A visita do Papa Francisco às Filipinas em janeiro de 2015 foi o monotema do início do ano no país. Ela foi marcada por três dias de feriados, pela visita de um tufão fora de época, algumas controvérsias e duas missas públicas enormes.
Nem eu, que odeio multidões e não sou católica, consegui escapar dessa ilustre visita: no sábado, na academia, seis das dez televisões que estão em frente às esteiras transmitiam a missa em Tacloban, uma das cidades mais afetadas pelo tufão Haiyan de 2013, e que, naquele momento, se preparava para a visita do tufão Mekkhala. E nem isso desanimou a multidão de aproximadamente um milhão de pessoas que a atendia, de forma eufórica; em sua missa do domingo, no Parque Rizal em Manila, os números foram ainda maiores: estima-se que ela foi atendida por seis ou sete milhões de pessoas, número que, se confirmado, a transformará na maior missa da história.
Para comemorar essas datas, o governo filipino declarou feriado especial os três dias úteis dessa visita. Economicamente, isso foi um problema: as empresas arcaram com um aumento no custo de mão de obra de 30% porque, se uma empresa necessita que seus funcionários trabalhem em feriados especiais, ele tem direito a esse incremento. É, o ano mal começou e acredito que a visita papal já possa ser considerado o evento do ano na Ilha de Lost.
Esse bafafá todo não foi à toa: a última vez que um Papa esteve por aqui foi há 20 anos e esse é o maior país católico da Ásia, com 80% da população sendo católica romana (outros 9,5% são católicos ortodoxos). E não pensem que os católicos daqui o sejam simplesmente por ter uma religião: a Igreja exerce grande influência na população, as missas ficam lotadas e praticamente todos os shopping centers que visitei têm suas capelas com missas dominicais.
As ruas nas quais o Papa passaria foram “limpas” e os indigentes transportados para outros lugares. Dizem, inclusive, que crianças de rua foram presas em cadeias de adultos em uma operação de limpeza que ocorreu desde antes do Natal para que o Papa não presenciasse a miséria do país, mas, se houve relação entre a prisão das crianças e a visita do Pontífice, não sei (as reportagens com fotos saíram, convenientemente, na semana da visita). No entanto, não me surpreenderia se fosse verdade porque, embora duas crianças de rua tenham feito parte da missa no Parque Rizal, uma coisa é mostrar a pobreza e miséria do país de forma “controlada”, em um evento, por exemplo. Outra, completamente diferente, é mostrá-la como ela realmente é…
Reconheço a hipocrisia das minhas palavras, mas acho que esta faz parte de muitas sociedades e a filipina não é exceção. Muitas celebridades que criticaram a cidade ou o país, de forma jocosa ou séria, se tornaram personas non-gratas até que pedissem perdão.
Acredito que se o Papa não fosse o maior representante da Igreja Católica, ele mesmo poderia entrar para a lista por suas críticas a corrupção e desigualdade social, como foi o caso de seu discurso na Catedral de Manila, para os membros do clero, ou mesmo quando prega a paternidade responsável e compara os católicos a coelhos: essa última afirmação, de que muitos acreditavam que, para serem bons católicos, tinham que ser como coelhos rodou o mundo.
Acho que o Pontífice, algumas vezes, escolhe suas palavras para chocar e, assim, tê-las espalhadas pelo mundo. Nada contra: estudei marketing e entendo a importância de discursos impactantes. E, acredito, a Igreja Católica vinha perdendo muitos seguidores por sua forma tradicional e pensamento tacanho que, quando traduzidos em discursos impactantes podem aumentar a popularidade da mesma… Sim, esse Papa é pop…
Mas, mesmo com discursos que chocam, acho que falta um pouco a parte prática. Quero dizer, achei bem interessante quando ele prega sobre a paternidade responsável porque, em minha opinião, a paternidade é muito mais que simplesmente procriar: é ter a consciência de que a formação de um ser humano está, basicamente, em suas mãos e agir como tal. Acho também que é muito fácil falar sobre a paternidade responsável e comparar os católicos a coelhos quando não se mostra os caminhos pelos quais se pode seguir…
Para mim, assim como é claro que a paternidade é sobre responsabilidade, também é igualmente claro que os seres humanos não deixarão de fazer sexo porque a Igreja assim o quer. Tradicionalmente, a Igreja Católica é contra os métodos anticonceptivos artificiais e, ao sancionar a RH Bill que permite a população carente acesso a informações sobre planejamento familiar e métodos anticonceptivos, o próprio governo filipino enfrentou um lobby fortíssimo dos bispos locais. E, como a abstinência sexual está fora da mesa, me pergunto que outros métodos naturais a Igreja aprovaria.
Segundo o World Bank, o índice de fertilidade das Filipinas é de 3,10 filhos/mulher, sendo que os mais pobres são aqueles com maior quantidade de filhos. Aqui, a falta de consciência leva a negligência e ao abandono de crianças (com outros membros da família, no melhor dos casos) enquanto muitos partem para outros países em busca de melhores salários. E nem entrei na questão daquelas crianças que fogem de suas casas e acabam nas ruas, sujeitas a todos os tipos de abuso e violência…
Essa é apenas uma análise superficial do tema, embora acredite que ela não seja incorreta: a quantidade de crianças abandonadas nessa cidade é enorme. Segundo o estudo escrito pelo Reverendo Jeff Anderson, diretor associado do Action International Ministries, há entre 50 e 75 mil crianças vivendo nas ruas de Manila, fora aquelas que trabalham nelas.
O tema é complicadíssimo inclusive porque se sabe que há uma relação direta entre a dinâmica populacional (que inclui o crescimento) e o desenvolvimento de um país (fonte: UNFPA). Ele mereceria ser discutido com maior profundidade, mas o espaço é curto e, mesmo que essa realidade não seja restrita somente às Filipinas, essa é uma das realidades do país e a visita papal foi um ótimo ponto de início para que o tema pudesse ser introduzido…
8 Comments
Morri de rir que a primeira coisa que o papa falou ao sair das filipinas foi:
Parem de se reproduzir como coelhos! Rs
Porque será ? Kkkk
Hahahaha! Nós também! Imagina, Fabi, que estávamos conversando sobre licenças e dias de folga no trabalho quando a diretora de RH começa a relacionar no board as folgas que temos direitos – 15 dias de férias, 15 dias de licença saúde, 60 dias de licença maternidade (7 dias de paternidade para esposa legal), etc e disse: além disso tudo, vocês ainda querem CDO? Eu fiquei olhando para o board e quase falamos “peraí, Jo! Nós não somos filipinas; não temos um filho por ano!”… Pois é…
Otimo texto Tati! Quando estava nas Filipinas achei interessante ver capelas com missas lotadas em shopping centers e em estações de ônibus.
Olá Carolina! Obrigada!!! =)
Eu também acho surtante a quantidade de capelas nos shopping centers! Não consigo acreditar! Hehe!!!
Um beijo e siga acompanhando!
Mas veja bem se você é pobre, não tem televisão, não tem Xbox, não tem trabalho, você esta preocupado e precisa se distrair, olha pro lado e vê o amado então, “voilà”. COELHINHOS. Rsrs
Oi Danielle! Então… É que o planejamento familiar por aqui é muito importante e ninguém tem acesso a ele… E todo mundo tem televisão por aqui! 😉 Hehe! O que falta é educação! =)
Então somos todos brasileiros, não temos o que comer, não temos educação, mas temos televisão. E como algo pode ser tão importante e nada acontece. Por exemplo no catolicismo é muito importante o casamento e muitas pessoas se casam como funciona essa proporção inversamente proporcional. Bom, como Bob Esponja diz “heheheheee”. Ótima matéria.
Oi Dani (vou te chamar de Dani, se estiver bem para você! Hehe), bom, aqui muitos se casam até os 30 anos. E, como não há divórcio, muitos acabam em casamentos infelizes ou se separam e moram com outras pessoas… Sobre a quantidade de filhos… Bem, acho realmente que a falta de planejamento familiar atrapalha muito porque muitos são deixados de lado ou ficam por conta dos avós para que os pais trabalhem em cruzeiros ou como imigrantes pelo mundo!