Morar na região do Minho tem suas peculiaridades. Por exemplo, conversar como se estivesse brigando, lastimar a vida o tempo inteiro como um fado, xingar por qualquer motivo, achar tudo longe mesmo que a distância seja de poucos metros e dar-se ao luxo de viver com simplicidade. São esses alguns dos pormenores que distinguem esta terra do sul, ou melhor, da capital e fazem daqui um lugar único para se viver.
Se a sua intenção é viver por aqui, lá vão dicas importantes para sobreviver aos minhotos. Sério! Considere cada item abaixo. E se mesmo assim o coração continuar batendo forte, é bem possível que aqui seja, sim, o seu lugar.
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Então, vamos ao que interessa:
1) Xingo, sim. Não tem problema
Claro que as dicas têm que começar por quem faz diferença nesta terra. Tradicional, fuxiqueiro, sem papas na língua e com propensão para cantar um fado, podemos definir assim o ‘tuga’ do Norte. Uma pessoa incrível, muito hospitaleira, que adora ajudar, mas que também se perde ao falar da vida alheia, gosta mesmo é de tomar conta do que o vizinho está fazendo, choraminga a sorte e é até um pouco presunçoso, considerando as classes mais abastadas.
Dito isso, o melhor que tens a fazer é se entregar aos encantos dessas pessoas que não poupam esforços para agradar quando gostam de nós. Agora, o mais interessante é que aprendemos logo: ‘tuga’ do Norte é econômico. Experimente sair e tentar pagar a conta. Meu Deus! Um desespero. Não há quem saia com um verdadeiro português do Norte sem calcular corretamente as despesas.
E outra coisa. Se os convidar para comer em casa, não precise se preocupar. Eles certamente vão chegar cheios de pratos nas mãos para que não gastes muito dinheiro. Por aqui, tudo é levado em conta. Desde a luz da sala acesa até o gás que se gasta e o copo que utiliza. Eu tenho muitos amigos portugueses e adoro o jeito que veem a vida.
Mais engraçado ainda é o xingamento, que faz parte do vocabulário minhoto. Não há um que não xingue sem pudor. Sabe todos os palavrões que achamos feio e que em casa não é bonito para se falar? Pois aqui todos falam e ganha até um ar diferente. Ou seja: sinta-se livre para os palavrões. Aqui, não serás repreendido.
2) óh vida, óh azar
Para o povo do Norte, a vida nunca está boa. Estão sempre levando. É um traço cultural engraçado. Por isso, não se espante quando cumprimentar alguém e receber como resposta: “ vou indo como a vida quer”. Para nós, que sempre dizemos está tudo bem, mesmo que estejamos virados do avesso, isso parece depressivo, mas não é. Encare como se estivesse ouvindo um fado. Eles são assim. E, aos poucos, nos acostumamos.
3) Fila, eu? Tem sempre um espertinho para se aproveitar.
Nisso aqui, confesso que me irrito um pouco. Sempre digo: o brasileiro é mesmo nascido e criado pelos portugueses. Sério! Não há um dia que eu não me irrite ao entrar em uma fila por aqui. Ninguém gosta de esperar. Eles, muitas vezes, são mais mal educados que os brasileiros. Juro! É um tal de passar à frente, estressar toda gente, falar alto, reclamar, que dá vontade de perder a cabeça. O jeito é tentar conviver, mas garanto que todos perdem a paciência, principalmente com os mais velhos. Esses são os piores.
E a buzina! Meu Deus! A partir das 18h, experimente ficar em uma esquina. É enlouquecedor. O som toma conta das avenidas. Eles são estressados no trânsito e na vida. Gostaria de vê-los morando em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo. Iriam pirar de tanto engarrafamento. Por aqui, quando se perde 30 minutos parados, os motoristas só faltam largar os carros pelas ruas.
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E ainda tem a questão dos estacionamentos. Eles pararam por todos os lados, nas calçadas, nas ruas em fila dupla, tripla, é espantoso. Aproveitam-se que não tem muita polícia e fazem a festa. E não tente reclamar. Ah, não! Esquece! Se acham os mais certos do mundo.
3) Preconceito com brasileiras
Sim, existe e não é exagero. Há preconceito com brasileiros no Norte, principalmente em relação às mulheres. É triste, mas o certo é que, durante muitos anos, ‘brasileira’ foi sinônimo de prostituição em algumas cidades desta região. Tudo porque no final da década de 90 houve uma imigração de prostitutas brasileiras para cá. Melhorou muito, mas o estigma perdura até hoje.
Seria cômico se não fosse trágico. No final dos anos 90, houve um movimento das mães de Bragança pedindo providências às autoridades contra a ‘onda de loucura’ que assolava a cidade. Alegavam que as brasileiras davam a volta à cabeça dos maridos, que passaram a dormir fora de casa e não dar-lhes mais dinheiro, destruindo seus patrimônios. O movimento ganhou a imprensa e alastrou-se pelo Norte. Conclusão: algumas outras cidades também seguiram o mesmo caminho.
O fato é que ser brasileira aqui, e sozinha, não é fácil. Há uma camada mais simples da população que ainda lembra e condena quando um rapaz namora uma brasileira. Dizem que somos mais fogosas e sabemos seduzir. Seríssimo! Eu mesma já sofri algum preconceito. Hoje, a questão já está bem mais tranquila e há respeito. Mas todo cuidado é pouco.
4) Inverno chuvoso
Outro fator importante, principalmente para brasileiros, diz respeito às chuvas. Parece bobeira, mas não é. O inverno daqui além de frio é chuvoso. Lá está, não é uma chuvinha passageira ou garoa fraca. É chuva forte, tempestade com vento, granizo. Chove por meses seguidos sem que haja sol. Geralmente, esse período coincide com o término do inverno.
Quando cheguei aqui, ficava impressionada porque todos tinham carro. Não conseguia entender o motivo, uma vez que tudo é muito perto. Mas bastou chegar março e abril para que eu entendesse e quase me juntasse à maioria da população. Chuva forte, frio e vento é uma conjugação complicada e piora com uma rede de transporte público que não é assim uma maravilha.
Braga, por exemplo, não tem metro. Portanto, dependemos dos autocarros (ônibus) para nos locomover. Há um aplicativo para telemóvel (celular) até muito bem pensado, mas que funciona de maneira inadequada. Costuma indicar horários que nem sempre são cumpridos. Mas, vejam, mesmo assim ainda é muito melhor do que os nossos.
5) Comércio fechado no verão?
Um detalhe fantástico é a questão do comércio fechar para o almoço e no período das férias de agosto. É um costume antigo e que nos confunde bastante quando chegamos a essas cidades do Norte. Claro que nem todos seguem mais a risca esse hábito, porque as grandes redes e os shopping já ditam as regras por aqui, mas há ainda quem siga, e é preciso estar atento. Aqui em Braga, há várias lojas que encerram nas férias de agosto e também durante o ano para o almoço.
Dependendo da cidade, os lojistas colocam o cartaz “ fechados para almoço” e acabou. Só reabrem depois das 14h. Isso é fantástico! Não há distinção de comércio. Fecham desde restaurantes até supermercados. Parece loucura um restaurante fechar para almoço, mas aqui é muito normal e acontece até no centro histórico. Nas férias então, nem se fala. Há comércios que anunciam com antecedência os dias que ficarão fechados para viagem em família.
Então, é isso. Espero que as dicas possam ajudar a entender um pouco as peculiaridades dessa terra encantadora e de seu povo simples, que valoriza o convívio, mas que em certas ocasiões extrapola os limites do tolerável. O certo é que já se nota algumas transformações. As cidades da região estão crescendo e a cultura miscigenando. Vamos em frente!