Inácio Pacas: um brasileiro famoso na Islândia.
Hoje o BPM, na Coluna do Clube do Bolinha, entrevista Pacas, como é mais conhecido pelos amigos e pelo público islandês. Ele é a alegria em pessoa e, como eu, costuma ter que responder à pergunta “como que você, sendo do Brasil, pode se adaptar a um lugar tão frio como a Islândia?” A resposta eu sei antes de ele responder: apesar de ser de Pernambuco, terra cheia de sol, para ele, o tempo não é o que define a vida de alguém e, sim, sua atitude em relação a ela – e nisso ele é bem islandês: tudo vai dar certo, nada é um problema, como o ditado local “þetta reddast”.
Ele já foi bombeiro, Hare Krishna e cozinheiro. Pai de duas filhas e avô de duas meninas, hoje, ele é uma celebridade e organizador de eventos na Islândia com seu marido, Beggi, que também é pai de quatro filhos e avô de quatro crianças. Juntos, formam uma família linda e descomplicada, como eles.
Conheça um pouquinho da trajetória do pernambucano nascido em Santa Cruz do Capibaribe, que já viveu na Índia, Inglaterra e Dinamarca, antes de vir parar na Islândia.
BPM – Com a situação política atual do Brasil, muita gente tem vontade de emigrar, o que você diria para essas pessoas?
Pacas – Eu tive a sorte de vir numa época em que quase não havia empecilho, você podia vir e, se encontrasse um emprego, podia requerer permissão de residência. Foi sorte, tem que ter sorte, e é destino, também. Não aconselho vir “na louca”, tem que passar por um monte de coisas, tem toda a burocracia. Vir a turismo, sim, a Islândia é um lugar lindo, mesmo. Morar é outra coisa… e tem o destino, a vida é o destino, não é só chegar e “ah, eu te vi na TV, como eu faço para trabalhar e morar aí?”. Não é assim, da noite para o dia. Tem muito trabalho duro, eu já fiz muita coisa, eu já coletei garrafas para receber o depósito e viver. Uma garrafa de refrigerante vale quanto? 10 coroas islandesas, imagina… Aliás, aqui é um país onde se recicla tudo, até as pessoas… (risos)
BPM – E como foi com a sua família, você não sentia saudade das suas filhas?
Pacas – Agora tenho uma filha aqui, ela teve sorte por também encontrar seu destino na Islândia, eu hoje sou cidadão islandês e ela tem o direito de ficar aqui também (isso vale até 28 anos de idade). Está muito contente, trabalhando e fazendo a vida dela. Mas não é só chegar e dizer: “ah, eu vou morar aí e pronto”, a vida é dura, tem a imigração, tem todas as questões legais. Ela, como eu, trabalha muito.
Nos Estados Unidos, ou em Londres, é a mesma coisa. Em Londres, por exemplo, quando eu fui, só tinha a intenção de ficar uma semana e, no final, foram 6 anos. Estava trabalhando no negro, me mandaram de volta no mesmo dia e naquela época eu falava mal inglês. Isso faz muito mais de 20 anos, passei por tudo isso na Inglaterra. Até hoje, isso aparece no meu registro lá na imigração, quando eu entro no Reino Unido, eles vêem tudo. Agora, que eu sou sou islandês também, está tudo bem, mas eles foram muito drásticos comigo.
Meu conselho é: vale a pena tentar, mas tem que ter sorte. Se você tiver sorte, consegue, mas tem que tentar.
Leia também: David Motta, a estrela do Teatro Bolshoi
BPm – Como você veio parar aqui na Islândia?
Pacas – O destino me trouxe.
BPM – Como?
Pacas – Eu nem sabia que existia a Islândia no mapa, eu caí aqui de para-quedas, a cegonha me trouxe…. (Risos) Foi quando eu morava em Londres, eu saí do armário lá, e aí encontrei um islandês de Akranes, um “porra louca”… Mas foi tão bom, que hoje eu tô aqui. Foi assim: a gente morava em Londres, ele ficou super apaixonado por mim e a gente vinha passear em Akranes, passar o Natal lá. Eu nem conhecia Reykjavik, só Akranes, que era aquele fim de mundo.
Mas antes de vir definitivamente para a Islândia, eu passei um tempo morando na Dinamaca com ele, pois ele, como europeu, tinha permissão de trabalho lá. Eu só podia ficar 3 meses e mais três meses, até decidirmos vir para cá.
Havia muito poucos brasileiros aqui, em 1997, 20 anos atrás, e consegui trabalho rápido. Naquele tempo, não tinha abacate, nem abóbora, nem leite de coco aqui, não tinha nada, só laranja e maçã no fim do ano.
Trabalhei em restaurantes vegetarianos, me separei do cara e comecei a me relacionar com famosos aqui e… que felicidade… foi muito bom, comecei a fazer minha vida até que, um dia, encontrei a alma da minha alma… o Beggi (olhar apaixonado para o Beggi nesse momento).
BPM – E o que você foi fazer em Londres?
Pacas – Eu fui para trabalhar, aprender inglês. Trabalhei bastante, acordava 6 da manhã para ir limpar escritórios.
Lá, eu vivia numa república de brasileiros, tive amigos maravilhosos, que me ajudaram bastante. Mas foi duro, o italiano, proprietário do apartamento, não queria nenhum europeu morando lá, ele queria alugar no negro, sem pagar imposto, para brasileiros. Um dia, ele encontrou meu namorado lá, um europeu, então, nos expulsou e foi quando decidimos morar na Dinamarca, como já contei.
BPM – E como você decidiu sair do Brasil?
Pacas – Eu fui casado com a mãe das minhas filhas e tive um divórcio muito complicado, eu não podia ver as meninas, a mãe sumiu com elas, decidi ir embora, eu sofri.
BPM – Você é muito conhecido por ser uma das primeiras personalidades marcantes do “Gay Pride”, o orgulho gay daqui (Pacas apareceu várias vezes nos anúncios do evento). Como se deu isso, foi difícil sair do armário?
Pacas – Não, foi bom, tudo acontece na vida. Quanto ao Gay Pride, não é que eu goste de me vestir assim, mas eu trazia fantasias do Brasil, participei de muitos desfiles, por muito tempo e desde o começo. Para mim é uma forma de teatro, de expressar uma liberdade, um direito humano. No começo era só uma passeata, uma associação, uma casinha pequena só para as reuniões. Agora é um dos maiores eventos do país e, neste sentido, eu marquei história.
BPM – Como você ficou famoso na Islândia, além da história do Gay Pride?
Pacas – Eu e meu marido estamos há 14 anos juntos, agora casados, e somos muito dados e criativos, então fomos convidados para um programa de televisão, uma competição, onde você tinha que decorar uma casa, um mês na casa, três casais. Acabou que nós ganhamos a competição e, no final, era uma quantidade enorme de gente querendo autógrafo, tirando foto conosco, com camiseta com as nossas caras, etc…
Mas claro que existem altos e baixos, teve a crise econômica, o Beggi teve um ataque do coração, eu tive um problema nos pés, isso acontece, mas, hoje, estamos sobrevivendo.
Leia também: Georg Leite, fotógrafo e ator na Islândia
BPM – E o que vocês fazem hoje?
Pacas – Fazemos eventos com numerologia, o Beggi tem esse talento e recebemos grupos de pessoas e oferecemos comida indiana, coisas que não se encontram em outros lugares, e também fazemos uma espécie de show, com piadas, contamos do nosso relacionamento, fazemos várias horas de festa.
BPM – Na sua opinião, o que é o melhor da vida na Islândia?
Pacas – A tranquilidade! Estive, agora, na Páscoa, em lugares da Islândia que nem mesmo alguns islandeses conhecem, onde os fazendeiros têm raposas e pássaros, lugares maravilhosos. Nesta ilha pequena, ainda existem lugares inabitados, uma maravilha.
Mas, depois de ter ficado famoso, a gente não tem mais muito sossego, não posso mais dar um pum, que sai no jornal. Se estamos no supermercado comprando frango, sai no jornal.
Por outro lado, somos muito bem tratados em qualquer lugar, somos bem conhecidos, então, não posso pisar fora da linha. Num sentido é bom, noutro, não, porque todo mundo sabe da sua vida.
BPM – A Islândia tem um lado muito bom, o respeito ao ser humano, você concorda?
Pacas – Sim, claro! Todo mundo nos respeita, apesar de a gente pertencer ao público, as pessoas são donas do “Beggi e Pacas”(*), nós “somos do povo”.
Agora, o respeito à questão gay é imenso, vivemos de mão dada aqui, temos família, somos convidados para dar palestras em escolas, para crianças, se há problema sobre discriminação, bullying, sempre damos entrevistas sobre isso. E também ajudamos como podemos em eventos caritativos, fazemos shows, ou vamos a instituições com pessoas com câncer e cozinhamos para elas.
BPM – Qual o seu lema de vida?
Pacas – Viver e não ter a vergonha de ser feliz…
(*) NOTA: hoje em dia, Beggi e Pacas são comparáveis a David e Victoria Beckham, são um nome só
3 Comments
Olá Érika,
Vou para a Islândia na metade de setembro, estou lendo suas postagens e achando muito legais. Estou curiosa para saber se os campings ainda encontram-se abertos para que eu possa passar a noite. Você tem conhecimento sobre isso?
Olá, Carolina,
alguns campings já fecham no meio do mês, pois já está bem frio e pode até nevar em algumas regiões. Não consegui achar informação mais precisa para você neste sentido, mas, se você fala inglês, entre nesse grupo do Facebook, é especial para turistas que vêm à Islândia, é o “Iceland Q & A”
Muito obrigada por ler e comentar, fico feliz que gostou!
Boa sorte na viagem e no caming!
Caramba, inspirador demais o Pacas. Obrigado por trazer esse fantástico texto, Erika!