Por incontáveis razões mudar de país é muito diferente de fazer turismo algumas semanas durante as férias. Isso teoricamente a gente já sabe. Teoricamente. Na prática é uma experiência incrível poder vivenciar outras formas de lidar com assuntos triviais. No começo a gente se perde nas prateleiras do supermercado porque não consegue encontrar uma simples cartela de ovos (aqui no Canadá eles são refrigerados, então não ficam junto com as frutas e legumes como estamos acostumados no Brasil) e se esquece que precisa fazer uma odisseia até uma loja especializada para comprar uma garrafa de vinho branco para cozinhar um risoto (já que não se vende bebida alcoólica no supermercado), mas com o passar do tempo tudo fica natural e encaixado na rotina.
Eu costumo falar que viver aqui é mais leve, ter que construir as referências e uma nova rotina não é nada simples, mas o dia-a-dia é mais fluido. É mais fácil resolver os problemas cotidianos de uma forma geral e um dos assuntos que mais me marcaram nesses últimos meses é a facilidade com que a gente troca e devolve mercadorias. Devolve porque comprou errado, porque estragou ou simplesmente porque não quer mais o produto. Comprou uma blusinha e quando chegou em casa experimentou de novo e não curtiu mais? Volta na loja e devolve. Comprou um batom e quando saiu da loja bateu o peso na consciência porque tem uma dúzia de cores parecidas em casa? Volta na loja e devolve. E na maioria das vezes no questions asked. Simples assim.
Por lei, na província de Ontário, as lojas não são obrigadas a oferecer devolução ou troca de produtos, como você pode ler aqui, mas na prática você consegue devolver produtos até em supermercados. Eu passei por duas situações relacionadas a troca e devolução de produtos nesses últimos meses e a última foi tão marcante que decidi até escrever esse artigo por causa dela.
A primeira foi a troca de uma cama. Serviço aqui é artigo de luxo e muitas vezes contratar alguém para montar um móvel custa o mesmo tanto que você pagou por ele, então é comum você entrar na loja, comprar, levar embora desmontado no carro e montar você mesmo em casa. Deve ter quem goste de fazer isso, mas eu com certeza não sou uma dessas pessoas e a verdade é que a caixa com as peças da cama ficou encostada por mais de 3 meses até que a disposição para montá-la e deixar de dormir em um colchão no chão viesse. No caso um colchão Queen. No mesmo caso uma cama Double. Senti um misto de raiva, peso na consciência por ter demorado tanto e tristeza em pensar que 200 dólares poderiam ter ido ralo abaixo.
Minha primeira ação foi olhar o site da loja na esperança que eles tivessem uma política de devolução e troca por um período “infinito” porque só isso faria com que eu conseguisse trocar um móvel mais de 3 meses depois. Claro que eles não tinham, o período de troca era 45 dias, o que era um tempo até bem generoso. Dois minutos de tristeza e, como a esperança é a última que morre, escrevi um email para o Atendimento ao Consumidor. No dia seguinte veio a resposta: “Se dirija a qualquer loja da rede com a nota fiscal e procure o setor de trocas para devolver ou trocar a mercadoria”. Simples assim. Eles foram além da própria política interna de trocas. Comparações com situações semelhantes no Brasil foram inevitáveis. Eu amo meu Brasil, mas em terras tupiniquins, eu jamais teria conseguido trocar um produto depois de tanto tempo. Provavelmente nem depois de pouco tempo. Talvez nem que o produto estivesse com defeito ou quebrado.
Semana passada foi a válvula de um creme de rosto de uma dessas marcas mais chiques que parou de funcionar depois de algumas semanas de uso. Iria escrever um email para o fabricante pois sei que muitas vezes eles pedem para você enviar o produto defeituoso para análise e eles te enviam um produto novo. Já vi várias amigas fazendo isso no Brasil e sei que frequentemente funciona. Como a farmácia que comprei era no mesmo prédio em que faço trabalho voluntário de repente me ocorreu tentar primeiro lá. O problema é que eu não tinha mais a nota e nem a caixa do produto, mas tudo bem, não custava nada tentar. Fui meio cética e até um pouco envergonhada de levar um produto sem nenhum comprovante de compra. Resultado: a atendente viu que a válvula estava estragada e trocou o produto por um novo sem que eu precisasse apresentar nem mesmo a nota fiscal para comprovar que havia comprado o produto ali. No questions asked. Voltei pra casa boquiaberta pensando que nem só de trocas vive o homem, mas que é uma mão na roda não precisar se preocupar com esse tipo de situação e ainda economizar dinheiro, ah isso é.
Esses casos me fizeram lembrar de dois dos sentimentos mais recorrentes que tenho morando aqui. O primeiro é o de não ter gente tentando nos enganar o tempo todo. O segundo é que as pessoas partem do pressuposto que você está sendo honesto, não só em trocas e devoluções, mas nas mais diversas situações cotidianas. Isso faz com que o dia-a-dia seja mais fácil, menos paranóico e mais leve. E andar leve faz bem, ah como faz!