Contato com a cultura Xhosa na África do Sul
Depois de uma série de textos que escrevi sobre a Suazilândia, gostaria de compartilhar como tem sido fazer amigos na África do Sul, mais especificamente na cidade de Worcester onde moramos há 6 meses.
Nossos primeiros amigos
Como viemos inicialmente para uma Base Missionária, nossos primeiros amigos foram brasileiros que vieram para cá com mesmo propósito. Brasileiro é assim: um povo relacional que, em geral, quando se encontra se ajuda, festeja… é o nosso jeitinho.
Também conhecemos pessoas de diferentes países que estiveram aqui por curto prazo. Porém, desde o começo, nossa intenção era conhecer e investir especialmente em amizades com sul africanos sabendo que essas amizades fariam toda a diferença no nosso processo de adaptação e aculturação.
Igrejas em Worcester
Uma boa forma de se fazer novos amigos é frequentar lugares onde se possa encontrar pessoas com quem se tenha algo em comum. Assuntos do mesmo interesse, ainda que sob perspectivas diferentes são um bom ponto de partida para boas conversas que podem se estender para um convite pro café e assim vai. Para nós, esse lugar foi a Igreja.
As Igrejas de Worcester são, em sua maioria, bastante tradicionais, assim como a cidade. As celebrações acontecem em Africaans, que é o idioma mais falado. Encontramos uma de língua inglesa, gostamos e continuamos frequentando. Lá conhecemos a maioria das pessoas com quem mantemos contato próximo hoje em dia.
Comunicação em 11 línguas!
Apesar de sermos bem recebidos, a comunicação não foi tão simples no início. O inglês é um entre os 11 idiomas oficiais da África do Sul e cada pessoa tem o sotaque correspondente a sua língua materna.
Por exemplo, quem tem Africaans como primeira língua tem um sotaque germânico no inglês. Quem fala Xhosa e Zulu, tem a fala aberta e clara, com acentuação semelhante à britânica mas com R típico africano.
Os Coloureds trocam o som de ch/sh pelo de S, indianos falam o inglês indiano e os descendentes de inglês têm um vocabulário mais elaborado já que aprendem o idioma desde o berço.
Além das diferenças de sotaque (o nosso brasileiro também é bem específico), o vocabulário usado não é bem o mesmo também. Nós no Brasil somos influenciados pelo inglês americano, aprendemos com filmes, séries e músicas algumas palavras e expressões que não fazem sentido pra eles aqui. Passando o “delay” inicial com paciência e empatia é possível desenvolver uma boa comunicação.
Amigos Xhosa: conhecendo sua incrível cultura
Os primeiros amigos sul africanos mais próximos que fizemos são Xhosa, povo de Nelson Mandela e Trevor Noah. Eles são moradores da Township Zwelethemba que é um bairro fora da cidade, como se fosse região metropolitana, construído no período do Apartheid e destinado aos negros.
Ainda hoje, 25 anos após o final da lei, não existem brancos morando ou mesmo circulando por lá. As casas do Zwelethemba tem um tamanho médio quase todas com quintal espaçoso. Porém isso não significa que seus moradores tenham boa condição financeira, até porque a maioria das casas é dada pelo governo.
O nome do bairro significa “lugar de esperança”, mas quem lá vive diz que se tornou exatamente o contrário, um lugar onde nada muda. Ao lado dessa township também há o Assentamento Mandela Square, uma área de invasão e extrema pobreza cujos moradores vivem em casas de zinco.
Num próximo artigo contarei como é a organização social e a vida de expatriada aqui em Worcester.
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Nossos amigos são considerados bem sucedidos entre seu povo: tem seu próprio carro, vestem roupas novas, se alimentam bem, mas para isso o marido precisa trabalhar em vários lugares diferentes.
Ele é capacitado, inteligente, dedicado, e ainda assim não consegue um emprego registrado ou com salário fixo. A esposa, trabalha para uma empresa de marketing de multinível e cuida dos filhos com dedicação, um privilégio já que a maioria das mães que moram por lá tem de trabalhar fora e resolverem tudo sozinhas.
Sabe-se que aproximadamente 60% das crianças na África do Sul não tem o nome do pai no registro. Os índices de violências contra a mulher, especialmente negras e moradoras de townships são altíssimos e nem de longe refletem a realidade, pela limitação do método estatístico e também porque culturalmente é pouco provável que elas contem intimidades para desconhecidos.
Quando os conhecemos, fomos apresentados a “real South Africa”. Dia a dia eles nos explicam sobre a cultura Xhosa, tradições, comportamentos, valores. Com eles compreendemos as necessidades do povo e juntos fundamos uma Non-profit Company chamada Mommy Care Program, que visa empoderar essas mulheres que vivem em vulnerabilidade social através de espiritualidade, inteligência emocional, saúde e empreendedorismo.
Apresentando o multifacetado Brasil…
Eles também se interessam pela nossa cultura brasileira. Experimentaram churrasco, brigadeiro, sagú de vinho (do sul), mas não curtiram muito. Sim, a maioria dos gringos não curte brigadeiro, e os Xhosa não bebem e não fumam então mesmo que o álcool evapore no sagú, eles não gostam do sabor. E sobre o churrasco… curtem muuuito tempero na carne.
Mas eles amam futebol e isso é basicamente o que sabem sobre o Brasil: Neymar e Ronaldo, Cristiano Ronaldo. Isso é tudo o que sabem sobre o Brasil. Aliás ninguém nos perguntou sobre carnaval e samba ainda por aqui. Eles se esforçam para entender como conseguimos viver miscigenados e que nossos vizinhos podem ser descendentes de índios, europeus, africanos ou mesmo imigrantes de muitos países. Também estranham que, apesar da diversidade, nosso povo em geral não saiba falar inglês, “idioma universal”.
Eles gostam muito de crianças, especialmente de bebês gordinhos que “é sinal de saúde”. Nos contaram inclusive que muitas mães de bebês pequenos oferecem comida precocemente na esperança de que eles se tornem mais “fofinhos”.
Na cultura Xhosa, a aparência é muito importante: vestir roupas de marca e da moda, penteados, acessórios passam a imagem de uma pessoa bem sucedida. O orgulho é uma característica marcante, assim como o senso de comunidade.
É deles que vem o famoso conceito Ubuntu: “uma pessoa só é quem é por causa das outras.”
Desenvolver um relacionamento próximo com essa família em tão pouco tempo tem sido um privilégio para nós, algo que procuramos manter com alegria, humildade e dedicação.
Além dos Xhosa, temos convivido de perto com a cultura Afrikaner, que é totalmente diferente, mas igualmente cativante. No próximo texto contarei sobre essas diferenças e como é conviver de perto com pessoas que historicamente eram totalmente distantes, apesar de pertencerem a um mesmo país.
Até o próximo mês!