Não está sendo fácil ser brasileiro dentro e fora do país.
Todos estamos vivendo em uma realidade bem complexa com a pandemia, e também sei que nós brasileiros passamos por situações delicadas como brasileiros imigrantes dependendo do país, mesmo antes da pandemia. Mas eu não tinha vivido algo parecido antes, então peço a licença para descrever algo que passei e desde já me solidarizo com todos imigrantes que vivenciam algum tipo de rejeição.
No dia 26 de março chegou aqui no Panamá uma passageira vinda do Brasil com a “nova versão” do COVID-19, que está sendo chamada de cepa brasileira. E ela chegou já causando um clima tenso dentro da população panamenha. Foi identificada depois de ter sido coletada a amostra no aeroporto Tocumén.
Não está sendo fácil ser brasileiro dentro e fora do país
Esse dia foi um golpe forte para mim porque vi a notícia no Instagram de um site de notícias daqui. E quando, sem querer, abri os comentários, foram as piores coisas que eu já vi.
Havia muito medo, muita raiva e coisas do tipo: mandem de volta, cancelem todos os voos do Brasil, estão todos morrendo por lá, não podemos receber essa gente, esses idiotas brasileiros, para que viajar em um momento desse, essa cepa brasileira é pior que o vírus original, agora estamos perdidos, vão fechar tudo de novo.
Eu entendo todo o medo, raiva e frustração da população panamenha. Isso quer dizer que concordo com esses comentários? Não! No entanto, sinto que todos esses sentimentos estão associados a tudo que vivemos por aqui. O Panamá adotou medidas bem restritivas e um lockdown muito forte por vários meses.
E neste momento, com um programa de vacinação para a população e uma queda vertiginosa do número de casos, está em um movimento de afrouxamento dessas medidas.
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Essas medidas restritivas e o lockdown são bem exaustivos para a população no geral. É um sacrifício de todos! Estão envolvidas nessas decisões muitos aspectos como financeiro, empregos, cansaço emocional, fome abrangendo mais uma parcela da população carente, fome nos grupos indígenas – eles, e uma grande parte do contingente populacional, tinham como fonte de renda o turismo e ela secou.
Os supermercados, bancos e farmácias, que estavam como prioridades de funcionamento, apresentavam escassez de alguns produtos na prateleira. Todas essas decisões, baseadas no valor e respeito à vida dos cidadãos panamenhos, tiveram muita abdicação de muitas outras coisas, como vários outros países que valorizam a vida de seus conterrâneos. Isso não quer dizer que não houve sofrimento.
É uma tarefa difícil que o país se propôs a fazer, o povo está cansado e o resultado disso é jogar toda essa frustração nos comentários dessa notícia.
A chegada da nova cepa brasileira representa um risco para essa abertura e não é justo, eu sei. Inclusive comigo que sou brasileira e resido aqui. Eu fiz todo o cronograma das medidas de controle da pandemia, e também estou cansada. Mas devemos seguir persistentes e nos cuidando porque estamos em uma guerra contra o COVID-19.
Porém eu jamais havia sentido o peso de ser brasileira de maneira tão tensa. Dentro e fora do país não está sendo fácil ser brasileiro. Eu aqui do Panamá recebo notícias quase que diárias de algum conhecido que faleceu, e parece que está chegando cada vez mais perto.
O medo ronda nossa cabeça o tempo todo. Será que minha família, meus amigos vão sobreviver ? Meus ídolos estão morrendo. Quando eu puder voltar ao Brasil de férias, um monte de gente já não vai estar mais lá. Dói tanto.
E é uma dor de estar totalmente incapacitado para resolver. Não há espaço para o alívio, porque toda hora ele acaba com um susto de alguém contaminado que vem em seguida. E nossas mãos de longe atadas. A sensação é de estarmos vendo um filme de terror e não ter a opção de desligar a TV.
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As pessoas quando sabem que somos brasileiros quase dão pêsames ou sinto muito, aquela cara de pena que nos corta por dentro. Eu imagino que imigrantes brasileiros em outros países como EUA, Alemanha, Inglaterra, em que a xenofobia é mais declarada e agressiva, possam ter passado por situações difíceis por serem brasileiros.
Mas eu não havia passado. Ao contrário, sempre que dizia ser brasileira, um sorriso automaticamente era aberto e citavam Rio de Janeiro, samba, carnaval e futebol. E me chamavam para festas, porque sabiam que brasileiro anima a festa.
Não está sendo fácil ser brasileiro dentro e fora do país
Agora, viramos o país do COVID-19. O país que ameaça o mundo com uma extensão de um pesadelo de pandemia e suas variantes mais perversas e os seus conterrâneos, pessoas não gratas em quase todos os países do planeta. Éramos tão bem quistos. Será que isso um dia volta?
É difícil imaginar uma reversão quando se vê nos noticiários tanto negacionismo, passeatas e gritos em frente aos hospitais, medo de tomar vacina ou a simples negação por parte de vários brasileiros.
Nesse cenário caótico que estamos vivendo. Esse texto é um desabafo e uma busca por meus pares que se identificam comigo, como um grupo de AA para alcoólicos ou outros grupos que têm a mesma finalidade. Penso que, se estamos com pessoas que passam pelo mesmo, a dor fica mais leve quando compartilhada.
Fica mais fácil atravessar essa poça que está diante de nós de mãos dadas. Pode ser até que os pés se molhem, porém o pulo fica mais fácil. E com essas metáforas, invoco ao nosso grupo de mulheres brasileiras e escritoras pelo mundo nos dar as mãos, ou pelo menos, dêem a mim. Sim, estou sendo egoísta. É porque está muito difícil resistir.
E para tentar passar algo de positivo para os que estão atentos a essas letras que ganham o mundo através desta plataforma, um poema:
Não deixe morrer a melodia da esperança, que ela invada a sua mente, aflore sua resiliência em seguir adiante, catando o que de melhor ficou, para seguir na trilha de algo de valor, resgatando o que de melhor tem dentro de si e florescendo o mundo com mais amor.
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