Entrevista com Vigdís Finnbogadóttir – Presidente da Islândia – Parte 2
No mês passado, publicamos a primeira parte da entrevista que fiz com a antiga presidente da Islândia, Vigdís Finnbogadóttir, a primeira chefe de governo feminina eleita por voto direto do mundo. No dia 15 de abril, Vigdís completou 88 anos e está em plena forma, além de ter um carisma e força incríveis, como já mencionei antes. Falamos durante uma hora e agora, compartilho com vocês o que ela me contou sobre saúde e bem estar; acreditar em elfos; sobre o seu trabalho e temas atuais, como migração, crianças bilíngues, cultura e sobre sua grande preocupação, a preservação do idioma islandês. Desafio-os, meus caros leitores e leitoras, a não se encantar com essa personalidade histórica fascinante dos nossos tempos.
BPM – Qual é o seu segredo de juventude e vitalidade? A senhora tem quase 88 anos e é ainda tão ativa, trabalhando e fazendo tantas coisas… Eu acho que sei a resposta…
Vigdís: Qual o meu segredo? Interesse pela vida! É muito bom estar viva!! Sim, eu sou muito ocupada, é verdade. Hoje, menos do que eu era antes; mas tenho boa saúde, cuido muito bem dela. Faço Chi Kung. Muito Chi Kung.
BPM – Você toma o óleo de fígado de bacalhau, o “Lýsi”, islandês?
Vigdís: Claro que sim! Todos nós tomamos. O óleo de fígado de bacalhau é muito saudável. E eu me cuido muito, cuido bastante da minha saúde. Descanso bastante, sempre. Leio muito na cama; quando eu me deito, leio. Mas também sento muito ao computador, minha cabeça está constantemente trabalhando. Felizmente!
BPM – Quais são as suas principais atividades no momento e com que frequência você vem a este instituto (O Instituto de Línguas Estrangeiras da Universidade da Islândia que tem o nome de Vigdís) e quais são suas funções aqui?
Vigdís: Minha principal atividade é escrever sempre, me comunicar com as pessoas, me encontrar com pessoas que queiram me perguntar coisas, me entrevistar, como você, hoje. Eu tenho um escritório aqui, mas eu trabalho muito em casa, porque, lá, tenho todos os meus livros e todos meus papéis. Venho aqui quase todos os dias; no mínimo, três vezes por semana, mas eu prefiro trabalhar em casa. Quando venho aqui, sou muito bem vinda, todos são muito carinhosos.
BPM – Cerca de 10% da população islandesa é de imigrantes, a maioria deles não tem inglês como língua materna, mas tendem a usar o inglês para o trabalho, já que o islandês é um idioma de difícil aprendizado. Como se pode preservar a língua islandesa, motivar os imigrantes a adotá-la mais ativamente e, ao mesmo tempo, preservar sua cultura e língua materna, também?
Vigdís: Os imigrantes na Islândia são muito bem vindos. Onde quer que você esteja no mundo, você estará ensinando a seu(s) filho(s) a sua língua materna. Eu acho isto muito importante: que uma criança que tem duas línguas, e /ou duas nacionalidades, que a criança perceba que tem que entender a língua dos pais e adaptar-se.
Tenho um grande amigo, quase um irmão, o Wolfgang Edelstein, que morou na França, (em Grenoble), quando eu estava lá. Meus pais nunca me teriam deixado ir, se outros estudantes não tivessem ido. Ele veio para a Islândia antes da Segunda Guerra Mundial, é um ano mais velho do que eu e já faz algum tempo que eu tive medo de perdê-lo… Ele é professor catedrático em Berlim, onde mora com a sua esposa alemã. Ele é completamente bilíngue, porque os pais dele falavam alemão em casa, e ele falava islandês. Quando ele chegou à Islândia e deveria ir para a escola, ele tinha 8 anos e eu, sete. Eu estava numa escola católica (não porque éramos católicos, mas porque minha mãe tinha frequentado essa escola e porque era uma escola voltada para artes manuais, para artesanato e ela queria que nós fôssemos para essa escola). Wolfgang veio para a minha turma, ele estava muito nervoso, pois vinha da Alemanha nazista. As freiras da escola me disseram que eu tinha que cuidar dele e ensinar-lhe islandês. E eu levei isso muito a sério… Eu ia com ele à sua casa depois da escola, e ficamos muito bons amigos. O alemão era falado o tempo todo na casa dele. Seu pai era músico e fundou a escola infantil de música na Islândia, nos anos 1940. Wolfgang sempre foi bilíngue. E, ao mesmo tempo, tinha notas muito boas em língua islandesa no ensino médio. Atualmente, todos os anos, no verão, ele vem para cá, mesmo morando em Berlim. Aí, ele ficou muito doente, um ano atrás, e, quando ele melhorou, acordou da doença e só falava islandês. Então, você vê como é importante ter as duas línguas: a língua do país onde você mora e a língua dos seus pais (ou da mãe, ou do pai).
Felizmente, somos tão poucos aqui na Islândia, que há muitas coisas que podemos realizar. Vocês, por exemplo, mulheres estrangeiras casadas com islandeses, têm as suas associações ou associações de imigrantes… Então, eu considero as línguas muito importantes, a língua de herança através dos genes (posso dizer assim) e também da atitude de pais vindos de um outro país.
BPM – E a língua também é o seu modo de pensar, a mentalidade.
Vigdís: De fato! Os pais devem fazer o seu melhor para ensinar as crianças, transmitir a sua língua aos seus filhos – ou a do pai, ou a da mãe.
BPM – Vejo casos de pais falando uma terceira língua, (na maioria das vezes, inglês) com seus filhos, porque acham que é melhor isso, do que falar sua língua materna.
Vigdís: Sim, pais que não têm esse conhecimento, porque não foram instruídos sobre isso ou discutiram isso…
BPM – Tentamos convencê-los, conversei com várias pessoas, quando eu dava aula na Associação de Bilinguismo Móðurmál – da qual você também é patrona – e havia pais estrangeiros que falavam islandês com seus filhos, e, quando a família vinha visitá-los aqui, ninguém se entendia: a avó não conseguia conversar com os netos…
Vigdís: Conte a esses pais a história do meu amigo Wolfgang. A mãe dele se separou do pai dele e voltou para a Alemanha – lembre-se de que ambos falavam islandês. Eles se divorciaram depois da guerra, e ela se mudou para Freiburg, de onde eles eram. Ela vinha regularmente à Islândia. Muitas vezes, durante o meu mandato presidencial, ela queria descansar aqui. Quando ela morreu, foi enterrada aqui. Isso é muito especial.
BPM – Algumas crianças estrangeiras bilíngues têm dificuldades de aprendizado na escola islandesa, o que podemos fazer para que elas se integrem melhor na Islândia, aprendam islandês bem, mas mantendo as tradições de seu país de origem?
Vigdís: Eu acho que, devido ao respeito ao outro país, que recebe um novo cidadão, temos que nos adaptar à língua, assim como você fez em Berlim, na Alemanha.
BPM – E como eu estou tentando fazer aqui…
Vigdís: E como eu fiz em Grenoble e na Sorbonne. E, devido a esse fato, recebi um título honorário na Sorbonne, o que é fantástico! Mas isso significa que eu, realmente, me esforcei para aprender a língua no país da minha universidade. E o mesmo se aplica a qualquer um que venha para a Islândia. O islandês é uma língua muito, muito difícil; entretanto, você tem que respeitar a língua que é falada no país onde você tem a sorte ou o azar de viver, de se estabelecer. E você tem que respeitar o fato que os seus filhos vão ser bilíngues, aprendendo também a língua que você trouxe do seu país de origem. E, devido a essas guerras, estamos vivendo com todos os imigrantes vindos de países sem segurança e devemos acolher os imigrantes, porque eles não se estabelecem aqui porque querem ou porque amam este país, mas vêm pela necessidade. Cada indivíduo deste mundo tem que encarar a vida cotidiana. Tenho que encarar o que acontece comigo no dia de hoje, ou neste mês, ou neste ano e fazer o melhor disso. E, se há crianças, eu digo, sempre, tente manter lembranças, as suas próprias memórias da cultura e da língua e transmita-as às crianças, porque cada indivíduo olha para a sua origem, de onde ele vem. Isso é a minha identidade, sua identidade é brasileira e islandesa…
Os imigrantes têm que encarar isso. Eu sempre uso a história do meu amigo-irmão como exemplo. Como ele conseguiu aprender islandês e criar em islandês? Ele escreve muito bem em islandês e nunca teria voltado para a Alemanha, porque ele era mais islandês do que alemão. Ele voltou, porque casou com uma alemã, uma mulher muito boa. Não é de se espantar que ele era bilíngue.
BPM – Com o grande número de migrantes na Islândia, mudanças na sociedade ocorrerão, já ocorrem; vemos novos restaurantes, modas diferentes, etc. Na sua opinião, imigrantes vão absorver mais a cultura islandesa ou o contrário?
Vigdís: Só há uma resposta para isso: todas as sociedades mudam. Então, não será diferente do que ocorre com todas as outras sociedades. E os dinamarqueses, os suecos, finlandeses, noruegueses? Todas as sociedades ocidentais que se “fundiram”, que estiveram ligadas neste século têm que encarar o fato de que o mundo está se tornando cada vez mais aberto. No entanto, como islandeses, estamos cada vez mais ávidos e zelosos no que diz respeito à língua islandesa, porque, quem o irá fazê-lo, se nós não o fizermos? E há muitas discussões sobre isso… Eu acho que isso está abrindo a questão e as mentes e os olhos, chamando a atenção para o fato que essa língua é de grande valor, pois uma literatura de renome mundial foi escrita nessa língua e, através dos séculos, todos os tipos de lendas e de poesia. Há uma herança extraordinária nessa língua.
Frequentemente me perguntam: você acredita em elfos? E eu respondo, sim! Porque eu não poderia perder essas lendas, por nada nesse mundo! Então, na verdade, eu acredito na herança das lendas! Eu posso dizer, de mente aberta, é claro que eu acredito em elfos, porque eu não perderia isso por nada! E se eu começasse a dizer “não, não, existem elfos, sabemos que no mundo científico moderno não há elfos…?”… Eu não sei, talvez não haja, mas eles estão ali, na herança, estão vivos na herança. Então, não vamos perder isso!
E, se eu não tivesse essa atitude e dissesse: “não, eu sou uma pessoa moderna e sei mais sobre ciência e o “povo oculto”, ao qual os elfos pertencem. Mas, por outro lado, eu não poderia perder isso, perder essa lenda maravilhosa! E por que eles foram criados? Foram criados no escuro, porque as pessoas tinham que viver sua vida no escuro. Então, é maravilhoso que eles tenham sobrevivido na língua, contando histórias sobre o escuro, na escuridão misteriosa… E, inventando coisas, mentalmente inventando algo que era bom… Os elfos sempre foram bons! Eles ajudavam mulheres no parto, sempre vestidos de azul, porque desapareciam na luz do dia, quando passavam a noite ajudando mulheres dando à luz ou coisas parecidas.
E isso também era usado para advertir crianças e jovens a não irem a lugares perigosos, “não vá lá, é perigoso, você pode cair!”
Acho que é muito importante, nesses tempos modernos, manter isso vivo, manter essas lendas vivas, pois elas são parte do nosso passado, da identidade do nosso passado.
BPM – Sabemos que é uma preocupação sua que o islandês acabe se tornando uma língua morta como o latim, pois hoje em dia, muitos aparelhos eletrônicos comandados por voz só atendem ao inglês. Existe a ideia de lançar um projeto para a tradução desses comandos para o islandês, qual a sua contribuição para isso e por que ele é importante?
Vigdís: O que quer que apareça para se preservar esta língua, a língua islandesa, eu sou a favor, sem dúvida! Por que perder uma língua tão preciosa, que sempre foi tão criativa e todos os seus usos? Perder a poesia de tantos séculos? Uma língua que sempre se adaptou ao que vinha do exterior…Temos o romantismo, o realismo, o modernismo… Temos tudo na nossa literatura e na nossa língua. E nem falemos sobre arquitetura e o que mais seja… Mas temos isso na língua e, quando se trata do essencial em uma questão, é a língua que traduz a cultura. Também na sua cultura, é a língua que conta sobre tudo. E, mesmo que não tenha sido escrito, isso vive no pensamento das gerações. Temos uma imagem muito clara de como era a vida neste país antes de nós: a vida era comida; a vida era ter o suficiente para comer, e por que eles se isolaram nas fazendas? Por que eles não viviam em vilarejos, em cidadezinhas? Porque as pessoas tinham que contar com a natureza, a terra onde viviam. Então, desde o começo, isso foi determinante para essa independência. Por que eles se estabeleceram no interior e não ao longo da costa, em aldeias? Eu não entendia, mas quando fui para a Noruega, eu entendi por quê. Porque o perigo sempre vinha do mar. E, como os primeiros colonos vieram da Noruega, eles não queriam viver perto do mar, porque, lá, o perigo vinha do mar. Isso é uma hipótese minha, ainda não discuti isso com especialistas.
BPM – Mas é uma boa teoria…
Vigdís: Sim, é uma boa teoria. Mas eles não diriam “você está errada”, nunca.
BPM – Não, para você, nunca diriam.
Vigdís: Não, mas é uma outra maneira de pensar, é uma possibilidade…
BPM – As línguas são dinâmicas, estão constantemente mudando. Como preservar a língua islandesa sem ser conservador?
Vigdís: Numa sociedade pequena como esta, felizmente é possível preservar a língua. Eu propago isso o tempo todo: por favor, temos que salvar esta língua, temos que ser capazes de ler sobre o nosso passado. Imagine se não conseguirmos ler os textos da idade média… Temos jóias, jóias de memória mundial. Eu sou muito otimista! Discutimos isso o tempo todo, há uma grande discussão sobre isso devido a todos os computadores, telefones, aparelhos modernos… Se você observar as pessoas pelo mundo, aonde quer que você vá, estão todos assim [fazendo um gesto como se estivesse olhando no celular], olhando assim; em qualquer país, esses aparelhos chegaram. Então, é claro que isso é perigoso. As crianças, na Islândia, eu escuto e sei; conheço uma menina de sete anos de idade, que fala inglês porque assiste à TV. Mas e o islandês?
Temos que proclamar isso o tempo todo: lembrem que a língua deste país é islandês. Façam tudo em todas as línguas, mas não se esqueçam que a língua de vocês é o islandês. Há tanta criatividade nessa língua… E olhe toda a literatura que é escrita nessa língua… Hoje à noite, estarão entregando o prêmio de melhor texto em prosa e em poesia; então, de alguma forma, a alfabetização neste país é difundida. Sim, devemos ter o cuidado com a preservação de nosso idioma o tempo todo. É sua responsabilidade, é nossa responsabilidade o tempo todo, para manter a língua viva. Tenho a sorte de ter uma filha com 4 filhos, e eles falam islandês muito bem. Então, é nossa responsabilidade, de cada indivíduo.
BPM – Você foi uma das pioneiras na indústria do turismo [Vigdís trabalhou durante anos para a Agência Nacional de Turismo, organizando passeios culturais para lugares históricos das Sagas islandesas], como você vê essa explosão do turismo na Islândia?
Vigdís: Sim, de fato, fui… (risos). Eu só tenho uma observação a fazer sobre isso. Eu gostaria de colocar uma frase nas paredes do aeroporto de Keflavík. Eu tenho a certeza de que, se eu realmente falar com os publicitários de Keflavík, que “eu quero uma linha”, simplesmente para dizer: “Entre com cuidado neste país porque leva milhares de anos para o musgo crescer!” Isso é o que eu tenho contra esse turismo de massa que o país vende. Para mim, todos os turistas devem ser alertados e advertidos sobre o fato de que estão pisando numa terra muito sensível… Tome cuidado, fique na estrada, não saia do caminho! Não toque em nada que possa ser machucado… O turismo traz dinheiro, mas devemos ter cuidado com isso.
BPM – Eu estava pensando que os islandeses são tão bons, quase ingênuos, pois partem do princípio de que todos os turistas terão cuidado com a natureza daqui. Mas as pessoas devem ser ensinadas e lhes deve ser mostrado como agir. Acho que deveriam introduzir um formulário como o que se assina para a alfândega em alguns países, com instruções; onde esteja explicado como lidar com a natureza daqui. Os turistas teriam que ler e que assinar que estão cientes de como se portar na Islândia. Nem todo mundo sabe… As pessoas não tomam cuidado…
Vigdís: Há lugares com placas proibindo as pessoas de saírem do caminho indicado, da estrada que existe, da trilha etc. Mas as pessoas parecem ignorar isso! Havia fotos nos jornais, há dois ou três dias, das pessoas pulando cercas e placas, passando por caminhos proibidos. Isso é proibido!
Muito obrigada por esta conversa e pelo seu tempo!
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La fuente de estos cuentos es la tradición popular.