Reflexões sobre 2020 na África do Sul.
Independentemente de nosso local de moradia, status social, cor, credo ou gênero, tivemos um 2020 completamente atípico! Para alguns mais fácil, para outros menos, mas sem dúvida com muitas mudanças. E isso agora se arrasta para 2021.
Enquanto muitos estão focados no futuro e contando os dias para a chegada da vacina, colocando muitas expectativas em voltar à vida “normal”, eu gostaria de usar esse espaço para refletir sobre como a pandemia tem nos impactado pessoalmente e como está a situação na África do Sul.
Isolamento e o “novo normal”
Inicialmente, a África do Sul impôs um lockdown de cinco semanas, em que as pessoas só poderiam sair de casa para supermercado, farmácia e assistência médica. As fronteiras estaduais ficaram fechadas por meses, podia-se cruzar somente com autorização policial prévia.
Sentimos muita tensão toda vez em que tivemos que sair de casa, tanto pelo receio em contrair o vírus e de eventualmente precisar de assistência médica, quanto pelo receio de levarmos multa ou até parar na cadeia, como vimos em muitos relatos na mídia. Ainda mais sendo estrangeiros e considerando que temos muito menos direitos civis do que os locais.
O relaxamento foi acontecendo em etapas, e quanto mais o governo foi flexibilizando, mais as pessoas fizeram o mesmo. Inicialmente, era raro ver alguém sem máscara, agora muitas pessoas desistiram da proteção.
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Mesmo ainda sendo obrigatória em estabelecimentos públicos, as pessoas usam somente cobrindo a boca, ou tiram totalmente para falar ao celular, e por aí vai. Todo lugar tem álcool em gel à disposição na entrada, mas raramente vemos alguém utilizar voluntariamente.
E esse relaxamento se estendeu ao convívio social. Meu esposo conseguiu autorização para continuar trabalhando de casa, então raramente saímos de casa ou encontramos alguém. Mas somos exceção.
As pessoas se encontram para socializar, vão a restaurantes, não usam máscaras… é como se não houvesse mais o risco do vírus. Eu me sinto uma alienígena tendo que recusar encontros sociais, é muito difícil ter que falar não, mas nossa prioridade é o bem-estar do bebê.
Cancelamento de viagens
Que loucura tem sido para toda a área de turismo, não é? Até hoje, janeiro, está praticamente impossível conseguir falar por telefone com as companhias aéreas ou agências online de turismo (como a Decolar.com).
Eu, particularmente, precisei cancelar minha tão desejada viagem para os EUA para a formatura de um dos meus irmãos e ao menos fui reembolsada dos valores de passagem e seguro.
Tínhamos também uma viagem planejada para a Alemanha para visitar a família do meu esposo em agosto, cujo cancelamento foi ainda mais pesaroso por um evento que irei comentar a seguir.
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As fronteiras da África do Sul se mantiveram fechadas entre abril e setembro, abrindo parcialmente no início de outubro e posteriormente para todos os países. Durante esse período, só puderam sair ou chegar pessoas em voos de repatriação, com processos bastante caóticos.
Houve diversos cancelamentos de voos, valores absurdos de passagem (com passagem de ida para o Brasil chegando a R$ 20 mil, enquanto a média para ida e volta é de R$ 3 mil), uma logística bem complicada para se deslocar ao aeroporto, que incluía autorização de autoridades sul-africanas (muitas vezes dada poucas horas antes do horário programado para o voo) e envolvimento das embaixadas, e quarentena de duas semanas para os sul-africanos chegando, financiada pelo governo.
Despedida de pessoas queridas
Acredito que essa é uma situação que impactou profundamente muitas pessoas. O fato de não poder se despedir de algum ente querido ou ter que fazê-lo de forma muito breve, mesmo não sendo alguém vítima de Coronavírus.
Todos conhecemos pessoas que não puderam comparecer a um enterro, casos em que fizeram em poucos minutos, ou em que apenas dez pessoas poderiam ficar ao mesmo tempo no velório.
Aqui na África do Sul, durante a quarentena, permitiram 50 pessoas por evento, pois culturalmente o funeral é um evento muito importante.
Infelizmente, perdemos um dos melhores amigos do meu esposo em um acidente de carro em julho, e ele participou da homenagem, mas somente pelo tempo necessário e praticando distanciamento.
Eu, para proteger a gravidez, fiquei de fora. Foi difícil, mas não me arrependo, pois aqui servem comida ao final, e todos tiraram a máscara e ficaram perto uns dos outros ao se servir.
Outro momento muito triste foi a perda do avô do meu esposo, que era como um segundo pai para ele. Sou muito grata por ele ter podido visitá-lo rapidamente em março, antes das fronteiras fecharem, mas me cortou o coração ele ter sido impedido de ir à Alemanha para acompanhar o enterro e dar suporte à família.
Como citado anteriormente, ele poderia sair daqui, mas as garantias de que seria autorizado a voltar eram inexistentes. Ele não quis arriscar ficar preso por lá, comigo aqui grávida e sozinha.
Festividades de 2020
Sem dúvidas, a maioria das pessoas teve que comemorar de forma diferente da tradicional. Mesmo para quem passou com as mesmas pessoas de outros anos, duvido que alguma restrição não tenha sido imposta.
Ano passado, nessa época, eu escrevia sobre passar o Natal longe da família, e aqui estamos nós, “sozinhos” novamente!
Com bebê chegando, nosso plano era de minha mãe vir do Brasil, e minha sogra da Alemanha. Sempre cogitamos isso ao planejar a gravidez.
Mas, considerando restrições de viagem e o risco envolvido para nós e para quem está vindo, eu e meu esposo optamos por ficar sozinhos e nos apoiar apenas um no outro nas primeiras semanas de vida do nosso recém-nascido.
Longe do que sonhamos, mas já abraçamos a situação e estamos confiantes com nossas escolhas, por ser o mais seguro para todos os envolvidos.
Resolvemos ficar quietinhos em casa e aproveitar essa época da melhor forma possível, independente de com quem, onde, e como faremos. Eu acredito muito em que a felicidade e a paz de espírito vêm de dentro.
Segunda onda
Infelizmente, o governo sul-africano também anunciou em 9 de dezembro a “segunda onda” do COVID-19″. Mesmo com todas as notícias relacionadas ao vírus perder força durante o verão, aqui não tem sido o caso, e acredito que seja pelo fato das pessoas não se protegerem.
Desde o fim de setembro o número de novos casos diários estava em torno de 1 mil, e em dezembro subiu para mais de 6 mil.
Com isso, há o receio das restrições voltarem, como suspensão de aulas, impactos no comércio, restrições de viagens e novas regras nos hospitais.
Fico pensativa com relação a isso, porque tudo o que mais quero é meu esposo presente no parto e não termos problemas para ir para a Alemanha posteriormente.
Continuamos nos cuidando e torcendo pelo melhor. Stay safe!