Em um dos meus primeiros textos sobre Portand, eu comentei sobre a Pedalada Pelada (World Naked Bike Ride) em Portland. Há dois anos, eu tive a oportunidade de tocar com o grupo Maracatu PDX na abertura da pedalada. Esse ano eu participei do protesto e vou contar como foi a experiência de pedalar nua em Portland.
Uma das coisas que mais curto por aqui é a liberdade de expressão que Portland oferece. Se você quiser sair na rua de pijama pra comprar café ou pra ir numa livraria ninguém vai te olhar torto. Se você quiser pintar o cabelo de roxo, fazer um moicano, e fechar o braço com tatuagens, vai conseguir arrumar um emprego. Se você quiser se relacionar com três pessoas ao mesmo tempo em um relacionamento aberto, as pessoas vão achar normal. É claro que existem pessoas conservadoras em Portland, mas a presença delas, em geral, não atrapalha a liberdade dos que optam por um estilo de vida mais livre. Há espaços para todos.
O espírito de liberdade de Portland me conquistou e acabei decidindo participar da Pedalada Pelada em Portland. Este evento ocorre em outras cidades do mundo, inclusive em São Paulo. Mas o evento em Portland é o maior do mundo, onde reúne a maior concentração de pessoas. Estima-se cerca de dez mil pessoas pedalando peladas pelas ruas da cidade. Em Portland, a Pedalada Pelada faz parte de um festival de bicicletas chamado Pedalpalooza, que ocorre anualmente durante todo o mês de junho.
A Pedalada Pelada não é apenas um rolê de bike onde as pessoas vão em grupo e sem roupas. Esse evento é um protesto. No trânsito, os ciclistas não tem muita visibilidade. Poucas cidades investem em ciclovias seguras. Muitos motoristas não dão preferência para bicicletas no trânsito. Nos EUA, há uma extrema dependência em carros e combustíveis fósseis. Ao pedalar sem roupas, os ciclistas chamam atenção e as pessoas param para ver, tirar foto, apertar a mão. Toda essa atenção deveria ser transmitida ao fato de que precisamos de transportes alternativos que tenham uma pegada de carbono menor e mais segurança no trânsito.
Até o dia do evento, eu ainda estava em dúvidas se o faria. Minha ideia era ir até o parque, tirar a roupa e ter uma experiência de positividade corporal. No momento, eu estava sem bicicleta, pois a minha tinha sido roubada há uns meses atrás. Mas minha amiga que foi comigo me emprestou uma bicicleta. Fomos pedalando para o parque e no caminho começamos a ver as pessoas nuas. O pensamento mútuo era: em breve nós estaremos peladas também.
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A pior parte é na hora de tirar a roupa. Principalmente porque algumas pessoas vão na concentração só pra olhar e tirar foto. Por esse motivo, muitas pessoas usam máscaras, óculos escuros, bandanas, e fantasias.Assim que tomei coragem de não usar nada além da pintura corporal, uma cauda, bandana, e óculos escuros, parece que o mundo parou. É libertador! Acho que foi uma das melhores experiências da minha vida.
Primeiro, porque há um rompimento entre a relação da nudez com a sexualidade. Durante o evento não vi ninguém se agarrando, nenhum homem excitado, nenhuma abordagem sexual, nem brincadeiras sacanas. Segundo, porque é um respeito pelo corpo da forma que ele está. Pessoas gordas, magras, saradas, de todas as formas e tamanhos passam a coexistir nus em um espaço seguro e onde reina o respeito. Ninguém fica encarando ou observando muito o corpo do outro. Depois de ficar pelada por um tempo, e ver vários corpos/pessoas agindo naturalmente como se estivessem de roupa, a nudez torna-se uma coisa banal.
Quando eu cheguei na concentração, incialmente estava incomodada com as pessoas que estavam de roupa e só espiando. Com o passar do tempo, eu comecei a achar que aquelas pessoas estavam destoando do evento, e ao invés de me sentir julgadas por elas, eu passei a me sentir mais livre do que elas, pois havia rompido com a barreira de aceitar e obedecer as expectativas da sociedade. Mesmo que por apenas algumas horas daquele dia.
Outra coisa que me chamou atenção nesta experência foi que após me acostumar com a nudez, ocorreu uma preocupação com a logística da pedalada. Por exemplo, a única informação que temos é onde a concentração do evento começa. Os organizadores do evento vão liberando as pessoas aos poucos e vamos apenas seguindo o fluxo. Eu nem planejava em fazer a pedalada toda, mas acabei indo até o final, cruzando uma das pontes da cidade e terminando em um parque na beira-mar do Rio Willamette.
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Durante a pedalada, há pessoas não só de bicicletas, mas também de patinete, skate, e patins. Meu maior medo era de cair, ou de ficar no caminho de algum skatista e a pessoa se machucar. Mas não vi nenhum acidente. O que me levou a conclusão que no trânsito a maioria dos problemas é gerada pelos veículos motorizados.
Sem dúvida, a Pedalada Pelada foi a maior festa do dia na cidade. Ao recorrer do evento, recebi alguns panfletos sobre algumas celebrações pós-corrida (after parties) em bares e baladas, embora a maioria dos estabalecimentos exigisse que as pessoas usassem (pelo menos) roupas íntimas nas festas. Há também um grupo que organiza uma festa na floresta após a corrida, onde a galera fica muito doida.
Mas como a cada ano que passa eu fico mais careta, coloquei minha roupa, voltei pedalando com minha amiga, parei num barzinho pra comer, e fui pra casa. No caminho de volta, haviam outras pessoas pedalando no mesmo sentido também, algumas ainda peladas, outras já de roupas. Durante o retorno, fiz uma reflexão da importância de eventos como este para a existência de uma sociedade mais sustentável, justa, e menos hipócrita. Fiquei feliz por ter a oportunidade de morar em Portland e poder experimentar a combinação de liberdade, segurança, e respeito.
2 Comments
Seu texto é lindo, traz uma reflexão sobre como devemos procurar viver. Ele me remete a diversas situações da vida em sociedade.
Sou privilegiada por ser uma das pessoas que podem estar com você!
Parabéns pela sua liberdade!
Muita Luz Divina para você!!! ????????????????????????????????????????????????????????????????????????
❤❤❤ Obrigada!