Histórias do aeroporto de Havana.
Quando cheguei no aeroporto de Havana com a mudança, inspecionaram todas as nossas 10 malas (em uma delas, estava um computador Mac imenso). Passamos 3 horas intermináveis para poder sair de lá. Acho que a única má experiência que tive em terras habaneras foi ter que passar pelo aeroporto. É burocrático, falta informação, dando aquela sensação angustiante de não saber quando poderemos sair.
O Aeroporto José Martí é pequeno, possui 5 terminais, dentre os quais somente 3 recebem uma quantidade imensa de voos internacionais. Ao desembarcar, encontramos uma grande quantidade de funcionários, os homens vestidos de farda militar e as mulheres com a versão feminina da farda, usando saia e um toque especial: meia calça arrastão, com desenhos bordados. Na sequência, virão as cabines de controle migratório, com funcionários de semblante intimidante. E, em seguida, as esteiras das malas, que são poucas e lentas.
É possível esperar em pé, por horas, e perceber que suas malas estão espalhadas por esteiras diferentes. Há vários funcionários auxiliando as pessoas a pegar a bagagem, seja ela a comum ou a em forma de bolas, que são bagagens embrulhadas com fitas adesivas que, de repente, caem rolando pelo chão, acompanhadas de uma comoção dos que esperam por elas. Geralmente, são bagagens de cubanos que dispensam o peso que uma mala por si só tem, e assim podem trazer mais mercadorias.
Com as malas em mãos, agora é torcer para que nas etiquetas de identificação da companhia aérea não tenha nenhum tipo de marcação de caneta. Caso tenha, seguirá para a vistoria na alfândega, tomando ainda mais horas. Geralmente, os turistas com pouca bagagem passam rápido e sem problemas. Existem as filas dos cubanos que possuem a possibilidade de trazer, anualmente, 120 kg e pagar as taxas em pesos cubanos e não em cuc (moeda cotada pelo preço do dólar). Nessas filas, eles precisam pesar e justificar as mercadorias que trazem. No caso dos estrangeiros, eles olham se existe a tal marcação na bagagem, caso exista, também terá que passar pelo processo de avaliação da mala, passando por cachorros, raio x e averiguação por algum funcionário. Por que acontece isso? Eles estão em busca de drogas? Também, mas não necessariamente. Cuba é muito peculiar em tudo e essa rotina do aeroporto envolve nossas vidas de um jeito particular. Para se viver, é necessário, vez ou outra, sair do país em busca de abastecimento, que podem ser coisas especificas, como ferramentas, ou mesmo alimentos, os itens mais vigiados pela alfândega.
É possível encontrar de tudo nessas malas e passar por situações inusitadas, como a minha com o computador. Eles controlam tudo o que entra no país e quando viram meu computador, disseram que teríamos que assinar um documento, um termo que diz que teremos que levá-lo conosco, quando formos embora. Assinado o termo, fomos finalmente para casa, sem um pacote de café e os ingredientes para nossa idealizada feijoada.
E assim vivemos felizes, sem a menor preocupação com o nosso querido computador, até que saímos de férias. Para nossa surpresa, ao despacharmos a bagagem, uma agente da alfândega veio nos perguntar se estávamos com o computador. Meu esposo disse: não, está em minha casa. E a agente falou que deveria estar com ele, porque o documento tinha validade de 1 ano e estava vencido. Explicamos que vivíamos em Cuba, era uma saída temporária e mesmo que o documento estivesse vencido, não íamos embora definitivamente. Mesmo assim, insistiu, até que deu a alternativa de assinarmos uma advertência, alertando sobre o risco de ficarmos à disposição das autoridades, caso fizéssemos novamente. E aí, começou o drama do nosso querido e velho computador. No final, já tínhamos umas 4 advertências de saídas.
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Embarcamos advertidos e, quando voltamos, ganhamos outra advertência. Procuramos a alfândega para achar uma solução porque carregar um Mac de 15 kg sempre que precisássemos sair de Cuba, seria um pesadelo. Mostramos o documento assinado em nossa chegada e procuramos saber como poderíamos resolver tudo aquilo. Deram-nos a opção de pagar 500 dólares, que foi o valor avaliado e discriminado no primeiro documento, por um computador antigo, sem a possibilidade de levá-lo do país, ou seja, nunca mais ele sairia daqui. Tentar uma permissão para deixá-lo em casa, sem ter que viajar com ele, foi negada.
Depois de várias tentativas, fomos agraciados com uma licença que permitiria o computador ficar em paz em casa, enquanto durar nossa residência. Mas, não acabou por aí. Para fazer valer esta permissão, foi preciso tirá-lo do país e voltar e apresentar a licença para, finalmente, ter paz e não sermos indagados no aeroporto sobre nosso “quase filho”. A solução foi viajarmos em família para Miami, eu, meu esposo e nosso computador de 15 kg. E, na volta, apresentar a licença para começar a ter validade em território cubano.
Além da minha história, conheço outras que me fizeram rir muito. Uma delas é a de um rapaz homossexual, estrangeiro e residente. Este garoto me contou que trouxe vários brinquedinhos de sexy shop, basicamente, uma mala inteira cheia de chicote, pinto de silicone, algemas etc. E, claro, essa mala estava com a etiqueta marcada. O cachorro cheirou, passou pelo raio x, abriu-se a mala e vários objetos foram inspecionados por muitos funcionários, até que foi requisitado o Chefe geral. Esse chefe, um militar de bigode grosso e que aparentava seus 60 anos, perguntou ao garoto o que faria com tudo aquilo. Muito sério, a resposta do rapaz foi que seria um parque de diversões de uso pessoal. O chefe olhou, revirou, cheirou um creme desses que esquenta, e chegou ao pênis de silicone que foi apreendido, porque poderia ser usado como arma. Não adiantou suplicar, o consolador do rapaz não pôde acompanhá-lo.
Outro caso foi o de uma senhora que trouxe o supermercado inteiro e ficou sem nada. Levaram todos os alimentos e a sua esperança de encher a dispensa com coisas difíceis de encontrar. Nesses casos, é muito duro, porque trazemos por uma necessidade e não simplesmente para satisfazer um desejo. A movimentação em torno de produtos alimentícios, roupas, ferramentas, equipamentos eletrônicos é grande. Nunca vi nada como apreensão de drogas, nem mesmo nas ruas da cidade. Aqui, não existem rodinhas de adolescente fumando maconha, tão comum em outros países.
Mas, nem só de tristeza e risadas vive o nosso grande José Martí. Tem histórias com final feliz. Isso dependerá muito de quem atenda, do dia, dos astros, enfim, elas acontecem. A história eleita foi a de um casal americano com um bebê. Na loucura das tantas coisas levadas em uma viagem com um bebezinho, deixaram a bolsa com fraldas, roupas, alguns presentes, charutos e maquiagem no chão, antes de embarcarem. Só se deram conta quando precisaram trocar o bebê no avião. Chegando em Miami, pediram ajuda à companhia American Airlines, pois não tinham nenhum número para entrar em contato no aeroporto de Havana, mas quem os salvou foi a senhora que fez o Airbnb para eles. Ela foi ao aeroporto e averiguou que a bolsa estava guardada. Depois de conversar com vários funcionários e conseguir provar sua história com o número do voo, os trabalhadores do aeroporto conseguiram que a bolsa fosse entregue na casa do casal americano.
Termino com esse final feliz porque na vida devemos enfatizar as coisas boas para que ela se torne mais leve.
E quero dizer que rezo sempre para que esse grande poeta cubano, José Martí, me permita entrar no país com todo conteúdo de minha bagagem. Até agora tem dado certo.
“Si no luchas ten al menos la decencia de respetar a quienes sí lo hacen”. José Martí.