Este tema surgiu após ter observado alguns relatos, nas rede sociais, de brasileiros que vivem na Polônia sobre preconceito contra estrangeiros. Quase todo mundo tinha uma história (pessoal ou com alguém conhecido) de estranhamento, hostilidade ou até mesmo violência. Eu mesma já presenciei certas cenas e posso contar alguns episódios.
Diante disso, senti a a necessidade de abordar o tema. Afinal, como é essa questão na Polônia, sobretudo após a crise migratória? Como os imigrantes são vistos aqui? Há mesmo preconceito na Polônia?
Bem, antes de tudo, devemos nos atentar aos atuais acontecimentos no mundo. Fluxos migratórios sempre ocorreram, devido a guerras ou conflitos regionais e civis, catástrofes naturais ou ainda causados pela irresponsabilidade humana. Atualmente a questão da crise migratória é muito preocupante para a União Europeia, sobretudo pela proximidade geográfica das zonas de conflito. Obviamente há outros fatores (e muito importantes) a serem considerados, mas tendo em conta o breve espaço, não há como fazer uma análise histórica de como a situação inevitável chegou a tal ponto. A intenção é fazer uma breve introdução e assim, mostrar uma parte dessa realidade.
Refúgio em crise
Conflitos ocorridos em países como Síria, Afeganistão, Iraque, Nigéria, Ucrânia, entre outros, têm contribuído diretamente para o aumento do fluxo migratório. Um dos mais recentes desdobramentos disso, foi o resultado do referendo realizado no último dia 23 de junho para consultar a população britânica sobre a saída do Reino Unido da União Europeia: a maioria (51,9%) optou pela saída do país do bloco. Mesmo sendo cedo para avaliar as consequências disso, o fato que isso pode abrir precedentes para que outros países façam o mesmo. O sentimento eurocentricista, por exemplo, tem crescido na Polônia.
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Um dos primeiros pontos questionados pelo atual governo polonês para isso seria a recusa em receber refugiados (principalmente sírios e muçulmanos, no geral) justificados pelos ataques ocorridos em Paris, em novembro de 2015 e quatro meses depois, em Bruxelas. Os incidentes ocorridos na noite de Ano Novo de 2015, em Colônia, na Alemanha, também repercutiram negativamente por toda Europa, aumentando o estigma contra os refugiados.
Se os poloneses migram para outros países, é possível dizer que há preconceito e discriminação na Polônia?
A União Europeia chegou a alertar a Polônia (colocando o país em estado de observação) por tal recusa, uma vez que o país (como todos países pertencentes do bloco) recebeu subsídios que contribuíram para as melhorias internas, desde sua adesão ao bloco em 2004, além de permitir o livre comércio de seus produtos e o livre acesso dos cidadãos poloneses a outros países da UE.
A Polônia recebeu muitos imigrantes (sejam eles de países da UE ou não) devido ao aumento de ofertas de trabalho para estrangeiros, durante o período mais crítico da crise ocorrida em 2008. Falei um pouco disso em meu primeiro texto para o blogue. Em contrapartida, muitos poloneses migraram para outros países, como a Inglaterra, atraídos por salários mais vantajosos. Estima-se que hoje, vivam cerca de 850 mil poloneses no Reino Unido, sendo, a maior comunidade estrangeira no país. Diante disso, podemos entender que, mesmo que haja a desconfiança de um imigrante vivendo em terras polonesas, ele próprio também pode ser visto assim em outras terras.
Religião, história e cultura
Muito mais que a questão do aspecto físico, esse temor se dá pelo viés religioso, histórico e cultural. A sociedade se ‘assusta’ com essa invasão. Um país que não teve um passado colonizador (diferentemente de outros europeus como o Reino Unido, França, Espanha, Portugal, Holanda, entre outros) e pelo contrário, fora invadido, repartido e subjugado tantas vezes, realmente vê com certa desconfiança o aumento de imigrantes em seu território como tem ocorrido nos últimos anos.
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Se mesmo em países com alto histórico de imigração e miscigenação, como o Brasil ou os EUA, ou mesmo na Europa, como a Inglaterra, a França ou a Alemanha, por exemplo, há problemas com relação ao preconceito étnico, racismo e mesmo xenofobia, o que dizer de um país que pertenceu ao chamado bloco comunista, teoricamente fechado para as nações capitalistas até 1989, um país cuja própria capital, Varsóvia, até então era praticamente provinciana, no sentido de ter tradições rurais e intrínsecas aos países do leste muito fortes? Todo o processo de globalização e ‘ocidentalização’, de fato, começou a transformar o país e a modernizar a mentalidade da população no geral a partir de seu ingresso na UE.
O novo, o diferente e o medo
Muitas cidades no interior ainda são bem ‘polonesas’, com pouquíssimos estrangeiros ou mesmo nenhum. Pessoas que sejam diferentes do considerado ‘padrão’ fenotípico polonês – pele branca, olhos claros e cabelos liso – podem, sim, ser facilmente identificados e atrair olhares, sem que, no entanto, isso denote preconceito ou algum tipo de racismo.
Entretanto, obviamente, há casos de hostilidades (físicas ou verbais) como em qualquer lugar do mundo, tanto nas grandes cidades como Varsóvia, Cracóvia ou Breslávia (Wrocław) quanto nas menores, sobretudo após a crise migratória, quando houve um aumento do preconceito contra os muçulmanos em geral, por suas vestes ou fenótipo, mesmo que não se tenha certeza do que realmente é. Ainda assim, notícias como a do incidente ocorrido em um centro islâmico em Varsóvia ano passado ou dos estudantes portugueses hostilizados em cidades do interior demonstram que essa realidade existe, o que demonstra a conivência dessas hostilidades vindas de casos isolados ou mesmo grupos nacionalistas, mas não da população como um todo. Generalizações como essas são perigosas e igualmente preconceituosas.
O que aprendemos com isso tudo?
O que pode ser à primeira vista mais exótico a outros olhos é o fato do imigrante não tentar se adequar à nova rotina e assimilar novos hábitos. Isso pode não apenas atrair olhares ressabiados, mas desconfiança, mesmo. Afinal, quem gostaria que uma visita não se comportasse adequadamente em sua própria casa, ou começasse a criticar demasiadamente os novos hábitos, a nova cultura, o novo país?
Migrar é um ato de coragem, e nem sempre voluntário
É um processo difícil para quem o faz e para quem recebe. Quanto mais diferente e distante de nossa história e realidade, mais complicado é o diálogo e a aceitação. Mas eu acredito que o mais importante é nos desapegar ao que já estamos acostumados e abrirmos nossa mente para o novo. Se houver problemas, é preciso de paciência e diálogo. Se houver situações difíceis, justiça; as leis estão aí para proteger todos os cidadãos no mundo. No final de tudo isso, todos aprenderemos a sermos mais tolerantes, inclusive em nosso próprio país, e certamente o novo país onde vivemos somente ganhará com essa rica diversidade.
Boa sorte a todos nós. Até a próxima!
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19 Comments
Ótimo texto, achei bastante interessante, por revelar uma faceta da Polônia que desconhecia.
Olá Crisitna,
A Polônia (assim como o Brasil) é um lugar lindo, porém também tem seus problemas. É importante mostrar todos os lados.
Obrigada pelo seu comentário.
Abs,
Vivian
Muito bom o texto! Ponto de vista neutro e que aborda um ponto fundamental: a mentalidade do imigrante.
Olá Silvia,
Obrigada pelo seu cometário.
O intuito é mesmo considerar vários pontos para que possamos entender um pouco esse tema delicado e atual, porém tão antigo.
Abs,
Vivian
Eu particularmente não gosto da Polônia. Eu trabalho em uma empresa polonesa de energia eólica, meus colegas são todos poloneses e nunca tive problemas com eles porém quando tenho que ir em Estetino fazer algum curso na empresa onde trabalho tenho pavor!Ja fui abordado nas ruas perguntando pra mim da onde eu era eo que fazia ali. Sou digamos geneticamente parecido com eles tenho origem Lituana.Recomendo Alemanha (Berlim) fica próximo a da fronteira e por lá as pessoas sao “normais”
Olá Vivian, semanas atrás estive na Alemanha e assim pude fazer uma rápida visita a Polônia, e de fato percebi alguns olhares intensos relacionados a mim; não sei dizer exatamente o que estava acontecendo, mas confesso que senti muito medo em alguns momentos . Sou muito amigável e a todo o tempo tento demonstrar respeito ao local que estou. A minha dúvida é se você sentiu ou sente medo em algum momento, e como viver em paz em um país que você sempre deve estar em alerta para a sua própria segurança? Abraços.
Olá, Lika
No começo é bem mais desconfortável, dependendo do lugar onde estamos (por exemplo andar à noite em certos lugares) ou situação que passamos (sensação de estar sendo seguida, por ex.) pois a referência de Brasil (com relação à violência) ainda é muito recente. Eu confesso que já percebi esses olhares também (devido ao meu fenótipo não eslavo típico) mas nada que me colocasse em estado de alerta. Pelo contrário: em SP eu me sentia MUITO mais insegura por outros tipos de perigos, e lá sim, vivia em estado de alerta 24h por dia, algo que eu não sinto aqui. Eu gosto muito de morar em Varsóvia, não trocaria por outra cidade polonesa ou mesmo da Europa.
Obrigada pelo seu comentário, continue nos acompanhando.
Abs,
Vivian
Ola, a Polonia foi atacada e toda destroida pela Russia. Eles não tem históricos de serem agressivos como muitos paises da América do Sul. La nao é o Brasil. Pode ficar tranquilo.
Muito legal o post. Mas eu tenho um casal de amigos vivendo em Lodz e eles disseram que a Polônia é muito segura. Em relação ao preconceito eles disseram nunca tiveram problema, mas a minha namorada esteve lá e ela é morena, ela disse que ficavam olhando pra ela com um olhar meio estranho.
Olá, Giuseppe
De fato, a Polônia é um país muito seguro, tanto para quem faz turismo quanto para quem mora aqui. Entretanto, há sim casos de preconceito e xenofobia, que tem ganhado mais notoriedade porque vivemos na era da informação, mas especialmente, devido a uma certa conivência do atual governo em, digamos, fazer vista grossa a questões como esta. A boa notícia é que a sociedade em geral não apoia este tipo de conduta e também tem feito bastante barulho para combater isto.
Obrigada pelo seu comentário, continue nos acompanhando.
Abs,
Vivian
Depois vc podia falar um pouco sobre o LAÇO DA POLÔNIA COM OS ESTADOS UNIDOS. Ja que a Polonia ajudou na independente dos EUA. E hoje milhares de soldados americanos e aviões de caça estao na Polonia para defende los.
Vivian, obrigado por compartilhar o seu olhar sobre o que vem ocorrendo na Europa respeitando sua opinião em partes descordo do seu ponto de vista, um povo tem o direito soberano de decidir sobre o destino da sua nação os poloneses, assim como outros países europeus estão fazendo o seu entre o modelo multi colorido imposto por países como França, Alemanha e Inglaterra que estão vivendo sobre constantes ataques terroristas e altíssimos índices de criminalidade e perda da sua identidade cultural, além de muitos outros problemas que podem ser citados, Ou manter sua identidade costumes e estilo de vida e a tranquilidade de suas nações temos combater a hipocrisia do politicamente correto.
Quem de verdade quer ajudar um refugiado que de exemplo abrindo a porta da sua casa não exigindo dos outros isso ai fica fácil vamos defender sim fronteiras seguras e o principio da identidade cultural.
Olá, Martins
Sim, concordo quando você diz que cabe somente ao povo polonês tomar as decisões referentes ao futuro de seu país. Este é um assunto bem complexo, complicado de resumir em poucas linhas, ainda mais ao fazer comparações com o Brasil ou com outros países que foram colonizados ou foram colonizadores, o que não foi o caso da Polônia, que na verdade, ao longo de sua história, sofreu com invasões e deixou de existir por mais de 1 século na época das partilhas, portanto é mais do que natural que queiram preservar sua história e cultura, como qualquer outro povo ou nação, não é disso que falo. Todos os países que você citou, logicamente, possuem suas leis que devem ser respeitadas, assim como seus costumes; não teria como ser diferente.
O povo polonês mesmo sempre foi receptivo a receber e conhecer outras culturas amistosamente, mas ultimamente, infelizmente, a Polônia está mais hostil sim, por parte de grupos minoritários que se sentem mais a vontade para externar seus preconceitos. Não se trata apenas da questão, humanitária, com relação aos refugiados, mas a imigrantes em geral, como eu.
Obrigada pelo seu comentário, continue nos acompanhando.
Abs,
Vivian
Pingback: Identidade de filhos multiculturais
OLA VIVIAN; sou descendente de poloneses. Meu pai, nasceu, cresceu e viveu por 33 anos na cidade de Pinczow, Kielce. Emigrou para o Brasil em 1928. Seus pais, meus avós, assim como irmãos, sobrinhos e outros, permaneceram na Polonia , onde também nasceram, cresceram, trabalharam , mas foram assassinados pelos nazistas. Com o olhar complascente dos polonezes, em 1942. Cometiam um “crime”. ERAM JUDEUS.
Estive 2 vezes na Polonia, visitando a cidade e região onde viveram meus familiares. Cidade bonita, limpa e alegre. Só uma pessoa falava inglês ( eu não falo polonez), e quando questionado sobre a população de Pinczow, em 1928, teve como resposta 7.500 habitantes, dos quais 4.000 polonezes. Continuando, questionei sobre os 3.500 “não polonezes”, se eram russos ou alemães,e aí teve uma resposta negativa e cautelosa, ERAM JUDEUS. Mas continuando,disse-lhe que tinham nascido naquele local !!!! A resposta veio impactante – PARA SER POLONEZ, TINHA QUE NASCER NA POLONIA E SER CATÓLICO.
A ALEMANHA de algum tempo para cá tem feito um trabalho fantástico de remissão de culpa. não vejo isso na polonia. LAMENTÁVEL.
Miguel Aspis, Porto Alegre/RS
Professor de Biologia e Psicólogo
Olá Miguel,
Eu confesso a você que eu só compreendi este assunto delicado após algum tempo morando aqui, não conseguia entender como, àquela época, os judeus que aqui viviam não eram considerados poloneses por certa parte da população. Já ouvi muitos relatos sobre isso.
Espero que um dia isso mude e que, assim como a Alemanha (outro assunto delicado por aqui), a Polônia possa fazer o mesmo. Na verdade, o que posso perceber hoje é que sim, há um resgate dessa memória, vide a abertura do POLIN, o museu da história dos poloneses judeus.
Muito obrigada pelo seu comentário,
Continue nos acompanhando.
Abs,
Vivian
Olá gostaria de seber tipo meu caso eu sou afrodescendente nasci no paraguai sou casada com neto de um polonês no nosso caso é fácil ir para Polônia e eu não vou sofrer racismo por ser negra e no caso dele e fácil conseguir cidadania polonesa?
Olá Vivian, tudo bem com você?
Encontrei no seu blog uma opção em conseguir uma informação, caso você tenha e possa me oferecer.
Sou Brasileira (MG) e vou me casar com um Polonês e neste momento estamos vivendo na Irlanda..
A respeito de obter orientações/duvidas sobre o processo de casamento estou buscando por indicação de um profissional, no Brasil, para nos conceder as informações necessárias para tal. Por exemplo nos ajudaria muito a indicação de um advogado de imigração que conheça sobre as leis da Polônia ou algum órgão que presta algum tipo de serviço para estes casos.
Você poderia nos ajudar?
Obrigada
Olá, gostei muito do tema e do texto abordado. Entretanto tenho uma pergunta para lhe fazer: há alguma rede social ou site de relacionamento mais utilizada na Polônia?