No meu primeiro ano de doutorado, meu pai veio me visitar em Portland. Ele sempre me incentivou muito a estudar. Quando vim para os EUA pela primeira vez, ele organizou uma viagem para a família toda vir junto. Isso ajudou no meu processo de adaptação. Ele já tinha visitado o país algumas vezes, em viagens de trabalho, e sempre gostou muito daqui. Mas ele nunca tinha ido em Portland.
Quando meu pai chegou, eu estava em um momento meio caótico. A pessoa com quem eu dividia o apartamento anterior pediu para eu sair. Minha maior preocupação era encontrar um novo lugar onde pudesse receber meu pai por três semanas. Felizmente, consegui achar uma casa com amigos da faculdade. Meus novos colegas de casa concordaram em receber meu pai. Eles também ficaram felizes e impressionados em saber que meu pai ficaria comigo por tanto tempo.
No aeroporto, foi emocionante encontrá-lo depois de três meses sem vê-lo. Já tinha passado mais tempo longe dele, mas temos uma boa conexão e conversamos bastante. Apesar da ausência física, nossos pensamentos estavam alinhados, pois sempre mantenho contato com a família e amigos. Mesmo passando um longo tempo longe de familiares e velhos amigos, ainda existe uma ligação se a relação é verdadeira. Quantas vezes eu reencontrei amigos que não via há anos e a conversa fluiu como se sempre estivéssemos juntos.
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Saímos do aeroporto com um carro utilitário, devido uma troca gratuita que a concessionária fez, pois não tinha o sedan que ele havia reservado. Foi uma bênção! Eu tinha que comprar as estantes e cômodas para guardar minhas coisas. Usamos esse carro maior para transportar os móveis. Já mencionei em outro texto sobre a dependência que o americano tem de dirigir. Por exemplo, na minha mudança, o meu amigo veio dirigindo o caminhão. Aqui todo mundo faz isso.
Levei meu pai no Goodwill, uma rede de brechós onde se encontra tudo por um preço muito acessível. Meu pai ficou assustado que eu comprei três móveis de madeira maciça em bom estado por $30 ($10 cada um). Além de me ajudar com a arrumação do quarto, ele também ajeitou os outros móveis da casa, costurou uma parte do sofá, e pendurou os quadros na sala. Logo, meu colegas de casa já gostavam mais dele do que de mim.
Portland não tem um inverno tão severo como outros lugares nos EUA, mas a chuva é constante. Em um dia de sol, resolvi levá-lo ao zoológico. Porém, no final do passeio começou a chover. Na saída do zoológico, vimos algumas crianças andando na chuva sem se importar e se divertindo normalmente como crianças. Meu pai achou engraçado que elas nem ligavam para a chuva. Eu também fico um pouco impressionada com isso. Trabalhei em uma escola, e várias crianças reclamavam do calor no verão, preferindo a temporada de chuvas.
Enquanto meu pai estava aqui, ouviu-se um boato que poderia ser possível ver a aurora boreal de um mirante local. Perturbei meu pai para irmos na Vista House, mas o passeio acabou se tornando um pesadelo. O caminho para o observatório tinha apenas um entrada e uma saída e não era possível retornar de onde estávamos. Na pista para o mirante, tinha um carro atravessado na pista, pois o motorista tinha derrapado no gelo. Aqui chamam esse gelo de black ice (gelo negro), pois ele se confunde com asfalto e causa acidentes no inverno. Vários amigos já bateram, capotaram e se envolveram em outros acidentes devido a gelo na pista. É necessário usar correntes nos pneus para dirigir nessas condições. Graças a Deus, a um bom carro, e pelo bom motorista que meu pai é, não sofremos nenhum acidente. Só ficamos bem assustados.
Como se não fosse o bastante, tivemos outra aventura na neve, no dia que marcamos um passeio para conhecer a famosa cachoeira Multnomah Falls. A parte boa é que vimos a cachoeira congelada, evento que acontece raramente. A parte ruim foi que no caminho da volta o taxista largou a gente há mais de dez blocos de casa, pois estava sem corrente nos pneus. Tivemos que andar no gelo, morrendo de medo de cair. Mais uma vez fomos abençoados e sobrevivemos para contar essa história.
Uma das coisas que mais gostei, foi apresentar meu pai para meus amigos. Ele também ficou feliz em saber que tive uma adaptação rápida e positiva. No Natal, todos os meus colegas de casa tinham viajado para passar o fim de ano com suas famílias. Meu pai resolver fazer uma ceia e convidou meus amigos brasileiros da faculdade, que estavam aqui sem família. Foi um Natal bem animado, com pudim de leite, empadão, e outros quitutes brasileiros e africanos. Uma das convidadas era de Eritreia. Na semana seguinte, uma amiga da faculdade nos convidou para um jantar na casa dela. Ela gostou tanto do meu pai, que depois ainda pagou um almoço para nós na Fogo de Chão, com um prêmio que ela ganhou em uma competição de esqui.
Meu pai no Natal com a garotada (Acervo pessoal)
Levei meu pai no ensaio do Bloco Alegria, uma escola de samba de Portland. Lá fizemos novos amigos, que nos convidaram para assistir a apresentação do bloco em uma festa de Ano Novo. Meu pai também assistiu uma palestra na minha faculdade. E quem chamou nem fui eu, foi o meu amigo que morava e estudava comigo. Depois de cozinharem juntos, trocarem de receitas de feijoada e pratos sulistas (do Sul dos EUA), jogarem cartas, e trocarem experiências de vida, eles se tornaram amigos. Lembro que nesse dia eu disse pro meu pai me esperar enquanto eu assistia a palestra. Quando já estava na sala, meu amigo entrou com meu pai e disse: “ – Por que você não falou pra ele entrar? Ele tem que assistir a palestra com a gente!”.
Essa atitude encheu meu coração de alegria. E a do meu pai também. Ele disse que o que mais marcou na viagem foi a capacidade de ficar no meio de jovens e ser totalmente aceito. Uma das suas maiores preocupações era em saber se eu estava bem longe de casa. Eu moro em uma casa com outras pessoas, onde cada um tem seu espaço, se respeita e planeja a organização da casa. Nos auto definimos como uma casa comunitária. Assim que me mudei, não tinha cama. Na noite da mudança, um dos meninos tinha dois colchões e me deu um. Ele também disse que podia dormir em seu quarto, no período que meu pai veio me visitar, pois ele passaria a maior parte do tempo com a sua família em outro estado.
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Meu pai se encantou com a hospitalidade e o espírito coletivo que temos na casa. Sinto que ele também agregou valor ao meu lar. Primeiro, meus amigos acharam um pouco estranho a relação de amizade e companheirismo que tenho com meu pai. Mas esse sentimento foi tomado por uma admiração e até como um modelo. Depois da visita do meu pai, meus colegas de casa passaram a receber seus familiares na casa também. Meu pai voltou mais confiante com seu inglês, possibilitando novas oportunidades no trabalho. Acho que essa experiência mostrou como é possível ter um troca de energias e informações entre pessoas de culturas, idades, e pensamentos diferentes.
2 Comments
Tudo muito bonito. É isso aí, prima, aproveita a vida. Você merece.
Obrigada!!! Todas nós ❤❤❤