A palavra que dá título a este artigo é intrigante. Em tempos de gourmetização das coisas, pode até soar um jeito chique de expressar algo que na verdade é relativamente simples. No entanto, francização é o nome que se dá ao processo de integração cultural mais formal, oferecido na província de Québec. E quando digo formal é no sentido de voltar para a sala de aula mesmo, seja em período integral ou parcial.
Para quem imigra para Québec sem muitas referências locais, a francização é um requisito incontornável. Ela possibilita aprender não apenas o francês, mas principalmente aquilo que mencionei no artigo Mergulhando de cabeça na cultura do Québec sobre o savoir-être: como se comportar na vida pública e no trabalho de forma a participar plenamente da vida coletiva.
Existem várias modalidades de cursos de francização, que podem ser presenciais, online, mais específicos por áreas de interesse e até mesmo no ambiente de trabalho. Os cursos oferecidos pelo Ministère de l’Immigration, de la Diversité et de l’Inclusion são financiados pelo governo. No entanto, é possível se inscrever em cursos particulares também. Nesse último caso, deve-se levar em conta a absorção dos gastos envolvidos.
Algumas regras e condições devem ser observadas quanto aos critérios de aceitação dos imigrantes nos cursos oferecidos e subsidiados pelo governo do Québec:
- Pessoas que tenham obtido a residência permanente;
- Pessoas autorizadas a submeter uma demanda de residência permanente;
- Pessoas que tenham obtido asilo;
- Pessoas titulares de uma permissão de estadia temporária emitidas em função de uma eventual concessão de residência permanente ou de uma permissão do ministro;
- Cidadãos canadenses naturalizados.
Para os cursos a tempo integral, parcial ou especializados, medidas de apoio financeiro são acordadas pelo Ministério, mediante certas condições.
Desde 1o de agosto de 2017, imigrantes participando da francização em tempo integral contam com uma alocação de participação semanal no valor de CAD$140, mais ajuda de custo para o trajeto ou transporte, independente da categoria de imigração. Para obter essa ajuda financeira, deve-se realizar a demanda ao mesmo tempo que se faz a solicitação de admissão em curso de francização em período integral junto ao Ministério. Somente após a confirmação de admissibilidade, o Ministério irá propor um prestador de serviços ou comissão escolar e a concessão da ajuda de custo.
Imigrantes matriculados em cursos de tempo parcial podem solicitar a alocação de taxas referentes à utilização de serviços de guarda de crianças durante o período de aula. Nesse caso, é previsto o reembolso das taxas de guarda realmente pagas pelo aluno até o máximo de CAD$25 por dia por criança dependente, em função das diversas situações de guarda. Uma solicitação deverá ser enviada à direção do seu estabelecimento de formação.
Para aqueles que desejam realizar cursos profissionalizantes e que já dominam o francês em nível intermediário ou avançado, são oferecidos cursos especializados em saúde, engenharia e ciências aplicadas, administração, direito e negócios. Nesse caso, também é possível obter ajuda de custo fixa em CAD$7 (por criança de até 13 anos) para guarda de crianças ou de dependente portador de deficiência física.
A opção de francização online é gratuita para os imigrantes que respondem aos seguintes critérios de admissibilidade:
- Pessoas que detêm um Certificat de sélection du Québec – Certificado de seleção do Québec (CSQ) há pelo menos 2 meses e que estão ainda fora do Canadá (idade de 16 anos ou mais);
- Pessoas que são titulares de um Certificat d’acceptation du Québec – Certificado de aceitação do Québec (CAQ) e que já residem no Québec para trabalho ou estudos (idade de 18 anos ou mais);
- Pessoas que residem no Québec com status de imigração válido.
- Não são admitidas pessoas que já tenham alcançado um máximo de 1800 horas de aulas nos cursos de francês do Ministère de l’Immigration, de la Diversité et de l’Inclusion.
Enfim, o que não faltam são opções que se encaixam nos objetivos, necessidades e disponibilidade de cada um. O mais importante é estar ciente dos deveres e direitos, conforme o tipo de programa escolhido. Para maiores detalhes e informações, consulte o link oficial do Governo do Québec.
Segue depoimento da Luiza F. Stefanelli, que está há quase 5 anos em Québec e imigrou para buscar uma vida melhor.
BPM: Qual era seu nível de conhecimentos em francês ou sobre a cultura antes de chegar?
Luiza: Estudei 3 meses no Brasil em curso intensivo para participar do processo de residente permanente. Como passamos por uma entrevista em francês, precisávamos nos preparar bem. Fizemos um curso com um professor particular, assim como um planejamento de custos, objetivos etc. Esse planejamento fazia parte da entrevista e tivemos que aprender para responder bem e passar na entrevista. Depois que passamos, esperamos 1 ano e pouco para o processo acabar e nesse meio tempo tínhamos decidido ir para Ottawa. Então foquei no inglês e deixei o francês de lado. Na véspera de pedirem os passaportes, meu marido recebeu uma proposta de emprego e decidimos imigrar para Ville de Québec. Com a falta de prática, cheguei sem francês porque já tinha esquecido tudo.
BPM: O que esperava da francização?
Luiza: Eu esperava que seria um curso de francês, não pensei que seria um curso de integração. Achei que seria gramática pura.
BPM: Quais foram os pontos positivos e negativos?
Luiza: Eu comecei a francização 3 semanas depois que cheguei em Quebec, fim do ano, em dezembro. Aquele frio e inverno desconhecido. Pontos positivos: como eu estava chegando, foi realmente um bom período para me adaptar. Eu estava fazendo novos amigos, conhecendo diferentes culturas e arrumando minha casa, minha vida. Foi importante para a minha adaptação. O francês existia claro, mas não era o principal objetivo. Tínhamos aula de gramática, mas trabalhávamos sempre em grupos. Com isso, fui aprendendo mais sobre as culturas diversas que vivem aqui e a própria cultura que não está escrita no Google. Eu lembro que o inverno passou rápido, pois eu estava ocupada e com uma rotina estabelecida. Pontos negativos: as aulas à tarde. Achei realmente uma enrolação e no final eu já estava de saco cheio. E isso me desanimou um pouco, porque chegava em casa cansada e sem ânimo para estudar e fazer as tarefas.
BPM: Fez diferença na sua integração na sociedade québécoise?
Luiza: Com a sociedade québécoise não. Porque além das professoras, estava cercada de imigrantes. Mas me ajudou a fazer as coisas mais devagar e dar o tempo das coisas caminharem. Aprendi o francês.
BPM: Que dicas daria para recém-chegados que procuram a francização?
Eu acho que para pessoas que acabaram de chegar, que estão realmente se adaptando, a francização é excelente. Você vai aos poucos se adaptando e se acostumando com a mudança. É importante ter rotina, ver outras pessoas e ter um motivo para sair de casa. Eu fiz parte do grupo das esposas de maridos que já chegam trabalhando, então, eu ainda precisava me encontrar. E a francização me deu essa oportunidade. De ter meu tempo e fazer coisas diferentes do meu marido, de ter uma rotina como ele. Até porque eu não aguentaria ficar em casa o tempo todo, sozinha. Foi importante para mim e para o meu relacionamento.
Algumas pessoas que vieram com o visto de trabalho e não tiveram a oportunidade de fazer a francisação e fizeram depois que se tornaram residentes, não gostaram. Eu acredito que é porque já estavam estabelecidas e o momento era outro. Então, concordo com a francisação feita aos recem-chegados. Mesmo que seja a francisação paga. Depois de 1 ano e meio morando aqui, realmente a pessoa não tem mais paciência e nem saco para as aulas. Pq se fomos pensar ao fundo, a pessoa está ali, mas ja queria era estar no mercado de trabalho. Elas fazem por obrigação e não com a animação de um recém-chegado.
BPM: Que mensagem deixa para os récem-chegados?
Luiza: Diria para não se apressar e ver a francização como uma forma de ter seu tempo para pensar no que quer para sua vida depois. Aproveite, essa etapa será importante para você. Faça as coisas com calma porque a sua hora vai chegar, esse tempo vai passar e mais para frente você terá que tomar decisões e batalhar para chegar aonde quer. Muita coisa acontece nesse tempo, as coisas aqui mudam muito rápido. Inclusive a sua forma de pensar, o objetivo que tinha antes pode não ser o mesmo. Aqui temos a oportunidade de recomeçar, de fazer diferente e ser diferente. E a francisação é esse seu tempo para pensar e analisar. Viva um dia de cada vez e aprecie cada momento. Sou super a favor da francisação. Acho sim importante. Mas se eu pudesse, teria pego aulas apenas no período da manhã.
Outros artigos BPM interessantes sobre integração cultural:
Canadá – Dicas para recém-chegados – Elisa Rabello
Canadá – Boas maneiras – Lila Rosana
2 Comments
Meu marido vai com visto de trabalho, nesse caso eu posso fazer a francização? Pois não teremos o PR.
Ola Mila! Sim, é possível realizar a francização mesmo não tendo PR. No caso do visto de trabalho temporário do seu marido, vc consegue se inscrever, desde que devidamente legalizada. Conheço casos de esposas que vieram nessas condições e que puderem frequentar o curso. No entanto, ele acontece em períodos muito específicos do ano e as vagas são limitadas para cada período. Recomendo que vc leia os critérios de admissibilidade, pois as regras podem sofrer alterações com o tempo e eu não ajusto meus artigos quanto a isso.
Deixarei nesse comentário alguns links uteis:
https://www.immigration-quebec.gouv.qc.ca/fr/immigrer-installer/travailleurs-temporaires/demarches-integration/cours-francais.html
https://www.quebec.ca/education/apprendre-le-francais/
Abraços e obrigada por nos acompanhar!