Nesse post, continuo a relatar curiosidades sobre Hong Kong em alguns aspectos culturais que me chamam a atenção. Para ler a primeira parte, clique aqui. Vale lembrar, que falo a partir do meu ponto de vista, ressaltando o que é diferente em relação à nossa cultura. Sei que as generalizações são uma armadilha, mas não devem ser de todo descartadas. Sempre que possível, compartilho algum caso que aconteceu comigo e que ajuda a ilustrar a situação. Vamos lá:
Antes de vir para a Ásia, eu já tinha tido oportunidade de conhecer a cultura japonesa de negócios. Entre vários aspectos, uma das coisas que aprendi é a importância concedida ao cartão de visitas. Quando trabalhava como relações internacionais em uma faculdade em Belo Horizonte, ao pedir comprovante de endereço para os estudantes japoneses, eles me entregavam o cartão. É quase como a identidade deles. Há todo um protocolo para entrega e recebimento do cartão: ele é entregue com as duas mãos e com o nome virado para a pessoa. Quem recebe também deve pegá-lo com ambas as mãos, ler na frente da pessoa, agradecer e não guardar ou colocar no bolso imediatamente. Enfim, quando cheguei em Hong Kong vi que também há esse protocolo dos cartões. E vai além: não é só cartão de visita que é entregue com as duas mãos. Ao pagar uma compra em supermercado ou loja, eles entregam o recibo e devolvem o cartão ou o troco com as duas mãos também. Eu acho pouco prático porque, na maioria das vezes, minha outra mão está ocupada com alguma coisa. Mas, como o ditado popular diz: “em Roma faça como os romanos” e como não quero parecer desrespeitosa, acabo me atrapalhando toda, equilibrando as coisas no queixo ou debaixo do braço, para poder usar as duas mãos.
Relacionado ao tema de pagar as compras, outro hábito que achei interessante é que, ao receber o dinheiro ou o cartão para pagamento, a pessoa do caixa fala em voz alta o valor da nota ou a bandeira do cartão: “50 dólares” ou “Visa”. A conclusão que cheguei sobre a razão é que isso evita problemas de troco. Por exemplo: quando uma pessoa pensa que entregou uma nota de 50 mas entregou uma de 20 e espera receber troco a mais. É como uma proteção do negociante. Isso deve ser sabedoria chinesa, afinal, estou comprovando o significado da nossa expressão “negócio da China”, pois pelo que pude observar até agora, chinês realmente é bom de negócio e em lidar com dinheiro.
Em geral, os chineses estão acostumados a obedecer regras e ordens, sem pensar. Nas plataformas para esperar o metrô, há setas no chão indicando onde as pessoas devem esperar, para que quando o trem chegue, os passageiros possam sair primeiro sem trombar em ninguém. Realmente a maioria das pessoas espera nesses lugares demarcados. Isso significa também que são menos flexíveis. Me lembro de uma vez em que pedi um sanduíche de ovo com salada. Pensei que viria um ovo frito ou mexido, mas quando a mulher foi montar o sanduíche, vi que era maionese de ovo, que eu não como. Pedi para ela não colocar, mas aí ficou só pão com alface e tomate. Vi que havia outros itens de salada e pedi que ela colocasse milho no lugar do ovo. Ela falou que o milho era só para quem comprasse salada. Eu falei que, estava só substituindo, que não haveria perda econômica. Ela me olhou primeiro com cara de confusa, depois, diante da minha insistência, não me deu bola e virou as costas.
Em outra ocasião, fui comprar um remédio na farmácia e, ao pagar, vi que o preço estava o dobro do que estava escrito na prateleira. A funcionária foi comigo e viu que o preço correto seria o que estava escrito e que o erro era no sistema. No entanto, ela disse que não podia alterar o preço no sistema e que, portanto, teria que me devolver o dinheiro e eu ficaria sem o remédio. Até dei uma solução: era só passar outro produto do mesmo valor no sistema e me dar o remédio correto. Ela disse que só o gerente poderia autorizar isso e que ele não estava no momento. Fiquei sem o remédio.
O povo aqui dorme em qualquer lugar. Sério. No metrô sempre tem alguém dormindo, inclusive entre as pessoas que estão de pé! Na biblioteca sempre tem alguém debruçado à mesa e colocando o sono em dia. Viajei com um grupo de estudantes e toda vez que tínhamos algum tempinho de espera, alguns achavam um cantinho e, deitados ou sentados, tiravam um cochilo. Já li que é porque o pessoal trabalha muito e tem pouco tempo para dormir. De qualquer maneira, eu que custo a pegar no sono, acho isso impressionante. Há algum tempo saiu uma história no jornal que me chocou, mas depois entendi melhor como pôde ocorrer: vários McDonalds em Hong Kong funcionam 24 horas. Juntando isso o fato de terem ar condicionado e o preço ridiculamente alto da moradia, temos o fenômeno de que algumas pessoas literalmente passam a noite no McDonalds. São pessoas que moram nas ruas e se abrigam durante a noite no restaurante de fast-food (alguns moradores de rua aqui trabalham, mas não ganham o suficiente para pagar por moradia. Estas pessoas têm direito a uma moradia subsidiada, mas as condições não são boas e preferem ficar na rua-saiba mais sobre essa situação complexa aqui). Quando vamos a um McDonalds durante a madrugada, vemos um monte de gente dormindo, deitadas nos bancos ou encostadas nas mesas. A notícia que me chocou foi que uma mulher foi encontrada morta em um McDonalds no centro e quando foram analisar pelas câmeras de segurança, descobriram que ela havia tombado a cabeça e morrido 7 horas antes que alguém notasse! Ela ficou esse tempo todo lá e as pessoas achando que ela estava dormindo… Isso só aconteceu porque é comum ver pessoas dormindo em público.
As pessoas em Hong Kong geralmente andam muito de-va-gar. Quase em câmera lenta. Isso em uma cidade lotada de gente, faz com que não haja muita oportunidade de “ultrapassagem”. Quando estou com pressa me sinto em uma tortura chinesa, com perdão do trocadilho. Andar na rua ou em estações de metrô na hora de pico pode ser enervante (veja vídeo abaixo). Às vezes me sinto em um videogame, só que ao invés de carros, tenho que desviar de pessoas em câmera lenta. Meu esposo brinca que os chineses têm 3 velocidades de caminhar: devagar, muito devagar e olhando pro celular. Já aprendi a não confiar na distância que o Google maps dá para ir a pé a um lugar pois ele sempre calcula a mais. No meu primeiro dia em Hong Kong, olhei o caminho do hotel para a estação de metrô e deu 20 minutos. Fiquei chateada, porque quando reservei, o hotel dizia ser perto da estação. Programei para sair com tempo e em 5 minutos cheguei. E não foi só essa vez, portanto, o aplicativo sempre calcula a mais, não sei se contando com o tanto de gente na rua ou com a “velocidade” chinesa de caminhar. Após um ano em Hong Kong, fomos de férias para a casa dos meus sogros, em um vilarejo no interior da Inglaterra. Ao virar em uma rua, vimos um casal de costas, andando devagar. Mesmo sem vermos seus rostos, olhamos um pro outro e falamos: são chineses. Realmente, ao ultrapassá-los, vimos que tinham os traços asiáticos. Ou seja: já estamos reconhecendo os chineses só pelo jeito de andar.