Diário de uma sobrevivente do tufão mais forte da Terra.
No Japão é muito comum a ocorrência de desastres naturais, tais como terremoto, maremoto, tufão, erupção de vulcão e enxurradas. Por isso, as prefeituras estão preparadas para orientar a população de como proceder em casos de emergência. Atualmente, com o avanço da tecnologia, é possível acompanhar a rota do tufão, verificar o epicentro do terremoto e receber alertas de emergência, em tempo real, pelo celular.
Que terremoto, que nada
Eu fiquei espantada quando uma amiga japonesa me disse que tinha mais medo de trovão do que de terremoto. Entretanto, depois de quase 5 anos de idas e vindas para o Japão, eu comecei achar o terremoto um fenômeno normal e às vezes até estranho quando fico dias sem sentir um abalo. Graças a Deus, eu não presenciei o grande terremoto seguido de tsunami que atingiu o Japão, em 2011. Por isso, o maior susto que eu havia levado, até então, foi um dia em que eu tive que correr para chegar em casa ao escutar o barulho incessante e assustador de um tufão atrás de mim, derrubando as coisas pelo caminho.
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Temporada de tufões
Diferente de um terremoto que pode ocorrer a qualquer momento, a temporada de tufões no Japão ocorre de forma mais frequente entre os meses de agosto e outubro. Além do vento, traz muita chuva, o que provoca, como consequência, inundações e deslizamentos de terra. Logo que um tufão se aproxima, os noticiários trazem informações constantes sobre as possíveis rotas, intensidade do fenômeno e lançam alertas para que a população tome as providências necessárias.
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Kit de emergência
Para essas situações é necessário providenciar um kit de emergência (mochila com documentos, alimentos e pertences básicos), armazenar água (uma vez que pode ocorrer corte no abastecimento), proteger os vidros das janelas (recomenda-se colar fitas), arrumar os objetos que possam voar, fazer estoque de produtos (em caso de abalos maiores, é possível que certos produtos não sejam repostos prontamente por conta da logística necessária) – lembro que certa vez um terremoto na região norte do país abalou vários dias a entrega de leite e pão em minha cidade, distante aproximadamente 1.000 km do local.
Alerta máximo: dia 7 de outubro
Eu estava bem tranquila no meu canto, quando me deparei com a seguinte notícia no início da semana: prepare-se para a tempestade mais forte da terra. Não, eu não estava lendo errado. O olho do supertufão Hagibis iria passar na minha cidade. E pior, o tufão era maior do que o país, então parecia que não havia local seguro para se proteger. Logo imaginei aquelas cenas clássicas: carros, casas e bois voando no meio do caos. Eu nunca havia visto nem ouvido nada parecido ocorrer no país.
E assim, torcendo para que o Hagibis desviasse da rota, tentei levar a semana numa boa. Mas, no meio da semana, as pessoas começaram a correr para as compras. E todos diziam: compre água, alimentos não perecíveis e lanternas/velas. Era preciso se preparar para uma possível queda de energia, falta de mantimentos, ausência de internet, água e gás. Na passagem do último tornado, algumas cidades ficaram dias sem luz, água e gás.
Nem preciso dizer que quando eu fui ao supermercado, na véspera da passagem do tufão, alguns itens, tais como leite, pão, água e carne já não eram mais encontrados nas prateleiras. Eu comprei o que encontrei. O clima estava começando a ficar tenso: chuva, prateleiras vazias, trânsito intenso, voos suspensos, aviso de interrupção do serviço de trens, cancelamento dos jogos da Copa do Mundo de Rugby, alteração do cronograma do GP de Fórmula 1, só para citar alguns.
O dia D: 12 de outubro
No dia D, que era o dia 12 de outubro (sábado), seguindo orientações, fiquei em casa o dia inteiro me preparando para o pior e acompanhando as informações em tempo real e monitorando a rota do tufão pela internet. Moro na província de Saitama, 30 km de Tóquio, das 63 cidades que compõem a região, 95% estavam com alerta de chuva intensa e informações sobre evacuação. Choveu o dia inteiro, tanto que logo pela manhã já recebi um alerta de enxurrada pelo celular. A cidade de Ichihara, em Chiba, distante menos de 100 km de onde estava, já apresentava um cenário dantesco com carros submersos e casas totalmente destruídas pelo vento. Várias rios transbordaram e inundaram cidades.
Acompanhando as imagens, o Hagibis iria atingir a minha região por volta das 23h. As imagens e informações que via eram terríveis. Para piorar, ainda senti um terremoto que teve magnitude 5,7 na escala Richter, com epicentro na costa sudeste de Chiba. Por volta das 22h30 as rajadas de ventos começaram a aumentar. Contudo, devido ao cansaço e o stress do dia, eu simplesmente desliguei o celular e dormi.
O dia seguinte
Só acordei no dia seguinte com o canto dos pássaros e o barulho dos helicópteros sobrevoando a região. O dia amanheceu lindo e radiante. A primeira coisa que eu pensei foi: eu sobrevivi! No entanto, fiquei sabendo que a madrugada foi sinistra. Em muitos locais foram emitidos muitos alertas e sirenes de emergência, inclusive próximo do meu bairro. Muitas pessoas passaram a noite em claro ou foram orientadas para procurar um refúgio ou lugar seguro em decorrência do nível da água do rio estar aumentando.
Em nossa região não houve maiores danos. No dia seguinte estava tudo normal. Nem sinal da tensão do dia anterior. No entanto, o Hagibis foi considerado o pior tufão nos últimos 60 anos: 10 mil casas foram danificadas, 200 mil pessoas passaram a noite em abrigos, 425 mil residências ficaram sem luz e água, 88 pessoas morreram e 19 rios transbordaram inundando estradas e áreas residenciais.
Lição de solidariedade
Mas, o mais surpreendente foi assistir a imensa onda de solidariedade que surgiu nesse cenário: a ação intensa de voluntários. Pessoas oferecendo ajuda, empresas de telefonia anunciando reduções e prorrogação dos prazos de pagamento, empresas de roupas fornecendo kit de roupas gratuitos às vítimas, shoppings realizando campanhas de arrecadação de roupas e dinheiro. Mais de 90 mil pessoas contribuíram com a campanha aberta pela Yahoo! e a empresa pode encaminhar mais de 700 mil dólares para os locais mais atingidos, 3 dias depois do acidente.
O governo do Japão anunciou que os moradores das regiões atingidas receberiam tratamento preferencial para fins administrativos: poderiam atualizar seus documentos após as datas de validade, sendo que inclusive os residentes estrangeiros teriam tolerância no prazo de renovação do visto.
Importante ressaltar que o tufão Hagibis acumulou energia porque a temperatura dos mares estava mais alta que o normal. Por conta do aquecimento global, o risco de desastres causados por chuvas torrenciais está aumentando ano a ano e cada vez mais novos desafios surgem. Mas não pense que acaba aqui, duas semanas depois, mais um grande tufão se aproximava, só que dessa vez, por solidariedade, ele desviou a rota e tomou outro rumo.