Quando cheguei na Espanha em 2010, achei tudo lindo e maravilhoso, mas um costume me chocava: ainda era permitido fumar nos restaurantes e bares. Café da manhã, almoço e jantar ou cafezinho da tarde, lá estava um ser humano soltando baforadas e jogando a fumaça na sua cara.
Em 2 de janeiro de 2011, porém, o então presidente de governo, José Zapatero, ouviu as minhas reclamações – e as da União Europeia – e sancionou a lei que proibia fumar em lugares fechados. Antes, os estabelecimentos podiam optar por permiti-lo ou não, desde que fosse avisado ao cliente. Assim, em 99% dos bares tinha a plaquinha “está permitido fumar tabaco en este establecimiento”. Afinal, quem ia perder clientes por causa de uma fumacinha?
A lei chegou e levou um tempo para as pessoas se habituarem. Discussões, brigas e mais de uma visita à delegacia aos clientes renitentes que consideravam uma intromissão do Estado ao seu sagrado direito de fumar eram comuns na época da implantação da nova lei. Hoje a lei já foi incorporada à rotina e quem deseja fumar sai do restaurante e faz isso na calçada. Isso sim, sem levar a bebida!
Mas as estatísticas estão aí e não me deixam mentir. Segundo estudos publicados em 2012, os fumantes espanhóis queimam de 10 a 20 cigarros por dia e, mesmo com campanhas anti-tabaco, os adolescentes, especialmente as mulheres, continuam a incorporar este hábito em suas vidas. Como vivo em uma zona com três escolas perto da minha casa é comum ver rodas de adolescentes com cigarro na mão, algo que é cada vez mais incomum no Brasil. A impressão que se tem é que todo mundo fuma e já vi famílias inteiras fumando.
Outra curiosidade é o que fumam os espanhóis. Os maços são vendidos apenas em tabacarias ou através de máquinas em bares e boates. Como o preço é alto, o jeito foi baratear os custos vendendo tabaco, papel e filtro separados para o cliente montar seu próprio cigarro. A princípio, um brasileiro pensa, naturalmente, que se trata de um baseado e acha a sociedade espanhola a mais liberal do mundo, mas é apenas um fumante fazendo seu cigarrinho, tal qual um cigarro de palha.
Aliás, como é a relação dos espanhóis com a cannabis? O consumo da “María” é liberado para o usuário doméstico, desde que ele plante sua própria erva dentro de um limite máximo e não a comercialize. Desta maneira, em Madri é possível encontrar lojas que vendam produtos para o cultivo da planta: fertilizantes, luzes, sementes e tudo mais para fazer sua horta crescer. Em Barcelona, há uma das maiores feiras do gênero, a Spannabis, que reúne mais de 500 empresas do setor e, além disso, se discute desde as políticas de combate as drogas no mundo aos usos da cannabis como remédio.
Igualmente, é possível fumar em clubes criados para este fim, as chamadas associações ou clubes de cannabis sem fins lucrativos, que sobrevivem entre o limbo jurídico, que permite ao cidadão poder constituir uma associação, e a desconfiança das autoridades. São vários modelos de clubes, mas em geral os sócios devem fazer uma previsão de consumo a fim de cultivar um determinado número de plantas para não haver sobra, senão seria caracterizado como tráfico. O consumo deve acontecer em espaços fechados, sem publicidade para terceiros e os usuários não podem ser menores de idade ou apresentar problemas psiquiátricos. Quem quiser saber mais sobre esta iniciativa pode assistir a este vídeo em espanhol.
Volto a repetir: isso não quer dizer que o tráfico seja liberado. Muito pelo contrário. A maconha deve ser consumida em casa, longe dos olhares dos outros cidadãos. Agora, com a direita no poder, as multas para quem for flagrado dando um teco em público aumentaram, assim como as penas para reincidentes.
Aliás, tráfico de drogas – qualquer uma – é punido severamente e não adianta tentar molhar mão do policial para liberar. Por ser um país considerado porta entrada de muitos imigrantes, a polícia espanhola aperta o cerco para aqueles que tentam entrar com drogas no país. Por isso, nada de se empolgar depois do fim da noitada se alguém te oferecer um “porro” no meio da rua porque as consequências podem ser desastrosas. Como já dizia o grande Bezerra da Silva: “se segura, malandro, pra fazer a cabeça tem hora.”