Galícia, um pedacinho celta no meio da Espanha.
Via de regra, sempre que pensamos na cultura espanhola, imaginamos tourada, dançarinas com vestido de lunares, guitarra flamenca e castanholas. Isso porque, durante a era franquista, os governantes quiseram unificar a visão cultural espanhola para, desta forma, fortalecer os símbolos e identidade nacional, mas, na realidade, não existe uma só cultura por aqui. Pelo contrário, pelo país passaram diversos povos e cada um deles deixou um pouquinho dos seus costumes pela península.
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Se você espera vir a Galícia e visitar um tablado flamenco, ir a igrejas que parecem mesquitas, ou comer uma boa paella, esse não é o seu lugar! Isso porque, por aqui, não há quase nenhuma influência árabe. Por outro lado, graças aos celtas, você poderá ver de perto alguém tocando gaitas de foles, fazendo “feitiço” e, te garanto, vai cansar de ver uns loiros que nada têm a ver com aquele estereótipo “amante latino” do Antonio Banderas.
Diz a lenda que um rei chamado Breogán teria saído da Irlanda em busca de novas terras, quando descobriu a Galícia e fundou aqui a cidade de Brigantia. Nesta cidade, ele teria construído uma torre próxima ao mar, com o intuito de ajudar os navegantes que chegavam às novas terras. Graças à torre e à localização da cidade (ao sul em linha reta desde a Irlanda), supõe-se que Brigantia seria A Coruña, e o farol seria a Torre de Hércules e, graças a essa lenda, alguns galegos se intitulam de “filhos de Breogán”.
Obviamente, não há nenhuma prova de que a Galícia tenha sido descoberta por um rei Irlandês. Por outro lado, há indícios de que os celtas, de fato, habitaram a Galícia durante a idade de bronze, em meados do ano 2000 a.C.
Os celtas viviam em povoados fortificados, os Castros, e suas ruínas podem ser encontradas até os dias de hoje. Estes povos se intitulavam de “galaicos”, e com a chegada dos romanos a região foi batizada de Gallaecia – que, posteriormente, se tornaria o Reino Suevo de Galícia, Reino de Galícia e, só então, Galícia.
Apesar das semelhanças existentes entre os costumes galegos e de outros países célticos, há quem diga que a influência celta foi um dado inventado para “vender” a cultura galega com mais facilidade. Em caso de que esta opinião seja apenas teoria da conspiração, quais seriam as heranças deixadas por este povo em terras hispânicas?
Arquitetura
De todas as informações que eu procurei nos últimos dias, a influência celta na arquitetura galega foi a única, de fato, comprovada por estudiosos.
A Galícia conta, em sua maioria, com monumentos arquitetônicos romanos, como são as muralhas de Lugo e os diversos castelos que se mantem de pé por aqui. Porém, também é possível encontrar ruínas celtas pela região, como é o caso dos Castros do Monte Tecla e o Castro de Baroña.
Os castros, como já dito, são conjuntos de casas, mini cidades por assim dizer, cuja arquitetura pode ser facilmente diferenciada de outros tipos de construção da época. Trata-se de casas circulares, com telhado de palha e que, em geral, tinham um forno do lado de fora. As cidades, normalmente, se situavam em lugares altos – para uma melhor visão, em caso de ataque – e eram formadas por ruas estreitas e cheias de curvas, para acompanhar a arquitetura circular da vivenda.
Acredita-se que os castros tenham pertencido aos celtas graças a símbolos, como espirais e trisqueis, gravados em pedras que datam a mesma época e adornavam tanto as vivendas, quanto os túmulos locais.
Idioma
O idioma galego provém do latim, trazido pelos romanos, que evoluiu ao galego-português e, posteriormente, se transformou no idioma que conhecemos hoje em dia, o galego.
Existem, porém, algumas influências linguísticas do povo que sobreviveram ao tempo e às diversas culturas que passam pela região, principalmente, em nomes de alguns locais.
Estudos de filologia apontam que alguns topônimos galegos teriam raízes celtas, como, por exemplo, o penhasco de Donón, que teria vindo da palavra nemeton (santuário), ou o povoado de Bregantiño, proveniente da palavra brigant (lugar alto).
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Música
A música galega é, sem dúvida, a característica que mais se aproxima da cultura celta, seja pela utilização das gaitas de fole, seja pelos ritmos tocados na Galícia e em outros países de origem celta, que em muito se parecem.
O termo “música celta” é utilizada para nomear canções que seguem padrões medievais, cantos populares deste povo ou cantos considerados espirituais. Verdade seja dita, nunca escutei uma música galega muito espiritual (no máximo, espirituosa), mas pode-se notar a influência medieval em grupos como Luar na Lubre e Carlos Nuñez, e as cantigas populares são reproduzidas por grupos como Leilía.
Além desses grupos, que são mais comerciais (e, de fato, podem utilizar essa influência para vender mais) as cantareiras (grupo, normalmente composto por mulheres, que cantam músicas tradicionais, acompanhadas de pandeiretas) podem ser encontradas em aldeias no interior de Galícia ou em qualquer bar típico da região.
Festividades
Como é sabido, os celtas eram um povo pagão, que tinha a natureza como expressão máxima da Deusa-mãe. Além de crerem no sagrado feminino, a religião era politeísta e celebrava diversas festas místicas ao longo do ano – todas relacionadas com a natureza.
É exatamente no que diz respeito às festas que mora a semelhança entre aquele povo e o galego. Por aqui, desde muito antes de a cultura americana invadir o planeta, já se comemorava, por exemplo, o dia das bruxas, chamado de Samaín, quando se celebrava o fim do outono (e, consequentemente, da época de colheita) e o início do inverno.
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Em algumas regiões, a abóbora talhada durante o Samaín é deixada para secar e, posteriormente, utilizada como máscara durante o Entroido (carnaval de Galícia, que celebra o início da primavera e também teria origem celta).
Como se pode notar, as semelhanças existentes entre os celtas e os filhos de Breogán, seja na fala, nos monumentos, na música ou nas festas, são enormes, mas, ainda assim, a discussão sobre a origem do povo galego vai longe e até o momento não há nenhuma conclusão sobre de onde veio sua cultura. Os celtas estiveram por aqui? Alguns dizem que sim, outros têm certeza absoluta de que não. Eu ainda não sei.
A única coisa que posso dizer sem sombra de dúvida, é que o verde da Galícia é o verde mais lindo do mundo (bem parecido com o Escocês), que a força da natureza pode ser sentida a cada passeio pelo monte (talvez como aconteça em Stonehenge) e que a chuva… ah, a chuva! Esta sim (infelizmente) é igualzinha à da nação celta e não para nunca!
1 Comment
É o oposto pelo que consta na mitologia galega , galesa e irlandesa e bretã. Sendo um dos precursores da cultura celta na Irlanda bem como nas ilhas britânicas os proto celtas oriundos da atual Galiza , anterga “Gallaecia” de acordo com Estrabón e os romanos , ou “Keltia” segundo fontes mais antergas como os gregos e fenícios.