Quando me perguntam sobre a Indonésia e como é viver por aqui, vem à tona sempre as mesmas palavras: povo sorridente, tolerante, país multicultural, surpreendente, exótico, etc.. Mas, se observarmos os últimos acontecimentos pelo país e o peso que essa diversidade pode trazer, não é preciso ser muito previdente para saber que em algum momento ou lugar essa tolerância recebe limites nada amigáveis.
O ano de 2016 começou com um ataque a essa aparente harmonia no país. O atentado de 14 de janeiro não foi o primeiro e nem o mais grave ocorrido no país, mas mostra que o Estado Islâmico, que assumiu o ataque, está de olho na potência que a Indonésia representa, fator determinante de poder no sudeste asiático.
O país com maior número de habitantes muçulmanos do mundo, vem sofrendo pressão de grupos radicais para se posicionarem contra tudo que fere os princípios islâmicos. E, embora exiba orgulhosa um calendário de feriados representando as mais diversas etnias e culturas, a Indonésia ainda se mostra pouco receptiva a celebrações alheias, principalmente se forem ocidentais – pior se forem pagãs – já que muitas são consideradas “impróprias” pelo Islã.
Há alguns anos vejo alguns jovens com faixas “anti-Valentine” estrategicamente parados, protestando, diante dos principais centros comerciais da cidade a cada 14 de fevereiro. O Valentine’s Day (Hari Kasih Sayang, em idioma indonésio), dia para celebrar o amor e a amizade em vários países do Ocidente, não é bem-vindo por aqui.
Este ano, diversos países muçulmanos baniram a celebração da data, considerada um apelo à promiscuidade entre os jovens. E seguindo o modelo de outros países islâmicos, a cidade indonésia de Banda Aceh, na província de Aceh – a única a utilizar a sharia, a lei islâmica – fez o mesmo. A prefeita Illiza Sa’aduddin Djamal declarou: “Nossa sociedade e a juventude muçulmana não deveriam celebrar festas não islâmicas. A lei (sharia) diz que isso é haram (pecado). O governo é obrigado a proteger o público e a nova geração desses atos ilícitos.” – como publicou o Dailymail.co.uk
E assim, a festividade comercial que movimenta bilhões de dólares nos EUA, por exemplo, foi totalmente proibida em Banda Aceh. Nada de troca de flores ou chocolates, nem cartões para os amigos íntimos. Estabelecimentos comerciais, restaurantes, cafeterias foram alertadas da proibição no dia 9 de fevereiro e não poderiam promocionar a data de forma alguma. A polícia local monitorou ruas e o comércio local no domingo (14) e recebeu ordens para “reeducar” qualquer pessoa que violasse a lei.
Banda Aceh é a capital da província de Aceh, que fica ao Norte Sumatra. Ficou conhecida no mundo todo em 2004, por ser a região que mais sofreu com a destruição e mortes provocadas pelo tsunami na Indonésia. Em 2005, como parte de um acordo com o governo para acabar com a violência de lutas separatistas, foi dada autonomia à província, que pode então introduzir a sharia e estabelecer suas próprias leis. E desde outubro passado, implantou-se o estrito código de conduta e crimes, baseados nas leis islâmicas. Entre os crimes estão o adultério, o homossexualismo e demonstrações públicas de afeto entre pessoas que não tenham relacionamento legalmente reconhecido.
Os não-muçulmanos apreendidos podem escolher se serão julgados sob a sharia ou pelo código civil indonésio regular. Em outubro, duas turistas foram presas num resort por serem lésbicas. Confessaram o “crime” e receberam como sentença um período de “reabilitação”.
Em Aceh, a lei proíbe também mulheres de trabalhar ou de participarem em eventos sozinhas depois das 11 da noite e, pasmem, casais que não estejam legalmente casados não podem andar de motos juntos, pois isso seria considerado um ato pecaminoso. As mulheres que andam em moto com seus legítimos esposos, devem fazê-lo de maneira que ambas as pernas estejam de um mesmo lado da motocicleta. E pensar que só agora entendi o real motivo do que eu considerava um delicado “detalhe” no caótico transito indonésio. Que pena, perdeu-se o encanto…
4 Comments
Putz, desculpa, mas as vezes dá raiva dos islâmicos. Se eles não gostam de festas ocidentais, então só não celebrem. Agora proibir uma festa é totalmente radical. E os que querem comemorar? E os que querem namorar? E os que querem andar pela rua sem uma “guarda” depois das 11? Apesar de ser o país dos outros, isso é bastante chato de se ver.
Oi Kareem, tudo bem? Olha, é mesmo bem complicado e incômodo ver a liberdade ser podada em nome da religião. Entretanto, tomo cuidado para não generalizar e passar uma falsa impressão do indonésio muçulmano. Citei uma área bem específica da Indonésia, onde os islâmicos são mais radicais. Em outras regiões, apesar de evitarem comemorações alheias ao islamismo, os muçulmanos são excelentes pessoas, amáveis e fogem totalmente do estereótipo que conhecemos. Vale a pena conhecer a Indonésia e seu povo. Abraço e obrigada por participar!
Olá Gisele, estou pensando em ir morar por aí com minha família. Tenho a preocupação quanto ao visto e alguma oportunidade de trabalho tbm. Poderia me ajudar neste processo?
Olá Edmilson!
A Gisele Altoé parou de colaborar conosco, mas temos outras colunistas na Indonésia.
Você pode entrar em contato com elas deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM