Falar sobre um tema polêmico nunca é fácil, ainda mais quando a discussão é sobre o aborto, assunto em que estão relacionadas várias questões, entre elas a religiosa. A população da Polônia é quase 90% pertencente à Igreja Católica Romana. O catolicismo tem um papel importantíssimo na vida dos poloneses, que também veem na igreja um símbolo de orgulho e cultura da Polônia. A Igreja tem um enorme prestigio social e muita influência política. Hoje vou falar sobre a Lei anti-aborto na Polônia.
Na Polônia a prática do aborto é legal em 3 casos: quando existe risco de vida para a mãe, quando o feto apresenta deformações graves e em caso de estupro ou incesto. A legislação que hoje está em vigor é considerada uma das mais restritivas da Europa. Há estimativas que apontam que são realizados muito mais abortos ilegais do que legais, entre 10 mil e 150 mil, contra mil ou 2 mil procedimentos oficiais.
Com o apoio da Igreja Católica e do partido que hoje está no poder, Lei e Justiça (PiS), a plataforma cidadã “Stop Aborcja” (Pare com o aborto) enviou um projeto de lei nomeado Ordo Iuris para o parlamento polonês, que visa proibir o aborto em todas as circunstâncias, sendo a única exceção se a vida da grávida correr risco imediato. As mulheres que interrompam a gravidez voluntariamente podem ser punidas em até 5 anos de prisão, assim como o médico e qualquer pessoa que tenha participado do procedimento. Gestantes que tiverem abortos espontâneos também poderão ser investigadas, já que os sintomas são parecidos com os do aborto induzido. Os críticos ainda acham que a nova lei iria desencorajar os médicos de realizarem exames pré-natais, se esses implicarem em riscos de aborto espontâneo e colocarem em risco a vida de mulheres com uma gravidez ectópica, por exemplo.
Na sexta-feira (23/09/16), a proposta de proibição do aborto contou com o apoio de 267 deputados (somente 154 foram contra e 11 se abstiveram) levando a proposta às comissões, onde será debatida por tempo indeterminado até ser redigido um projeto de lei definitivo que, posteriormente, será submetido ao voto dos congressistas. Nesse mesmo dia, outro projeto para liberar o aborto nas 12 primeiras semanas de gestação foi rejeitado em primeira instância.
Já no sábado (24/09/16), milhares de pessoas vestidas de preto protestaram contra o projeto em frente ao parlamento, e inspiradas pela greve de mulheres na Islândia em 1975, uma grande greve foi marcada para segunda-feira (03/10/16), chamada de “Czarny Protest” (Protesto Negro) ou “Czarny Poniedziałek” (Segunda-feira Negra). A cor preta foi instituída como símbolo de luto pela perda dos direitos reprodutivos. Muitos restaurantes, empresas, lojas, escolas e universidades dispensaram suas funcionárias e alunas para que todas pudessem participar da greve.
Em Varsóvia, logo pela manhã, mais de 2 mil pessoas se reuniram diante da sede do partido Lei e Justiça, formando uma corrente humana batizada de “Muro da Fúria”. Mas foi no período da tarde, na Praça do Castelo, na Cidade Velha, onde ocorreu a maior concentração de manifestantes. Os organizadores divulgaram que cerca de 30 mil pessoas se reuniram, mesmo debaixo de chuva.
As mobilizações aconteceram não só em várias outras cidades da Polônia – onde cerca de 100 mil polonesas saíram às ruas – mas também em outros países. Mulheres do mundo inteiro enviaram suas fotos com a hashtag #czarnyprotest em solidariedade às mulheres polonesas. Muitos homens também se juntaram e participaram, apoiando suas filhas, mulheres e namoradas, mostrando que isso não é assunto exclusivo para nós mulheres.
No fim do dia, todas voltaram para suas casas com a sensação de dever cumprido, esperando que a greve tenha surtido algum efeito nos políticos e chamado bastante a atenção da mídia internacional.
Já na quarta-feira (05/10/16), a comissão parlamentar encarregada de revisar o projeto recomendou que o parlamento rejeitasse a lei. O vice-primeiro-ministro e o ministro da Ciência e Ensino Superior, Jarosław Gowin, admitiu que “Os protestos de segunda-feira nos fizeram refletir e nos deram uma lição de humildade, além de avaliarmos a importância dessas manifestações e a boa intenção dos que protestaram”.
Na manhã de quinta-feira (06/10/16), o parlamento polonês rejeitou o projeto de lei por 352 votos, incluindo políticos conservadores e da oposição. Somente 58 votaram a favor e 18 se abstiveram.
A mudança de opinião do partido Lei e Justiça (PiS) aconteceu, segundo eles, por não concordarem que as mulheres fossem punidas em caso de aborto. Jarosław Kaczyński, líder do partido, disse antes da votação que “sempre apoiaria a vida” e alegou que os poloneses defendem a atual legislação. Fez também questão de realçar que os defensores do projeto de lei não fazem isso da melhor maneira possível.
Para a oposição, a mudança de opinião do partido governista ocorreu pelo pânico dos deputados com a quantidade de mulheres que foram protestar nas ruas. Ewa Kopacz, ex-primeira-ministra, deputada e líder do partido Plataforma Cívica (PO), disse que “o Lei e Justiça recuou porque teve medo de todas as mulheres que protestaram nas ruas do país”. A também deputada Joanna Mucha (PO) advertiu que “As mulheres polonesas não permitirão que sejam levadas ao matadouro como ovelhas”.
A Igreja Católica polonesa reiterou em um comunicado seu apoio à proibição total do aborto, mas não concorda com a possibilidade de estabelecer penas de prisão para as mulheres e médicos.
Para o diretor da Fundação Pró- Direito à vida, que estimula e defende a proibição total do aborto, o resultado denunciou a hipocrisia do PiS: “Os eleitores que apoiaram o partido podem sentir que foram enganados”, disse ele antes de afirmar que o movimento continuará com a campanha contra o aborto.
As mulheres polonesas são fortes, determinadas e sabem que passaram pela primeira batalha, mas com a certeza de que essa não foi a primeira e muito menos terá sido a última. Todas já sabem que um novo projeto de lei com a proibição total do aborto, onde a mulher não será penalizada, poderá ser enviado ao parlamento e, por causa disso, já está sendo preparado um protesto para o dia 24 de outubro, dia em que a greve de mulheres na Islândia completa 41 anos.
Agora mais do que nunca as mulheres polonesas têm certeza de que unidas, podem lutar pelos seus direitos e por um futuro melhor.