Não, esta não é uma história sobre caracóis. A verdade é que, como bióloga apaixonada pelos animais, são inevitáveis as comparações com esses seres fantásticos, extraindo deles todo tipo de aprendizado para a nossa vida. Os caracóis, por exemplo, têm ajudado a me adaptar. Duvidam? Olhem só o que eles têm a nos ensinar:
De repente eu me vi em Abu Dhabi. Antes disso, dividia o meu tempo e infinitas passagens no cartão de crédito entre o Brasil e a Espanha. O marido, que na época era namorado, foi para Madri a trabalho e tivemos que lidar com a considerável distância que o Atlântico colocou entre os dois continentes. No meu caso, ir para AD foi o único jeito de morar definitivamente com o meu esposo (por questões burocráticas no meu trabalho, que não vale a pena relembrar).
E aí veio a primeira lição dos caracóis: somos infinitamente pequenos diante das vicissitudes da vida, mas nada e nem ninguém pode nos impedir de caminhar rumo àquilo que desejamos. As pedras não saem do nosso caminho, nós é que precisamos aprender a desviar delas. Somos seres livres, dotados de vontades próprias e eu escolhi lutar por esse relacionamento à distância – e, no fim, deu tudo certo. Acreditem, dá certo!
Caracóis, apesar de pequenos, são fortes. Eles conseguem suportar mais de 10 vezes o seu próprio peso. Não tenho dúvidas de que essa característica é fundamental não só para nós, que viemos para o Oriente Médio, mas para todos que saíram de seus países, de suas zonas de conforto, e foram passar incontáveis perrengues em outro lugar. Ser forte não é uma opção, mas uma questão de sobrevivência!
Em Abu Dhabi, um país predominantemente muçulmano, com verões sufocantes, a uma considerável distância do Brasil e onde todos os serviços VoiP são bloqueados, essa força é que nos mantém de pé (e sãos) para, só depois, aprendermos a aproveitar o que essa terra tem a nos oferecer.
Sejamos como os caracóis, famintos! Desde que cheguei não passo uma semana sem ir ao supermercado. São minutos e horas esmiuçando cada prateleira de todas as sessões. Antes que comecem a achar que eu sou a personificação da Magali, já explico: a gente não aprende a gostar de um lugar só porque é bonito, bem conservado e seguro, que é o caso de Abu Dhabi; as pequenas-grandes felicidades do dia a dia têm um papel fundamental no nosso processo de adaptação.
Eu resolvi abraçar a cidade e tudo que ela poderia me oferecer. Se está calor demais, então provo um sorvete desconhecido. Se estou com sede, compro um suco diferente. Às vezes gosto, às vezes não, mas e seu eu nunca tivesse experimentado? Jamais saberia o quanto um pão sírio feito na hora é gostoso… Ou aquele sal de limão é maravilhoso… Devore tudo, caracol!
Nem só de comida vive o homem, ou o caracol. Aprendi com essas pequenas criaturas a diminuir o meu ritmo e a “hibernar”. Mais de 95% das mulheres que conheço em Abu Dhabi estão acompanhando seus maridos. São mulheres que têm suas profissões, mas que deixaram seus trabalhos para se ocuparem da família, da casa e, por que não, de si mesmas. Abu Dhabi é uma cidade grande, espalhada, onde o transporte público é quase inexistente e o clima, como já falei, pode ser impiedoso. Aqui é complicado ter carteira de motorista e arrumar emprego é desafiador. Junte todos esses fatores e imagine que nós, as esposas, passamos a maior parte do nosso tempo em casa. À toa?
Eu não diria… Estamos hibernando de outras preocupações que antes eram muito presentes na nossa vida: trabalho, trânsito, bancos, família, compromissos. Hibernar não significa ócio. Significa dar vazão a uma necessidade fisiológica que temos, mas muitas vezes ignoramos: nos aquietar.
Vejo em Abu Dhabi uma oportunidade de me dedicar aos meus interesses genuínos: a leitura, a escrita, a culinária ou, simplesmente, ficar olhando pela janela – o marido nunca entendeu muito bem como isso funciona. Passar horas sozinha em casa numa cidade desconhecida e em um país distante te aproxima da melhor pessoa que você poderia ter como companhia: você mesma! Afinal, se a gente não consegue se suportar, imagina o outro, imagina o lugar.
Experimentar os Emirados tem sido me experimentar. Acho que ser esposa/acompanhante aqui traz um pouco disso para todas nós, cada uma à sua maneira, de ver a própria situação, mas sempre se redescobrindo e se reinventando todos os dias.
Os meus amigos gastrópodes, além de pequenos, perseverantes, fortes, gulosos e lentos, são também hermafroditas. O que podemos extrair dessa característica deles é a sua capacidade de ser 2 em 1; ou, quem sabe, 3 em 1, ou 4 em 1. Este blog é escrito por mulheres, mães, profissionais, esposas, pessoas que têm suas próprias vidas e vêm aqui compartilhar experiências com vocês. Sempre é possível acumular mais uma função.
Antes de Abu Dhabi eu era bióloga, mestre, servidora pública. Agora, sou esposa, dona de casa, escrevo um blog e continuo sendo tudo aquilo que era antes. Quem disse que precisa ser uma coisa só? Ou que uma anula a outra? Ora essa, eu posso ser o que eu quiser, não é mesmo?
E, para encerrar, talvez a lição mais importante que os caracóis tenham me ensinado para essa vida de expatriada: a levar o meu lar comigo aonde quer que eu vá. Mas ao contrário deles, eu não o carrego nas costas, mas dentro do coração… Para isso não tem receita, ou fórmula mágica; é algo que, quando se aprende, te leva para mais perto da felicidade.
29 Comments
Polly querida, muito bem vinda!!!Texto lindo, poetico e verdadeiro… Temos tanto em comum: Abu Dhabi, Biologia… e agora voce chegou para somar ainda mais ao BPM!!!!Sucesso nessa e em todas as suas jornadas!!! Bjs
Oiii Renata! Muito obrigada pelas palavras e pelo apoio sempre! Realmente, temos vários pontos em comum, mas principalmente acho que é o gosto por viajar! hehehe. Beijo grande!
Lindo texto. adorei mesmo . Bjs e Bem vinda
Oi Cíntia! Muito obrigada!!! Beijos
Lindas palavras…me senti dentro do seu texto pois chegamos no mesmo mes em AD, pouco tempo mas ja tantas coisas e momentos diferentes vividos e vistos! Parabens! 🙂
Tasi, obrigada pela visita, querida! Realmente, parece que estamos há décadas em Abu Dhabi, não é mesmo? Beijão!
Parabéns e Sucesso! Você é merecedora! Excelente texto.
Obrigada, caracol-mãe! =*
Pingback: Brasileiras pelo Mundo – os caracóis | Diário de Polly
Ta otimo Polly, vc e escritora mesmo e muito romántica. Adorei. Bjosss
Obrigada, Maria!! Beijo no coração!
Lindo texto, Pollyane… Todo lugar deste mundo deixa um pouco em vc, da mesma forma que sei que os lugares por onde vai ganham um pouca da sua essência… Orgulho-me de vc..
Que lindo isso… Muito obrigada! Beijo grande e saudades :*
Polly, adoro ler seus belíssimos textos, este último, quanto os outros, esclarecedor e bem redigido, demonstra conhecimento e amor em tudo que se propõe fazer, só me remete a te admirar cada vez mais, de certa forma, poder nos aproximar, viajar junto nas histórias e lugares por você contados!
Muito obrigada por acompanhar tão assiduamente as minhas aventuras por aí.. Hehe. A intenção é justamente essa: levá-los comigo através do texto! Beijoo!
Você domina bem as palavras, hein!?
Não entendo muito de caracóis, mas essa analogia ficou sensacional!
Mil parabéns!
Os caracóis são demais!!! Obrigada pela visita e pelo elogio! Bjo grande!
Nossa, que texto lindo. Chorei!!! Parabéns pelo blog! :*
Obrigada, Amanda! Volte sempre! Hehehe. Beijoo
Parabéns, acho que você vai ter que fazer outro curso superior, Jornalismo, para que em suas andanças pelo mundo possa aflorar esta nova faceta de sua personalidade, saiba que pode contar sempre conosco e sucesso sempre.
Hahahaha. É uma ideia, né? Mas não sei não… Tá bom assim, só curtindo como hobby mesmo. Vai que se virar profissão fica chato? Rs. Obrigada pela visita! Beijoo
Oi, Polly.
Adorei seu texto. Estou morando na Holanda, mas me vi no seu texto! Obrigada!
Bjos!
Oi Helena! Que legal que vc tb se identificou! Muito obrigada pela visita. Beijo!
Oi Polly!
Amei o seu texto! Nunca imaginei uma relação tão próxima com os caracóis. Mas sim, verdadeiramente, também posso afirmar que estou carregando minha casa bem juntinho de mim, dentro do coração!!!
Posso me considerar, no seu texto, parte do grupo de menos de 5% das mulheres que estão acompanhando o marido em Abu Dhabi… rsrs Sim, no meu caso, eu que vim para trabalhar, mas vim só. 🙁 Deixei família, amigos e meu noivo, todos me esperando com o coração apertado…
Cheguei depois de você, fim de novembro, e também estou descobrindo tudo. Morri de rir ao ler que não sou a única a passar horas e horas no supermercado, esmiuçando cada prateleira! rsrsrs
Um grande beijo!
Bia (mais uma brasileira corajosa pelo mundo!!!!)
Oi Bia! Muito obrigada pela visita e pelo seu comentário. Puxa, vc veio sozinha… Que coragem e desprendimento! Espero que esteja gostando da cidade e de td que tem descoberto por aqui! Vc já faz parte da comunidade de Brasileiras em Abu Dhabi no Facebook? Somos muitas brasileiras por aqui, acompanhantes ou trabalhadoras, junte-se a nós! Te desejo muita sorte e uma suave adaptação! Beijo grande e volte sempre ????
Polly, mais uma vez vc arrasou! Consegue colocar no papel tudo o que todos nós expatriados sentimos e isso faz com que não nos sintamos sós, porque vemos que há tantas pessoas vivenciando o mesmo que cada um de nós mundo a fora.
Oi Fran, obrigada pela visita. Fico muito feliz ao ler comentários como o seu! Realmente, é muito bom sabermos que apesar de tantas distâncias, somos na verdade uma grande família de expatriados que têm os mesmos sentimentos. Volte sempre e beijo grande!
Lindo texto Pollyane! 🙂
Pingback: Brasileiras pelo Mundo - os caracóis - Diário de Polly