O dia 1º de março de 2017 entrou para a história da sociedade finlandesa e será, certamente, lembrado para sempre pela comunidade LGBT do país e seus simpatizantes como mais um símbolo de vitória. Um dia histórico tanto para celebrar o que já se conquistou até aqui quanto para dar mais força aos movimentos por seus direitos, pois ainda há mais a se reivindicar e conquistar. Nesse dia, casais homoafetivos adquiriram o direito legal de se casar e adotar crianças na Finlândia.
Apesar de ser o último país nórdico a oficializar o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo – a Noruega foi o primeiro em 2009, seguido pela Suécia no mesmo ano, depois veio a Islândia em 2010 e a Dinamarca em 2012 – a Finlândia tem seu mérito nesse quesito, principalmente se considerarmos o quão rápida vem sendo a evolução e a transição dessa sociedade. Aliás, rápida não, rapidíssima!
Fazendo uma retrospectiva muito breve, pense que este país, dono de um dos melhores sistemas de educação pública do mundo, só começou a realmente investir nisso nos anos 70. Que até esta mesma década, a terra da Nokia ainda se encontrava atrás dos Europeus em níveis de industrialização e, principalmente que, voltando ao assunto tópico desse texto, até 1971 homossexualismo na Finlândia era crime com pena de 2 anos de cadeia. É muito legal poder constatar que em menos de 50 anos um país que existe como nação há pouco menos de 100 anos (o centenário da Independência finlandesa será celebrado em 6 de dezembro de 2017) conquistou tantas coisas no cerne dos direitos dos cidadãos.
Isso mostra o quão relativo o tempo é e que sim, educação de qualidade voltada para a formação do pensamento crítico, gera atitude positiva e consciência.
Claro que há preconceito na Finlândia da mesma forma que em todos os lugares no mundo, ainda temos muito o que melhorar, mas percebo que uma parcela significativa da população sabe disso e vejo esforços constantes de busca por mudanças e pela construção de uma sociedade mais justa. Nos últimos anos tenho reparado que a população está cada fez mais ativa e reativa, tanto no campo do conservadorismo quanto no que reage contra ele (mobilizando um número bem maior de pessoas, graças!) e contra movimentos que pregam intolerância e preconceito (que infelizmente existem).
Essa vitória nos direitos dos LGBTs é uma prova disso, pois ganhou força após a iniciativa popular de um abaixo assinado que contou com cerca de 166 mil assinaturas (100 mil só no primeiro dia).
Pesquisas organizadas em 2014 e 2015 mostraram que cerca de 66% dos finlandeses são favoráveis à legalização do casamento entre casais homoafetivos e mais de 50% concordam que esses casais devem ter o direito a adotar crianças.
A lei que aprova o casamento entre pessoas do mesmo sexo com direito à adoção de crianças foi aprovada pelo Parlamento finlandês em 28 de novembro de 2014, tendo 105 votos favoráveis contra 92 contrários. No entanto, só em 2017 entrou em vigor.
A posição da igreja
O Estado finlandês é laico, mas a igreja luterana representa a maioria das opções de credo da população finlandesa e exerce alguma influência na sociedade. Com relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, já era de se esperar que o Arcebispo da Igreja declararia que a instituição não aceitará realizar cerimônias de casamento nesses moldes e não permitirá nem mesmo que sejam realizadas bençãos a estes casais nas igrejas.
Alguns pastores, no entanto, declararam ser favoráveis à realização dos casamentos na igreja e isso gerou bastante polêmica entre membros da instituição.
O que a igreja permitirá aos pastores que desejarem realizar bençãos aos casais, é que estas sejam realizadas em outras localidades, fora das igrejas. Você pode ler mais sobre isso em inglês aqui.
Nas escolas
Não saberia dizer exatamente há quanto tempo, mas me lembro de conversar com uma amiga quem tem dois filhos em escola finlandesa há uns 3 anos e ela me contou, já naquela época, que desde a creche as crianças aprendem que há diversos tipo de família e que estas podem ser formadas por um pai e uma mãe, por dois pais ou por duas mães. Tenta-se fazer com que desde cedo elas tenham um olhar natural e sem tabus, sem a necessidade de estranhamentos a algo que faz parte da sociedade.
No entanto, como falei no início do texto, há preconceito, ainda há muito a se conquistar, mas vejo uma sociedade se esforçando para mudanças positivas.
Para saber mais sobre os direitos LGBT na Finlândia e obter informações diversas sobre o assunto, acesse o site da SETA, que é a organização finlandesa em defesa dos direitos humanos que defende os direitos LGBT.
Veja aqui alguns dos principais marcos na evolução dos direitos LGBT na Finlândia. Para ler essa lista completa, clique aqui.
1889 Homosexualismo é considerado crime previsto no Código Penal. Punição: até dois anos de cárcere privado.
1971 Homosexualismo é finlamente descriminalizado. Continua a ser crime, no entanto, a sua “promoção”.
1981 Homosexualismo é removido da classificação nacional de doenças.
1995 A discriminação pela orientação sexual do outro é proibida no país.
1999 O Código Penal é revisado e a idade de consetimento tanto para relações sexuais hetero quanto homo passa a ser 16 anos de idade. A partir deste ano a lei que proíbe a “promoção” do homosexualismo finalmente é derrubada.
2001 Passa a ser permitido que casais homoafetivos registrem união estável. Os direitos adquiridos pela união estável são parecidos com os de um casamento com duas exceções: não poder adquirir o mesmo sobrenome e nem adotar crianças.
2002 Entra em vigor a lei que reconhece o gênero em transexuais.
2004 O “Ato contra a Discriminação” é aprovado, proibindo a discriminação e ofensas relacionadas à faixa etária, origem étnica ou nacional, cidadania, idioma, religião, credo, opinião, saúde, deficiência, orientação sexual ou qualquer outro motivo relacionado à pessoa.
2005 O “Novo Ato Contra Discriminação” entra em vigor. O ato aplica-se também contra a discriminação sofrida por pessoas que foram ou serão submetidas à cirurgia de mudança de gênero.
2006 A lei do direito a tratamento de fertilização na rede pública é aprovada pelo parlamento. Ela inclui mulheres solteiras e homosexuais. Gestação por substituição (“barriga de aluguel”) passa a ser ilegal para todos.
2009 Adoção interna para casais do mesmo sexo torna-se possível.
2011 O transvestismo como diagnóstico é removido da versão finlandesa da CID-10. A orientação sexual é adicionada à lista de preconceitos a serem combatidos no Código Penal.
2014 A Lei da Igualdade no Matrimônio é a primeira iniciativa de cidadania aprovada pelo Parlamento finlandês. A reforma faz necessária a realização de mudanças abrangentes em outras legislações, por isso demorou tanto tempo para a lei entrar em vigor.
2015 A nova Lei da Igualdade e a Lei de Não-Discriminação entram em vigor. A Lei da Igualdade proíbe também a discriminação baseada na identidade de gênero e na expressão de gênero. O Ombudsman pelas minorias transformou-se no Ombudsman de não-discriminação, e trabalha contra todas as formas de discriminação.
2017 Em 1º de março a lei que permite o casamento entre casais do mesmo sexo entra em vigor junto com o direito de adotar crianças nas mesmas condições em que casais heterosexuais.
2 Comments
Bom dia Maila!
Que belo texto, informativo e bem redigido, não sei como ainda não tinha encontrado sua página aqui no BPM!
É muito bom saber que uma sociedade conseguiu evoluir tão rápido apesar de todos os desafios, como queria eu que aqui no Brasil evoluísse da mesma forma.
Sou estudante de Relações Internacionais e sou apaixonado pela cultura nórdica!
Ah! Uma dúvida, é diplomata? formada pelo IRB?
Abraços.
Olá Adriano,
Primeiramente, muito obrigada por suas palavras sobre meu texto e minha escrita.
Respondendo à pergunta, não sou diplomata, apenas me formei em RI. Sou funcionária local da Embaixada do Brasil em Helsinque. Espero que goste de meus outros textos também!
Um abraço