Golpes na internet usando empresas turcas.
O momento que estamos vivenciando tem nos feito repensar muitas coisas como valores, comportamento, objetivos e estratégias. Tem sido um momento em que “pensar no outro” é a palavra de ordem. A expressão do amor, da preocupação, do desejo de ver o outro bem e feliz se traduz em “distanciar-se”. Quão antagônico é isso e quão real nesse momento.
Talvez seja isso que mexa com a cabeça das pessoas, que nos deixa com um vazio em busca de estratégias para alcançarmos objetivos que se tornaram comuns a todos, como a sobrevivência.
Em meio a tudo isso, existem vários grupos de pessoas: as que assistem tudo aguardando as respostas, as que assistem tudo e procuram colaborar de alguma maneira e as que assistem tudo e procuram tirar proveito da situação. Sim, infelizmente existe esse grupo. E é sobre esse grupo, especificamente, que vamos tratar, hoje, neste texto.
Na realidade, será um texto de alerta – um alerta necessário para todos que não se enquadram nesse terceiro grupo.
A Turquia é um país lindo, com muitos atrativos naturais, turismo atraente e um povo muito hospitaleiro. Mas como todo país, ali habitam pessoas; e como todos sabem, as pessoas são diferentes e têm objetivos diferentes.
Existe um grupo que tem aplicado golpes na internet em pessoas no Brasil. E tem feito isso com pessoas que realmente encontram-se mais fragilizadas pelo momento atual, os desempregados. Os golpistas são turcos, até onde conseguimos saber; e usam números de telefone, endereços, sites e e-mails turcos. Encontram suas vítimas nos sites de empregos e iniciam o contato.
Oferecem o emprego dos sonhos, enviam propostas falsas, documentos falsos e iniciam uma seleção para a vaga proposta, via Skype. Tudo parece muito real e convincente. Para quem não tem conhecimento sobre a Turquia, pode acabar caindo nesse golpe, como alguns brasileiros já caíram.
Eles entraram em um dos maiores sites de emprego e ali fazem suas vítimas. Dizem que analisaram o currículo e que atende ao que a empresa está buscando. Perguntam se a vítima tem interesse em participar de um processo seletivo online. Falam um pouco sobre a proposta da empresa e do cargo. Na maioria dos casos ninguém aceitou logo de cara, porque a insegurança é a primeira coisa que vem à cabeça. Mudar de país, levar a família ou não, o idioma, enfim, muitas coisas passam pela cabeça na hora da oferta. Nesse primeiro contato não é dito sobre o salário, apenas passam informações sobre o cargo e a empresa. Se a pessoa tem interesse, envia todas as informações por e-mail. E aí é onde tudo começa.
O site utilizado existe para mostrar a empresa; é real e a empresa também. O que é alterado, então? Os contatos. Um trabalho muito bem feito. O e-mail e o telefone são alterados de forma que a vítima só faça contato com o golpista. O número fixo da empresa permanece o mesmo, mas não se preocupam com isso porque além da barreira do idioma, o atendimento eletrônico também dificulta. Ninguém vai querer pagar uma ligação internacional para ficar esperando minutos ao telefone.
Em seguida, a vítima responde ao e-mail e dá início ao processo de “conhecimento”, que pode durar semanas. Eles têm tempo e paciência. Não insistem em nada. Há casos em que as pessoas decidem aceitar a proposta de participar do processo seletivo online após um ou dois meses.
Nesse processo seletivo, o cenário é de uma sala muito convincente. Inicia-se a apresentação formal do responsável pelo RH da empresa. Mais informações são dadas, as dúvidas tiradas e finalmente o salário é informado. Muito tentador.
Então, as etapas vão passando e a vítima vai sendo aprovada e com isso vai conhecendo outros membros da empresa, inclusive um diretor.
Dois meses podem demorar até que tudo termine e a vítima receba o aval da contratação. Documentos são exigidos nessa fase. Cópia do passaporte e o que mais julgarem necessário.
A vítima recebe um contrato via e-mail e após a assinatura a documentação é enviada, também via e-mail, bem como um visto de trabalho, com uma carteira que chamamos de e-Ikamet (visto de permanência). Em alguns casos, a falsificação é muito grotesca, sendo nítida para quem conhece uma original. Mas para um leigo no assunto, passará despercebido.
Os contatos continuam e o que os favorece é a situação atual, a “pandemia”. Sim, isso é o que os ajuda, pois ganham tempo, já que não podem levar o novo contratado imediatamente.
E onde está o ponto crucial do golpe, em uma cláusula do contrato que diz que a vitima terá que pagar um valor (que pode variar), mas geralmente pedem três mil dólares para todas as despesas de documentação junto à imigração e para o envio pelo correio, após o “novo contratado” receber tudo por e-mail, para que os originais possam ser apresentados às autoridades turcas e policiais, caso exijam durante a viagem.
E é nesse momento em que o “novo contratado” faz o pagamento, porque caso não cumpra com sua parte no contrato assinado, perde o direito à vaga de emprego, com salário de dezessete mil dólares. Diante desse salário, o que são três mil dólares?! É o que muitos pensam. Esse tempo entre receber o contrato, assinar, devolver, receber a documentação, pode variar dois meses, tempo para que a vítima possa providenciar o dinheiro, caso não tenha. É o caso de alguns brasileiros que pediram emprestado para parentes ou fizeram um empréstimo bancário para pagar o contrato, na esperança de viajar e iniciar um novo emprego. E assim, já com o primeiro salário quitar a dívida.
Infelizmente alguns brasileiros acreditaram, confiaram em tudo que viram e fizeram esse pagamento. E aguardam pela viagem sonhada que, segundo os golpistas, só poderá acontecer após essa “pandemia” passar porque não há voos do Brasil para a Turquia. E também porque todos na empresa atualmente fazem home office.
Algumas pessoas desconfiaram em algum momento e me encontraram pela internet, conversamos por mensagens e logo identificamos a fraude. Em alguns casos, tarde demais. O pagamento havia sido feito. Em outros, ainda houve tempo de impedir mais uma vítima.
Alguns procuraram a Polícia Federal, foram orientados a procurar a Polícia Civil e registrar a ocorrência. A Polícia Civil tem um departamento especializado em crimes cibernéticos e é responsável por fazer toda a ponte entre as polícias necessárias.
Reaver os valores não é fácil. Na verdade, nem fica muito a esperança de que isso acontecerá, mas fica a certeza de que, fazendo alertas como esse, impediremos que se façam outras vítimas.
Leia também: Mercado de trabalho para estrangeiros na Turquia
Uma dica bem importante sobre esse e-Ikamet. Ele é dado em dois casos: para quem se casa com um cidadão turco ou para quem irá trabalhar na Turquia. No primeiro caso, casamento, ele é na cor rosa; e no segundo caso, trabalho, ele é na cor azul. Os golpistas sempre enviam o rosa.
Existe um site disponibilizado pelo governo turco e nele é possível consultar o número do e-Ikamet e dessa forma saber se ele existe e é verdadeiro.
Que possamos enxergar, nesse momento, o que ele nos proporciona, um autoconhecimento único e que nossos limites sejam expandidos para que nenhuma situação desesperadora tome conta de nós.