Uma experiência incrível no MoMA.
Cheguei em Nova York vinda de Havana, em Cuba, onde atualmente eu vivo. Os dois extremos: uma é a meca do capitalismo e a outra é a meca do socialismo. E eu, brasileira, goiana, que ama aprender sobre o mundo e ter uma historia para contar.
Planejei minha viagem com todos os clichês possíveis, visitar Katy, o prédio de “Friends”, Times Square, enfim, louca para ver de pertinho tudo o que via na TV. Entre os pontos a serem visitados estavam os museus.
Sou filha de professora de português e literatura, digo isso porque sempre convivi com o universo do mundo imaginário dos livros e isso me deu uma visão bem imaginativa das coisas. Eu já conseguia saber alguns detalhes do que eu ia ver de tanta curiosidade que havia me despertado. Contarei, especificamente, a minha história com o MoMA (Museu de Arte Moderna de NY).
Durante uma das longas caminhadas pela cidade de NY virei uma esquina com uma rua espremida entre arranha-céus e árvores de galhos secos, não sei se agora estão verdes, mas era frio. Foi um pouco antes da pandemia fechar tudo.
Desde ai, já me dava conta que o modernismo se contagiava do lado de fora do museu também. Uma espécie de mundo surreal em que uma árvore brota do asfalto e ganha espaço no meio de vidraças, carro e poluição. Onde fosse proibido ter vida, aparece uma resistindo. Como um jarro de galhos secos em uma parede de cimento queimado que decoradores usam para quebrar a solidez do concreto e dar vida ao lugar.
Assim me apareceu o MoMA, no meio de onde eu nem esperava. A entrada, a estrutura do prédio, me deram uma certa insegurança, porque ele te pega de surpresa, como uma porta que você não sabe onde aperta para abrir. Deixei meu esposo ir na frente indicando o caminho para esse mundo novo.
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A recepção, se posso assim dizer, parecia um hotel luxuoso com muito requinte, tudo muito organizado e no lugar, com cheiro de novo, e móveis e estruturas que quando você vê, não te permitem uma leitura clara e instantânea do que seja, ou que permita o uso de sua intuição. Isso gera uma ansiedade de que, se for para pagar um mico, será fácil, fácil, neste lugar.
Lembrando que eu já havia visitado outros museus na minha vida, inclusive o Met (Museu Metropolitano de Arte, também em Nova York). Mas o MoMA tem um ar de lugar proibido para os habitantes comuns da terra, como eu.
Dentre esse pouco tempo de tentativa de mapeamento para saciar minha curiosidade que estava elevada a mil, surge um rapaz que se vestia com muito estilo e usava um coque samurai. Era ele, Valentin, o nosso passaporte para essa linha que estávamos cruzando. Uma linha imaginária de saber, privilégio e ostentação. Claro que eu iria ostentar essa visita.
Valentin é um peruano radicado na cidade e que se formou em História da Arte. Foi imprescindível essa jornada com ele. Porque era como se ele tivesse todas as chaves para cada pedacinho de história e conhecimento guardados nessas paredes.
Com ele pude viver coisas e aprender o que seria mais inacessível. Como um verdadeiro professor que caminha com seu aluno, passando as páginas dos livros e te ajudando a entender todo o processo para você enxergar mais longe.
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Eu nunca tinha vista uma obra de Tarsila do Amaral ao vivo. Tive uma obra dela, Os Operários, na capa de um livro de história durante todo um ano escolar. Mas assim, de pertinho de verdade, nunca. A obra dela, A Lua, o surrealismo made in Brazil, estava ali na minha frente com a mais completa tradução deste professor.
Me emocionei. E mais um tanto de outras vezes, por exemplo, com Frida. A arte latino americana estava bem presente, inclusive com Valentin, sendo a representatividade viva disso.
Passando por uma das últimas obras eu encontro mais arte latino americana, e o professor Valentin me chamou atenção para uma delas. Eu também morei em Lima, Perú, e já havia dito o quanto havia me encantado por tudo em seu país. A obra era do Jorge Eielson, era um artista e escritor peruano.
Me chamou a atenção ao primeiro olhar a “simplicidade” da obra. Um fundo branco com tecidos nas cores vermelho, preto e amarelo e uma corda unidos por nó. Mas o olhar dessa simplicidade se desfaz com o conhecimento oferecido. Esse artista se inspirou nos seus antepassados, lá nos povos originários de seu país e trouxe sua reinterpretação.
Eu aprendi que quipus ou quipo (significa nó) é um dispositivo dos povos andinos. Era usado através de um sistema de nós e cores diversas combinados e que funcionavam como registros contábeis e de comunicação. Seria como um ábaco chinês ou japonês, mas dos povos andinos.
Um simples quadro se tornou história e ancestralidade ali na minha frente, e minha imaginação viajou naquela reinterpretação do artista Jorge Eielson. Essa tradução só se fez pela intervenção do professor que me guiou por esse longo caminho como um trem que tem um condutor que avisa sobre as paradas e diz o nome das cidades que estão no caminho.
Sem um guia, um norte, não há como saber onde descer. Eu desci no MoMA e conheci um montão de obras e tudo que as envolve, enfim, todo um contexto. Porque a arte está inserida em um contexto para ser significada. E o meu guia foi esse grande professor Valentin. Fiquei impressionada com toda a viagem.
Depois de escrever esse texto fiquei pensando o quanto mudou no mundo desde a pandemia. Esses museus que visitei passaram meses fechados, uma porção de funcionários desempregados, inclusive o meu guia Valentin. Tanta gente boa e tanto museu que terão que mudar radicalmente, adaptar-se a uma nova realidade e novos esquemas de visitações.
Se já era um espaço restrito para muitos, creio que ficará ainda mais, se já eram caros os ingressos, imagine agora com restrições de entrada. Teremos muitas consequências ainda não tão tangíveis, não será mais uma realidade a aglomeração em frente a obras de arte como Monalisa, ou em obras de Van Gogh, Picasso, Monet, Leonardo da Vinci. Não será mais possível guardar seu casaco que esta misturado com tantos outros na área de guarda volumes do Met.
Tenho a esperança de que dias melhores virão e que o mundo possa receber muitos viajantes para explorar todas as coisas lindas que existem e que mesmo online muitas coisas estejam acessíveis a grande parte da população mundial. Porque são importantes para nossa evolução como sociedade, como ser humano e para nossa história.