Comunidade LGBT em Cuba.
Cuba é um país “gay friendly”? Não e sim. Não, porque é uma sociedade machista como toda sociedade latina e que ainda tem muito preconceito e rejeição. E, sim, porque existe uma grande comunidade gay bem atuante, parada gay, representatividade política e uma iniciativa de lei na nova Constituição que está em debate neste momento, para promoção da igualdade de direitos no casamento.
Existe um centro chamado Cenesex (Centro nacional de Educação Sexual), é um órgão financiado pelo Governo, cuja liderança está a cargo da filha de Raul Castro, irmão de Fidel, a deputada Mariela Castro. Nessa instituição se promove a educação com apoio de profissionais acadêmicos ou de grande prestígio nas áreas ligadas à sexualidade, fazendo campanhas de apoio à conscientização de toda a sociedade contra a homofobia e violência doméstica e fomentando debates e sensiblização da população com iniciativas diretas de distribuição de camisinhas e esclarecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis. Uma abertura para um cenário mais justo e igualitário sem tantos preconceitos. Uma correção justa e necessária de tempos antigos, onde os homossexuais foram muito assediados depois do triunfo da revolução, durante os primeiros anos. Depois, o próprio Fidel Castro pediu perdão por isso e esclareceu que não foi uma política de Governo.
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Integra, hoje, parte do quadro de políticos cubanos, uma vereadora de Caibarién (centro do país), eleita pelo povo, um dos primeiros homossexuais a assumir um cargo de poder político. Uma representatividade importante de apoio às causas LGBTs. E conta com apoio popular. Assim falavam as pessoas da comunidade: “Prefiro um político maricas do que um ladrão”.
Eu conheci a vereadora que adotou o nome de Adela, em sua cidade, na sua casa e vestida de mulher. Muito empoderada, escutei ela dizer em uma entrevista, o seguinte: “o povo preferiu a mim porque eu sou mais revolucionário do que gay, e mais gay do que eu não existe, porque eu sou gay de nascimento”. Foi reeleita e tem muita aceitação e apoio das pessoas da cidade. Quase todos vão em busca da sua casa para procurá-la. Quando estive lá, fui testemunha disso. Em sua simples casa ainda no reboco e de três cômodos, vi na parede foto dela, do Che Guevara e do seu companheiro de 11 anos de relacionamento.
Está acontecendo um longo debate popular pelas proposições da nova Constituição e um dos mais acalorados é a legalidade do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. E Adela diz: “isso é uma correção de injustiças cometidas contra pessoas como eu”. O seu único bem é essa casinha simples e tem a vontade de deixar ao seu companheiro de vida. Sentada e de mini saia, refletia sobre tempos sombrios que viveu na sua infância e adolescência, o seu encaminhamento à escola de enfermaria e a vida de política. Achavam que ela fosse à Câmara vestida de mulher, chegou de “guayabera” (camisa social, típica vestimenta dos homens dos países da América Central), deixando todos surpresos, contou rindo com ar de deboche.
Depois dessa vivência com Adela fui conhecer outra cidade, uma das mais revolucionárias e inclusivas, Santa Clara. Nesta famosa cidade onde triunfou o Che e que guarda seu jazigo, também se faz história como uma das mais abertas à diversidade sexual. Nesta região é possível encontrar um hostel “gay friendly”, que se chama “Amarillo”, muito famoso por ter sido usado como locação para um documentário falando sobre o show das transformistas da região. A porta amarela do lugar chama nosso olhar, em uma rua bem pequena de casas simples. Um espaço lindo e cheio de cor que faz questão de aceitar todas as manifestações de amor.
Há duas casas bem famosas por apresentar esses shows, Tropicana e “El Mejunje” – o mais antigo e conhecido. Silvério é o idealizador desse lugar que abriga todas as idades e gêneros, e todo tipo de lazer como shows, teatro, mostras de arte e jogos de xadrez. Diz que dentro do seu estabelecimento abriga a sociedade do futuro, com muita diversidade, respeito e humanidade. Um visionário que leva show de transformistas aos homens da região rural do país. Com sua caravana itinerante faz com que cada cantinho possa receber esse tipo de espetáculo.
O show das Drag Queens em “El Mejunje” foi emocionante. Fui testemunha desde a maquiagem, a colocação de peruca, um milhão de meias calças, espumas e roupas. Vi a transformação de todas antes do show e escutei um pouco de suas histórias. Haviam duas bem jovens e outras duas que já contavam com anos de experiência. O show foi de dublagens de música “sofrência” em espanhol, até os hits do pop como Beyonce, Rihanna…
Tudo com muita encenação e exageros de caras, bocas, braços e mãos, unhas gigantescas e esmaltes berrantes. Brilharam como verdadeiras divas. E o que não me passou despercebido foi o apoio dos seus companheiros ao se produzirem. Uma verdadeira prova de amor em se tratando de um quartinho sem janela, com um ventilador velho que mal oferecia um pouco de ar fresco. Em um calor infernal se desdobravam abanando, subindo zíper do vestido, colocando peruca e deixando sua diva impecável.
Em Havana, cheguei também testemunhar no carnaval e na parada gay, a alegria, as danças e a animação da comunidade LGBT cubana. Um dos carros que se apresentaram na orla, no carnaval, com representantes da união dos estudantes universitários, um dos mais empolgantes, vinha seguido de uma turma enorme da comunidade gay participando e se jogando na folia.
E, também, em Havana, pude participar das intensas atividades da jornada contra a homofobia. Vejo uma preparação e esforços de conscientização e abertura para que a sociedade cubana aceite e encare o futuro bem cheio de diversidade. E de acabar se tornando um país mais colorido do que já é, e uma rota de turismo seguro para a comunidade LGBT.
Durante a caminhada da parada gay em maio desse ano, um imenso cartaz do movimento “Súmate Cuba: por una vida sin violência”, veio em minha direção e nele estavam representadas a foto de Matheusa e Marielle Franco. Perguntavam quem as matou, cobrando justiça e mostrando a indignação pela morte dessas duas brasileiras vítimas de violência. Há lutas que transcendem a barreira geográfica e nos mostra que o mundo é um só e o respeito cabe em qualquer parte. Afinal, mesmo nascendo em outro país, falando outro idioma ou pertencendo a outra classe social ou grupo, somos seres humanos.