.
8 Comments
Pôxa. Nunca fui à Suécia e, muito provavelmente, nunca irei. Também não conheço nenhum(a) sueco(a) e, quase certo, que nunca conhecerei um(a). Li vários depoimentos sobre o país e suas pessoas, aqui mesmo nesse BPM (embora não seja brasileir”A” e viva só pelo mundo Brasil mesmo), e nenhum me pareceu mais realista e bem apresentado que o seu. Mas, se serve de consolo, no Brasil não é assim tão diferente, principalmente no meio profissional feminino (esposa e amigas que o digam), e, mais principalmente ainda, em tempos de crise como o atual. Sucesso sempre para você.
Obrigada Francisco pelo seu comentário! Acredito mesmo que no Brasil não seja tão diferente. Como você bem mencionou, trabalhar no meio profissional feminino é um desafio diário e não é nada fácil. Inúmeros fatores contribuem para a inimizade e a sensacão de que é preciso se sobressair a qualquer custo. Sucesso a você também!
Me parece que você está com algo entalado..
Sofreu preconceito ou algo ?
Abraços e boa sorte
Olá Paulo! Na verdade falei de forma bem aberta sobre verdades que antes não havia me pronunciado antes. Não sinto que tenha sofrido preconceito, mas sinto sim que recebo um tratamento diferenciado das demais no meu local de trabalho. Talvez pelo fato de ser nova, de ser estrangeira, ser de cor, não estar na limpeza mas sim cuidando da economia e contratos de negócios. Enfim, o diferente é sempre temido e deixado de lado por pura falta de informacão ou afinidade. Mas com o tempo você percebe que essa é a realidade do país, do mundo e da sociedade. Obrigada e tudo de bom pra você também!
Muito esclarecedor, Ana Laura… eu trabalho ha 12 anos e me vi em algumas situacoes iguais, mas acredito que varia um pouco de comportamento dependendo da região que vc está. Mas o mobning é o mesmo e me deu até frio na barriga!
O principal problema de Países Baixos e da Escandinávia é essa diferença entra o ideal que eles querem projetar (uma sociedade aberta, multicultural) e o que acontece no dia-a-dia (uma sociedade altamente homogênea onde um estrangeiro nunca vai ser considerado como um local). Na minha humilde opinião, países nível hard para se adaptar.
Olá Fernando, obrigada pelo seu comentário! Você simplesmente resumiu exatamente a realidade por aqui. Sucesso e tudo de bom!
Nossa pura verdade , tirou todas as palavras de minha boca querida , mora na Suecia a quase 7 anos e tudo que voce escreveu é assim mesmo , parabens !