No meu último texto, sobre vegetarianismo no interior da Espanha, falei sobre a diferença que mais me afeta, a alimentação, na troca de uma cidade grande e tão globalizada como São Paulo, por uma cidade pequena, pautada pela produção de uma pequena cooperativa de laticínios local. Mas apesar da adaptação alimentar ter sido marcante, não foi a única. Os choques culturais envolveram principalmente diferenças nos horários comerciais, com a descoberta da siesta, além de diferenças marcantes na forma de pagar contas básicas e até mesmo de fechar um contrato de aluguel. Vou contar um pouquinho dos meus dramas aqui e algumas curiosidades sobre a Catalunha.
Um café para o aluguel
Antes de sair do Brasil procurei muitas opções de aluguel pela internet, e percebi que conseguiria alugar algo pequeno, para duas pessoas por cerca de 300 euros/mês, o que facilitaria muito meu orçamento.
Mas apesar de ter lido mil sites procurando informações sobre a documentação e estar com tudo em dia, quando enviava e-mails pedindo informações a resposta era sempre a mesma: “Chegando aqui a gente conversa”. Isso foi me deixando muito ansiosa e apreensiva e cheguei até a fazer várias ligações telefônicas para imobiliárias, até que um corretor me acalmou dizendo, você vai ter apartamento no mesmo dia que chegar, mas vem primeiro e aqui a gente conversa. E assim foi, estava muito ansiosa, mas ao chegar, quem foi primeiro foi meu marido, ele encontrou o corretor, que depois de mostrar os apartamentos, o convidou para um café. Tomaram o café e conversaram, e assim que acabaram o café ele passou os documentos, facilitou o processo e já entregou as chaves.
Tudo durou cerca de 3 horas. Depois conversando muito, descobri que essa é uma premissa espanhola, os proprietários não gostam de alugar para quem não conhecem, e basta você tomar um café que já se sentem confortáveis. Imagino que nas cidades grandes, dada a rotatividade maior, inclusive de estrangeiros, seja mais fácil alugar a distância, mas no interior, se prepare para ter alguém que faça o primeiro aluguel por você, ou pegue um airbnb, couchsurfing ou hotel, e se prepare para o café antes da assinatura do contrato de aluguel!
A siesta
Para todos que vivem na Espanha, a siesta, que significa o horário do cochilo, mas na realidade é um momento de descanso e de dedicação à casa e à família, que geralmente vai das 14h às 17h; uma realidade diária, e pode ser um choque cultural intenso.
Nas grandes cidades, como Madri e Barcelona, alguns comércios e serviços fecham nesse horário, mas ainda é possível seguir com a vida.
Aqui no interior isso foi um susto. Várias vezes saí de casa para fazer mercado depois do almoço, só para me deparar com todas as portas fechadas e voltar andando pelas ruas de uma cidade fantasma. Demorei muito para me acostumar.
Como sou professora de idiomas e ensino à distância, estou acostumada a ter um fluxo de trabalho maior pela manhã e outro à noite, horários que os alunos geralmente conseguem se dedicar às aulas particulares, e por isso, me acostumei a fazer mercado, ir ao banco e resolver meus afazeres logo após o almoço, no que no Brasil, é horário comercial. Ao descobrir que aqui tudo, absolutamente tudo, fora a emergência do hospital, fica fechado nesse horário, me via rodando a sala da casa sem saber o que fazer por longas 3h. Depois comecei a me acostumar com a ideia.
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Como era inverno, e tudo estava bem frio, comecei a tirar longos cochilos, o que no princípio me deixava com uma sensação de culpa, mas depois percebi que era só uma troca. A cidade volta à vida entre 17h e 20h, tudo abre, todos saem, e até 1h da manhã existe bastante movimento. Hoje me acostumei, acordo mais tarde, dou minhas aulas da manhã, uso a siesta não só para descansar, mas para cozinhar, faxinar, ler, escrever, estudar, enfim, cuidar das minhas coisas, só que de casa, e depois da 17h retomo as idas ao mercado, os afazeres e as aulas da noite que vão até bem tarde. No verão, aproveitamos muito o horário da siesta para ir até rios e lagos próximos e nadar, fazer um piquenique na beira d’água, assim como muitos locais!
Festas e feriados
Não conhecer o calendário cultural de um país é um desafio. Nunca parei muito para pensar nos feriados brasileiros, exceto para planejar minhas viagens, e sempre tive a noção de que a maioria dos feriados no Brasil são religiosos, mas como não sou católica, nunca tive muita intimidade com os temas e os porquês de cada um. Chegando aqui, comecei a vida, e de tempos em tempos saía de casa somente para me deparar com uma cidade fantasma, tudo fechado e todos quietos.
Outras vezes acordava com tambores na janela, para descobrir uma procissão ou um desfile de rua, em dias que não me remetiam a nada.
Algumas vezes cheguei a ter a triste surpresa de tentar fazer mercado, não tendo absolutamente nada em casa, apenas para descobrir que o mercado permaneceria dois ou três dias fechado e eu teria que me virar com pizzas, kebabs, e a pipoca de micro-ondas que ainda habitava meu armário da cozinha.
Outro ponto é que existem feriados nacionais, feriados da generalidade e feriados locais. Então mesmo quando busquei um calendário de feriados da Espanha, descobri que precisaria de um com os feriados da Catalunha e outro de La Seu D’Urgell. Em alguns dias era feriado aqui, mas não em Barcelona, que também está na Catalunha, por exemplo.
Recomendo fortemente que você busque o calendário de festas e feriados do país e da cidade para o qual vai se mudar e marque no celular, ou coloque na porta da geladeira, para incluir esses momentos no seu planejamento diário, especialmente se você trabalha em home office, como eu, o que diminui bastante a interação com os moradores locais. Para ajudar, segue aqui o link para feriados da Catalunha 2017, mas caso vá para outra região e outras cidades, busque também o da cidade. Geralmente o site da prefeitura (ajuntamento) disponibiliza.
Horários bancários
Quando chegou minha primeira conta de água, sentei ao computador, toda feliz, com minha xícara de chá, pronta para os pagamentos on-line, como estava acostumada (minha vida gira muito em torno da internet). Ao ler com atenção, contudo, percebi que não havia código de barras e nem números como estava acostumada. Saí de casa e passei no caixa eletrônico do banco, e não consegui nada. Era hora da siesta e tive que esperar o dia seguinte. Fui ao banco e, depois de pegar uma fila tremenda, a caixa me informou que aquela conta só poderia ser paga no Santander, nas terças-feiras e quintas-feiras entre 8h30 e 10h30. Olhei para ela incrédula, mas foi assim que descobri que cada conta só pode ser paga no banco conveniado para receber aquele pagamento e nos horários específicos de pagamento de cada banco. Quando fizer seus contratos, de aluguel, internet, etc., já busque se informar sobre isso. Salva muito tempo e aborrecimento.
Eu ainda me pergunto se o maior choque foi por ter mudado de país ou de uma cidade tão grande para uma tão pequena. E vocês, já tiveram esse tipo de problema? No Brasil, ou fora dele?
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