Esse post é resultado de uma feliz coincidência, um pouco de curiosidade e de um total fascínio por essa história que vou contar aqui. Para tanto quero situar vocês com alguns fatos sobre a música em El Salvador.
A música por si só já gera um fascínio em quem a escuta, seja pela natureza das emoções que desperta, pelas lembranças às quais remete ou pelo ritmo que, instintivamente, tira do nosso corpo. E conhecer uma nova cultura inclui um mergulho na sua música, mesmo que de forma superficial porque, onde quer que nós estejamos, a música faz parte do dia a dia: em uma festa, em um restaurante, até mesmo na recepção do consultório médico! Vamos mergulhar um pouco na música Salvadorenha?
A música Salvadorenha é formada basicamente pela mistura das tradições musicais que compuseram seu povo: civilizações pré espanholas como os Mayas/pipiles, os Lencas, os Chortis, Pokomames, Cacaoperas e etc., os colonizadores espanhóis e as tradições dos escravos africanos. Pouco se sabe sobre a música tradicional desses povos antes do contato com os europeus.
As bandas e orquestras de El Salvador refletem essa mistura, pois mesclam instrumentos espanhóis como guitarra, tambor, harpa, violino, acordeón e piano com os instrumentos de origem africana: marimba, caramba, clave e maracas.
Com a dominação espanhola concluída, se formaram duas grandes vertentes dentro da música salvadorenha: a música militar e a religiosa. Ambas se desenvolveram e influenciaram o gosto dos salvadorenhos por muitos anos.
No país, em especial no período pós guerra civil, a influência americana sempre foi muito forte e segue até hoje, o que não poderia deixar de ser notório na música também. Atualmente, o ritmo musical adorado pelos salvadorenhos é a cumbia.
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É importante destacar que nos anos 70 era comum os estudantes migrarem para o Brasil para estudar. Havia um programa de intercâmbio promovido pela própria Embaixada Brasileira na época. E o que aconteceu é que os estudantes iam estudar no Brasil e regressavam a El Salvador com suas esposas brasileiras. A atual conformação dos brasileiros que vivem em El Salvador inclui brasileiras que vieram para o país nessa época e vivem aqui há mais de 30 anos, além das esposas de militares e cônjuges de trabalhadores das empresas e dos organismos internacionais existentes no país, bem como estudantes, entre outros.
Mas, a cereja do bolo foi um movimento bem interessante que aconteceu nessa época, dos anos 70 até os anos 2000. Quando do Coral da Universidade de El Salvador, formado por estudantes de diversas carreiras, surgiu um grupo que chamava a atenção porque tocava algo muito diferente, uma música mais complexa musicalmente, pois todos além de bons cantores eram instrumentistas.
Essa música misturava a música dançante e romântica da época com os sons brasileiros da Bossa Nova! Essa mistura criou um som diferente, lindo e requintado que chamou a atenção da elite da época fazendo com que vários profissionais recém formados, ao invés de começarem a trabalhar em suas profissões, passassem a viver da música Brasil Salvadorenha, fato esse que durou quase 30 anos.
A data oficial do nascimento do grupo é 07/09/1979 quando, impulsionado pelo Embaixador do Brasil na época (Dom Mario Dias Costa), foi convidado a apresentar-se numa comemoração da Televisão Salvadorenha homenageando o Brasil pela Festa da Independência. Quando foram anunciá-los ficou a dúvida sobre como seriam chamados e então, sob a pressão do momento, surgiu o nome Grupo Bossa, pois sua grande influência era a Bossa Nova brasileira.
O grupo começou com 7 integrantes e foi tendo incorporações e saídas importantes, como a do maestro Paquito que comandou a banda por 12 anos.
Me comentou emocionado Dom José Antonio Bonilla Guzmán que o grupo conseguia as músicas e instrumentos originais brasileiros com os guarda-costas que apoiavam a Embaixada do Brasil nessa época e que receberam orgulhosos a primeira cuíca das mãos do próprio Embaixador do Brasil na época, Dom Mario.
Os guarda-costas também os ajudavam a aprender como tocar os instrumentos que eram desconhecidos no país nessa época.
A partir daí tocaram muitos anos em uma casa vizinha à atual embaixada do Brasil chamada Café Concerto, sempre com lotação esgotada. Constantemente eram referidos para as grandes recepções no país e eventos elegantíssimos em hotéis de luxo. Nos tempos áureos foi incorporado às apresentações um grupo de 6 dançarinos, incluindo 3 mulatas. Promovendo e elevando nossa cultura junto com eles.
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Buscaram aprimorar-se fazendo aulas de português para cantarem as músicas em seu idioma original e não “La chica de Ipanema”. Cantaram Garota de Ipanema e Mamãe eu quero! num tempo em que Sérgio Mendes passou por aqui sem conseguir grande repercussão.
Me emocionei também em saber de tudo isso de uma forma tão inusitada e casual e quis aqui render essa homenagem a esses geniais músicos do Grupo Bossa que, além de fazer algo inusitado para a época, sem querer trouxeram para El Salvador um pouquinho desse Brasil que tanto amamos.
Ratificando para vocês que o nosso Brasil, com toda a sua alegria e através de sua música, cultura e tradições marca presença em boa parte do mundo, até mesmo onde Deus duvida.