Dia do orgulho no Panamá.
No dia 26 de junho de 2021 aconteceu a “Marcha Del Orgullo en la Ciudad de Panamá” e a cidade se vestiu com as cores da bandeira LGBTQI +. Um exagero da minha parte dizer isso, mas o sentimento transborda quando se trata de respeito e do direito dessas pessoas existirem, e uma vontade imensa de sentir que já não é necessário gritar por isso. Mas não é bem assim, infelizmente.
Houveram três pontos de reunião para marcharem em três pontos distintos, eu os acompanhei desde a Avenida Balboa, uma das importantes vias que se cercam a orla. Eu estava conectada ao Instagram Foco Panamá, que estavam apoiando a marcha e informando sobre a localização. Enquanto me arrumava para sair, deixei aberta a live deste Instagram. Estava ali, penteando o cabelo, colocando a roupa e olhando a movimentação e os comentários me chamaram atenção. Eram assim: “vocês vão queimar no fogo do inferno”, “pecadores”, “só tem aberração”, “esses pais que estão com criança aí deviam perder a guarda dos filhos”. Claro que a maioria era muito carinhosa, mas os ruins foram os que me chamaram a atenção.
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A sociedade panamenha, como a grande maioria dos países latinos, é conservadora. Mas aqui houve a despenalização da homosexualidade em 2008, que era um delito datado desde 1949, e hoje é possível a mudança de nome se a pessoa demonstrar que usa no cotidiano outro nome, porém a luta pela aceitação do casamento igualitário segue. Por isso eles seguem pela marcha pedindo respeito e direitos que ainda são negados, infelizmente.
À frente da marcha notei um homem lindo com asas enormes nas costas, era o abre alas. Como um anjo que, segundo a tradição judaico-cristã, são ajudantes e mensageiros para ajudar a humanidade em seu processo de aproximação de Deus. Achei tão simbólico isso depois de ter lido comentários tão grotescos, renegando o espaço deles junto a Deus e mandando-os ao inferno.
Fiquei com essa simbologia na cabeça enquanto tirava as fotos do abre alas, de cima da ponte. Me debrucei sobre o parapeito e tentava pegar os melhores ângulos e identificar pessoas dentro da manifestação para depois perguntar sobre suas histórias. Eu, ali, toda compenetrada, senti uma mão em meu ombro, e uma senhora toda sorridente acompanhada do seu esposo, me perguntando se eu estava bem e que Deus me amava. Não entendi nada. Pensei que poderiam achar que eu era da comunidade também e queriam me catequizar, não aconteceu, então ela simplesmente foi embora. Minha conclusão, foi que poderiam ter pensado que eu queria me atirar da ponte, afinal, eu estava sozinha e debruçada sobre o parapeito.
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Quando espiava a marcha passando embaixo de mim notei um grupo indígena, que me chamou atenção. Aqui existe uma grande comunidade indígena, que controla várias ilhas e busca sua subsistência através do turismo e vendas de seus artesanatos. Esse grupo pertencia aos Gunas Yala. Eles contaram uma história sobre três irmãos gunas. Nessa lenda haviam o Ibeorgun, o outro Giggariryai e o terceiro Wigundun. Eles chegaram para povoar o mundo. O iberorgun era o caçador e agricultor, o Giggariryai executava as tarefas domésticas e o Wigudun era o faz tudo.
Para os gunas, predomina o matriarcado, e eles acreditam na ambivalência da orientação sexual, para eles é um ser com uma alma de dois espíritos, que é representada pela figura de Wigudun. Este de dia ia caçar, semear, pescar e mais de tardezinha se sentia mulher e realizava com maestria as atividades do lar.
Por causa dessa história esse grupinho descendentes de Gunas estavam lá buscando o seu espaço de direitos dentro da sociedade panamenha, porque eles são aceitos como são dentro de sua aldeia, e por isso, fundaram um coletivo chamado Wigudun Galu ou casa de Wigugun. São seres de duas almas, mulheres transgêneros indígenas com muito orgulho. E lá estavam lindas, desfilando.
Fora da comunidade que está situada no noroeste do Panamá, longe de sua aldeia, vivendo na capital do país, não existe a aceitação e, além da discriminação pelo fato de serem índios, sentem o preconceito por sua identidade sexual. A formação desse coletivo Wigudun Galu foi uma maneira de se sentirem dentro de uma comunidade, de ter uma rede social de apoio para que a inserção nesse outro mundo possa ser menos traumática e mais inclusiva, que possam conseguir um trabalho digno, uma casa. Uma busca por um pertencimento que lhes é negado o tempo todo.
O que se escuta a todo tempo de todos os participantes do Dia do Orgulho é: somos seres humanos iguais a vocês que não estão aqui, temos mães, irmãos, pais, tios, sobrinhos, família. Não sentimos vergonha de sermos quem somos, de sentir o que sentimos, de viver como vivemos, de amar quem amamos. Nos sentimos marginalizados, queremos ser livres.
A grande maioria era composta por jovens, não havia gente de cabelos brancos, onde estão? Haviam muitos casais, vários com relacionamentos estáveis, notei poucas crianças. Mas notei muita alegria, havia uma orquestra que os seguia, vários carros buzinando, muitas pessoas estavam enfeitadíssimas e vibrando em serem vistas e notadas. Para quem esta à margem deve ser um grande motivo de emoção e orgulho ser notada por quem voce é de verdade.
O preconceito de verdade cega e mata porque, se as pessoas tirassem esse véu e olhassem para aquelas pessoas, só veriam seres humanos que, assim como qualquer um de nós, peca e se rende ao divino na busca de luz no caminho destinado a cada um dentro desse planeta imenso e cheio de contrastes.
Uma enorme bandeira de arco-íris varre o asfalto, levada por diversos representantes de coletivos que promovem o respeito e a luta pelos direitos das pessoas LGBTQI+ no Panamá. É possível afirmar que é um país gay friendly? Não. Mas posso dizer que esses coletivos não desistiram, mesmo que haja muita resistência. Por exemplo, logo depois de encerradas as atividades do dia do orgulho, circulou um video em que um homem esbravejava que a bandeira gay não devia estar alçada, e sim a do país. Ele a retirou com muita raiva, mesmo que essa bandeira pequena estivesse ali junto com outras mais. Isso só demonstra que ainda há muita luta mas esses coletivos são fortes e responderam com paz, amor e luta.
A internet dissemina o ódio, mas, por outro lado, tem uma porção de gente querendo ensinar e tendo voz para trilhar esse caminho de combate pela educação, pelo amor, pela sabedoria. Que sejamos nós mesmos, que sejamos livres. Porque o amor é amor, e não pode ser criminalizado e nem desrespeitado.
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