Nascida em Brasília, Juliana Aguiar estudou dramaturgia, mas resolveu fazer um curso de espanhol em Madri por três meses que mudaria sua vida. Depois de estágios em restaurantes de renome como o Mugaritz, e uma volta ao Brasil, ela decidiu ficar na Espanha e abriu em Madri o Santo & Deli, um restaurante de comida mediterrânea com sotaque brasileiro que também é delicatessen.
Conte-nos um pouco da sua trajetória.
Cheguei aqui em 2000, e a moeda ainda era peseta. No Brasil era atriz, mas não estava satisfeita com minha profissão e vim para Madri fazer um curso de espanhol por três meses e me apaixonei pela Espanha. Quando surgiu a pergunta “o que eu vou fazer agora”? quis uma profissão que fosse um sacerdócio tanto quanto a dramaturgia e como já gostava de cozinha entrei por este caminho.
Qual foi a sua formação?
Meu conhecimento é empírico porque nunca frequentei uma escola. Fiz estágio em bons restaurantes e tive sorte de trabalhar com gente que me exigiu demais e assim descobri que levava jeito para o fogão. Aqui na Europa, como no Brasil, todo mundo pensa que se você não conseguiu fazer nada melhor na sua vida, basta ir ao ramo de hotelaria porque é um setor fácil. Isso não é verdade. Fazê-lo bem é difícil: tem que ter raça e isso eu tenho.
Como é trabalhar em restaurantes de prestígio?
Nesses grandes estabelecimentos, o estagiário não recebe, mas eles abrem todos os segredos para você. Tem gente que vê isso como exploração, mas sempre encarei como uma via de mão dupla onde podia absorver todos os conhecimentos. Porque eles ensinam a você, sem restrições, tudo que eles desenvolvem de ponta em termos de cozinha.
E quando os estágios terminaram?
Em 2005, decidi que estava na hora de voltar ao Brasil para dar um salto na minha carreira. Como meu pai morava no Rio de Janeiro, vivi na cidade e fui trabalhar no antigo “Ateliê Culinário”. Porém, chegou um momento, que me faltou trabalhar o produto, porque isso no Brasil é complicado. Nós temos uma variedade riquíssima e bons alimentos no Brasil, mas é muito difícil viajar e é caro fazer esse produto chegar fresco ao cliente.
Nesse ponto, senti que desejava completar minha formação e pensei em fazer um curso em Nova York. Porém, uma amiga daqui me sugeriu que deveria voltar à Espanha, pois tinha o visto; e nessa época, os melhores cozinheiros estavam aqui.
Qual é a proposta do seu restaurante?
A proposta do Santo é servir uma comida que eu gosto de comer e, por isso, coloquei várias regras, pois os limites te obrigam a ser criativo. Uma delas é não servir nada frito e nada com gordura. Queria um restaurante onde qualquer pessoa pudesse se identificar e como estou no centro de Madri, onde há muitos turistas, pensei em fazer uma comida mediterrânea, pois esta engloba vários países. Afinal, nosso país é super mestiço e o que sirvo é influência de tudo que já experimentei e que talvez não seja tipicamente brasileiro. Quem sabe a maneira de servir com vários acompanhamentos seja brasileira. Vou adaptando: faço steak tartar de picanha e não de filé mignon.
Qual é a reação dos espanhóis ao experimentar a comida brasileira?
Tenho a convicção que as pessoas vão a um restaurante brasileiro não porque gostam da comida; afinal, ninguém sabe o que é comida brasileira: eles vêm porque é exótico. Os rodízios foram popularizados porque são fáceis de fazer e isto foi vendido no exterior como comida brasileira. No entanto, se formos à Argentina ou ao Uruguai encontraremos o mesmo estilo de servir a carne.
E quanto às frutas?
Geralmente, os espanhóis comem pouca fruta. Tenho cinco sobremesas com frutas, mas a mais pedida é a de chocolate. Mas sinto que cada vez mais eles estão se abrindo e experimentando novos sabores; afinal é muito difícil as pessoas quererem algo novo.
Além do restaurante, você fez uma série onde ensinava fazer pratos típicos do Brasil para o “Canal Cocina”.
Exato. Os programas estavam divididos por regiões e alguns vídeos foram dedicados somente aos estados da Bahia e Minas Gerais que tem uma culinária mais variada. Atualmente, dou aulas numa loja de produtos culinários que também é uma escola de cozinha no centro de Madri, o Alambique.
Você já sentiu preconceito por ser brasileira?
Quando cheguei aqui era difícil ver brasileiros ou sul americanos em bons cargos. Também não eram todas as pessoas que alugavam imóveis para estrangeiros a ponto dos meus amigos espanhóis terem que falar por mim ao telefone. No entanto, Madri mudou muito e hoje todos estão acostumados com a presença dos expatriados.
O que precisamos mudar é a maneira que mostramos as brasileiras no exterior e acabar com essa imagem sensualizada e sexualizada da brasileira. Nesta Copa do Mundo, transmitimos os jogos do Brasil e um grupo de catalães veio ver as partidas. Um deles perguntou ao garçom onde estavam as mulatas, quando começaria o show de samba e coisas do gênero. Não fiquei com raiva porque é isso que se vende aos turistas. Como eles poderiam ter uma visão diferente?
Sente falta do Brasil?
Sou muito desgarrada porque meus pais me criaram para o mundo e saí de casa cedo. Agora, com as novas tecnologias, tudo ficou mais fácil. Falo com minha mãe todos os dias, escrevo sempre aos meus amigos e até posso ver novelas brasileiras no computador (risos). Mas claro que sinto falta de ir ao Maracanã e de uma boa roda de samba!
8 Comments
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Que delicia! Amo ler estas historias de brasileiros que se deram bem fora do Brasil – pois sabemos como é difícil. Parabens pela entrevista, ficou otima!
Juliana, que entrevista gostosa? Super no clima de bate papo. Fiquei curiosa pra conhecer sua xará (além de cheia de admiração pela coragem e desenvoltura da moça).
Obrigada! Acho que ficamos mais de uma hora conversando.O clima aconchegante do restaurante também ajudou muito. Abraços!
Uma delicia de entrevista e uma linda estoria, que nos mostra que quando estamos insatisfeitos podemos sim achar novos caminhos que nem tinhamos pensado antes e nos realizar, este fator surpresa da vida, que nos leva a lugares antes nunca pensado acho lindo!
” Aqui na Europa, como no Brasil, todo mundo pensa que se você não conseguiu fazer nada melhor na sua vida, basta ir ao ramo de hotelaria porque é um setor fácil. Isso não é verdade. Fazê-lo bem é difícil: tem que ter raça e isso eu tenho.”
Discordo completamente, Primeiramente falando de Europa, quando a experiencia dela é principalmente na Espanha. Existem muitas Europas e a do Sul e a do norte sao dois mundos completamente diferentes, sem entrar em detalhes sobre Reuno Unido que é um mundo a parte por exemplo. Eu como professora universitaria em uma das escolas mais conceituadas de hospitalidade do mundo e tendo em Montreux mais de 4 universidades internacionais no ramo, posso dizer que se falamos de abrir um restaurante, sim varias pessoas pensam que é facil, mas a verdade é que como profissao é extremamente dura e especializada, na Suiça com todas as leis e sindicato, quase impossivel abrir um restaurante sem ter alguem qualificado na area responsavel! Até mesmo devido ao controle de saude publica, limpeza, forma de armazenar alimentos, temperaturas tudo é muito bem definido! Mas discordancias a parte AMEI a entrevista e ja coloquei no meu caderninho, o nome do restaurante assim quando for a Madrid ja sei onde vou dar uma passadinha pra degustar comida mediterranea!
Parabens Juliana pela entrevista, ficou uma delicia de ler! e Parabens a nossa chefe pela garra e pelo sucesso!!!!!
Ana, concordo que existam várias Europas, mas acho que ela se referia ao senso comum. No mais, iremos juntas ao restaurante quando você vier. Beijos!
Que bacana a entrevista, também encoraja a mudar de área profissional sem medo.
Moro em Salamanca e vou tentar conhecer o Santo quando for a Madrid 😉
Pode ir sem medo, Carolina! E diga que vc ficou sabendo do restaurante por causa da entrevista. 😉 Um abraço, Juliana.